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Análise de Poemas e de Prosa — Método Formal
Análise de Poemas e de Prosa — Método Formal

 

Método Formal – Análise de Poemas e de Prosa.

 

O Formalismo Russo recusa as tendências de compreensão do texto poético vinculado a questões sociais ou à biografia do autor.

 

O signo poético passa a ser privilegiado na análise, e o crítico adota diversas perspectivas da linguagem, colocando em evidência aspectos Semânticos, Morfológicos e Fonéticos da palavra.

 

Os críticos impressionistas

 

Stéphane Mallarmé condensou essa proposta com a ideia de que o livro deve ser entendido como expansão total da letra.

 

Tzvetan Todorov (1939

“A letra e o signo verbal serão considerados por nós como a base de toda a literatura. Uma das consequências dessa decisão será que o conhecimento da literatura e o conhecimento da linguagem são simultâneos e que só poderemos falar do discurso literário na medida em que possamos falar do verbo em geral, e inversamente.” (TODOROV, Tzvetan. Estruturalismo e poética. São Paulo: Cultrix, 1970. p. 22)

 

Discurso Literário

O Formalismo gerou diversas correntes críticas para as quais o fundamental é o estudo do texto em si mesmo e não suas relações extrínsecas. Dentre essas correntes, o Estruturalismo empenhou-se em aprimorar as propostas iniciais dos formalistas. E é através das bases estruturalistas que o signo poético se expande na análise morfológica, sintática.

  

O trabalho do crítico Osip Brik foi de extrema importância para a consolidação dos métodos de análise formalista, pois, em seus estudos sobre a versificação da poesia russa, destacou o verso como um complexo linguístico rítmico e sintático. Brik propunha que não fossem analisadas apenas as rimas, as aliterações e as assonâncias, mas que a análise focasse também os “planos sonoros” do texto, como o uso, no signo poético, das vogais fortes.

 

Contra o pensamento de que a literatura perderia sua função se fosse desvinculada de aspectos sociais, Osip Brik apresentou argumentos em defesa da análise formalista do texto poético, entre os quais o de que tudo o que o poeta escreve não possui valor como expressão do seu “eu”. Considera-se, nesse caso, que, tanto a subjetividade do autor (suas emoções mais individuais) quanto a sua relação com o mundo exterior não importam na análise. O que realmente interessa aos formalistas são os elementos que compõem o texto.

 

Além de apresentar estudos sobre elementos da poesia como rima, ritmo, harmonia e metro, também elabora teorias sobre o verso livre, evidenciando o conceito de prosa poética.

  

Estranhamento – Análise do poema “Uma nuvem de calças”, de Vladimir Maiakovski

O Poema

 

Outra proposta dos formalistas russos é o estranhamento, característica imanente ao texto poético.

 

Uma nuvem de calças (fragmento)

 

Glorifica-me!

Os grandes não se comparam a mim.

Em cada coisa que eles conseguiram

Eu carimbo um nada.

 

Eu nunca quero

ler nada.

Livros?

O que são livros!

 

Antes eu acreditava

que os livros eram feitos assim:

um poeta vinha,

abria levemente os lábios,

e disparava louco numa canção.

Por favor!

Mas parece,

que antes de se lançarem numa canção,

os poetas têm de andar por dias com os pés em calos,

e o peixe lento da imaginação,

lateja ligeiro no bater do coração.

E enquanto, com a filigrana da rima, eles cozem uma sopa

de amor e rouxinóis,

a estrada sem língua apenas sucumbe

por não ter nada a gritar ou a dizer.

 

(...)

 

http://www.bazardaspalavras.com.br/orange/kazan/liter

 

O Argumento

Nesse processo, o autor consegue promover no leitor a “desautomatizaçao”, ou seja, causa no leitor um desconforto ao retirá-lo do senso comum da comunicação, levando-o a deparar-se com a “consciência linguística da literatura.” 

O exemplo acima serve para ilustrar o efeito combinatório dos signos.

 

A Leitura

O autor Ivan Teixeira, no ensaio intitulado “O Formalismo Russo”, destaca esse efeito combinatório de signos, explicando que “o desconforto dos enunciados inovadores integra o complexo de propriedades que atribuem valor estético ao texto”.

 

Evidenciamos, no fragmento do poema “A nuvem de calças”, do escritor russo Vladimir Maiakovski, esse processo de estranhamento (ostranenie), tendo em vista as combinações inusitadas entre os signos utilizados.

VEJA MAIS:

 

http://textoterritorio.pro.br/alexandrefaria/recortes/cult_fortunacritica_2.pdf

 

UMA NUVEM DE CALÇAS (FRAGMENTO) 2

Glorifica-me!

Os grandes não se comparam a mim.

Em cada coisa que eles conseguiram Eu carimbo um nada.

Eu nunca quero ler nada. Livros?

O que são livros!

Antes eu acreditava que os livros eram feitos assim: um poeta vinha, abria levemente os lábios, e disparava louco numa canção.

Por favor!

 

Mas parece, que antes de se lançarem numa canção, os poetas têm de andar por dias com os pés em calos, e o peixe lento da imaginação, lateja ligeiro no bater do coração.

 

E enquanto, com a filigrana da rima, eles cozem uma sopa de amor e rouxinóis.

 

A  Análise

Evidenciamos, no fragmento do poema “A nuvem de calças”, do escritor russo Vladimir Maiakovski, esse processo de estranhamento (ostranenie), tendo em vista as combinações inusitadas entre os signos utilizados.

 

O poema de Maiakovski exige do leitor algum conhecimento dos processos de criação literária, a fim de que ele seja instigado a desvendar a imprevisibilidade do texto, buscando, através da análise, compreender o efeito estético que causou estranhamento no ato da leitura. O título do texto já anuncia a proposta estética elaborada pelo poeta: “Uma nuvem de calças”. Ao associar os signos “nuvem” e “calças”, o autor obriga o leitor a desfazer-se temporariamente da imagem acionada comumente na imaginação ao ouvir/ler o signo “nuvem”: leveza, distanciamento, volatilidade etc.

  

Uma nuvem de calças (fragmento) 

Glorifica-me!

Os grandes não se comparam a mim.

Em cada coisa que eles conseguiram

Eu carimbo um nada.

 

Eu nunca quero

ler nada.

Livros?

que são livros!

 

Antes eu acreditava

que os livros eram feitos assim:

um poeta vinha,

abria levemente os lábios,

e disparava louco numa canção.

(...)

A concretude do signo “calças” propõe que o signo “nuvens” seja lançado na realidade humana e cotidiana. Retomamos, então, a proposta de Chklovski, teórico que cunhou o termo “estranhamento”, e segundo a qual o poeta não cria novas imagens, pois elas já existem historicamente e são apreensíveis pelo leitor. O que o poeta faz é “singularizar o texto”, inaugurando novas imagens a partir de imagens conhecidas, sem que esse processo esteja vinculado a uma proposta didática.

 

Explicação Expandida

O conceito de “estranhamento”, proposto por Victor Chklovski, contradiz uma ideia anterior sugerida pelo teórico Aleksandr Potebnia e adotada pelos poetas simbolistas, segundo a qual a função da literatura é agrupar imagens heterogêneas e explicar o desconhecido pelo conhecido. Potebnia cunhou a sentença que marcou o início dos estudos de teoria literária: “A arte é pensar por imagens”. Desenvolvendo seu pensamento, argumentou: A poesia assim como a prosa é antes de tudo, e sobretudo, uma certa maneira de pensar e conhecer”.  De acordo com Chklovski, as imagens poéticas não devem acionar um conhecimento, mas provocar um estranhamento no leitor que o conduza à densidade da percepção estética.

 

(CHKLOVSKI, Viktor. A arte como procedimento. In: Teoria da Literatura: os formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1976.)

 

Uma nuvem de calças (fragmento) 

Glorifica-me!

Os grandes não se comparam a mim.

Em cada coisa que eles conseguiram

Eu carimbo um nada.

 

Eu nunca quero

ler nada.

Livros?

O que são livros!

 

Antes eu acreditava

que os livros eram feitos assim:

um poeta vinha,abria levemente os lábios,

e disparava louco numa canção.

(...)

 

Na primeira estrofe, o eu lírico se posiciona acima daqueles a quem chama “grande”. “Glorifica-me!”: sugere, propõe, ordena, implora. Estabelece sua relação com o leitor. O verso “Eu carimbo um nada” provoca mais um estranhamento, agora desencadeado por um desvio, visto que a função de um carimbo é imprimir palavras ou imagens.  

 

A segunda e a terceira estrofes exigem que o leitor reelabore a ideia construída culturalmente a respeito dos livros e da figura do poeta, exatamente como proposto pelo formalismo russo. Desfaz-se a imagem do autor inspirado e da poesia como ato sublime. Maiakovski, no texto, renuncia aos livros e, ainda, reconhece que também ele participava de uma concepção geral de que o poeta possui uma espécie de dom divino. O estranhamento, neste caso, dá-se pelo fato de que tais conceitos são estabelecidos através de um texto poético, ou seja, o próprio instrumento da poesia é utilizado como contra-argumento do fazer poético.

 

Uma nuvem de calças (fragmento)

Glorifica-me!

Os grandes não se comparam a mim.

Em cada coisa que eles conseguiram

Eu carimbo um nada.

 

Eu nunca quero

ler nada.

Livros?

O que são livros!

 

Antes eu acreditava

que os livros eram feitos assim:

um poeta vinha,abria levemente os lábios,

e disparava louco numa canção.

(...)

 

Na terceira estrofe, o poeta Maiakovski intensifica a densidade estética do texto, provocando estranhamento com a elaboração de fatos sintáticos que exigem a análise mais cuidadosa do leitor.  

 

O segundo e terceiro versos encontram-se em oposição ao apresentarem duas circunstâncias associadas ao signo “poetas”: “canção”, signo que sugere um conceito diáfano X “pés em calos”, representativo de luta, trabalho, realidade tangível. Outros fatos sintáticos desautomatizam a percepção do leitor no mesmo procedimento de associar signos pela oposição abstrato X concreto, o que retira as imagens conhecidas de seu espaço de sublimidade e as lança na dura realidade da existência: “peixe lento da imaginação”; “eles cozem uma sopa de amor e rouxinóis”; “estrada sem língua”.

 

Uma nuvem de calças (fragmento) 

Glorifica-me!

Os grandes não se comparam a mim.

Em cada coisa que eles conseguiram

Eu carimbo um nada.

 

Eu nunca quero

ler nada.

Livros?

O que são livros!

 

Antes eu acreditava

que os livros eram feitos assim:

um poeta vinha,abria levemente os lábios,

e disparava louco numa canção.

(...)

 

Atenção!

Os métodos de análise dos formalistas russos são imanentes ao texto, isto é, a literariedade. Assim, mesmo que o leitor tenha conhecimento do contexto histórico em que se insere o autor e de dados biográficos relevantes, esses não devem ser utilizados na análise do texto poético.

 

Análises morfológicas e fonológicas de poemas de vanguarda

A partir dos pressupostos de Chklovski, segundo os quais um poema deve ser analisado tendo como base a Linguística e os aspectos a essa ciência intrínsecos, Roman Jakobson, também integrante do Formalismo Russo, difundiu a ideia de que a função poética da linguagem consiste na ambiguidade que se alcança através da concisão do signo.

 

Isso equivale a dizer que, como a poesia é uma expressão de linguagem reduzida, os vocábulos devem ser utilizados de forma a permitir que o leitor o expanda, seja em sua própria construção morfológica e fonológica, seja no seu significado (semântica), ou, ainda, na organização sintática do verso do qual o signo faz parte.

 

Essa proposta dos formalistas vai ao encontro dos interesses de poetas europeus que intentavam um novo jeito de fazer poesia que se distanciasse dos modelos tradicionais. A linguagem poética, portanto, era um dos alvos preferidos desses poetas, visto ser o instrumento fundamental da poesia.

 

Surge, assim, mais especificamente no início do século XX, a poesia de vanguarda*. O termo tem origem na expressão francesa “avant-garde”, expressão militar que significa “linha de frente”.

 

*Vanguarda: Fig. [...] que exerce ou procura exercer um papel pioneiro. Desenvolvendo técnicas, ideias e conceitos novos, avançados, especialmente nas artes. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)

 

O futurismo é um movimento artístico e literário surgido oficialmente em 20 de fevereiro de 1909, com a publicação do Manifesto Futurista, do poeta italiano Filippo Marinetti, no jornal francês Le Figaro. (www.brasilescola.com)

 

A Vanguarda

Dentre os movimentos de vanguarda, destaca-se o Futurismo, movimento iniciado por Felippo Marinetti, e que expressava uma postura utópica dos artistas envolvidos com a modernidade e o surgimento de uma nova era, e que negavam o passado e as tradições socioculturais, especialmente as que representavam ideologias burguesas.

 

Filiaram-se aos movimentos vanguardista e futurista poetas como Vladimir Maiakovski, Ezra Pound, James Joyce, Fernando Pessoa e, no Brasil, Oswald de Andrade, Haroldo e Augusto de Campos, Ferreira Gullar, Décio Pignatari entre outros. Movimentos como Dadaísmo, Concretismo, Neoconcretismo, Poesia Experimental, Poesia Práxis e Poesia Visual têm origem na poesia de vanguarda.

 

Os Vanguardistas

Conheça agora quem foram os principais vanguardistas e futuristas da época:

 

Um dos poetas de Vanguarda: Felippo Marinetti (1876-1944) – Também atuou como escritor, editor, ideólogo, jornalista e ativista político.

 

Os poetas de vanguarda acabaram por semear o que o teórico e poeta Octavio Paz chamou de “tradição da ruptura”, considerando que existe uma continuidade do projeto artístico de ser, constantemente, uma reação contra uma fórmula anterior. Assim, romper com a tradição torna-se, em si mesmo, um ato de tradição, configurando-se uma “tradição da modernidade”.

 

(PAZ, Octavio. Signos em rotação. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.)

 

As propostas pelo Formalismo Russo, fundamentadas na Linguística, tornaram-se extremamente profícuas na análise de poemas vanguardistas, visto que os formalistas indicavam compreender o texto poético também através de uma análise morfológica e fonológica, e é exatamente essas estruturas do signo que os poetas de vanguarda alteravam para romper com a tradição da linguagem.

 

MANIFESTO da literariedade

Acompanhe agora o Manifesto Escrito por Roman Jakobson

 

"A poesia é linguagem em sua função estética. Deste modo, o objeto do estudo literário não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária. E, no entanto, até hoje, os historiadores da literatura, o mais das vezes, assemelhavam-se à polícia que, desejando prender determinada pessoa, tivesse apanhado, por via das dúvidas, tudo e todos que estivessem num apartamento, e também os que passassem casualmente na rua naquele instante. Tudo servia para os historiadores da literatura: os costumes, a psicologia, a política, a filosofia. Em lugar de um estudo da literatura, criava-se um conglomerado de disciplinas mal-acabadas. Parecia-se esquecer que estes elementos pertencem às ciências correspondentes: História da Filosofia, História da Cultura, Psicologia etc., e que estas últimas podiam, naturalmente, utilizar também os monumentos literários como documentos defeituosos e de segunda ordem. Se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele deve reconhecer o 'processo' como seu único 'herói'.

 

EIKHENBAUM, Boris et alii. Teoria da Literatura: formalistas russos. Trad. Ana Mariza Ribeiro. et alii. Porto Alegre: Globo, 1978.

 

Eu
à poesia
só permito uma forma:
concisão,
precisão das fórmulas
matemáticas.
Às parlengas poéticas estou acostumado,
eu ainda falo versos e não fatos.
Porém
se eu falo

"A"
este "a"
é uma trombeta-alarma para a Humanidade.
Se eu falo
"B"
é uma nova bomba na batalha do homem.
(De V Internacional – tradução: Augusto de Campos)

 

http://www.culturapara.art.br/opoema/maiakovski/maiakovski.htm

 

Vladimir Maiakovski, poeta que comungou das ideias de Jakobson, explorou sistematicamente as propostas formalistas, como se percebe no poema abaixo, no qual expõe a relação entre poesia e concisão da linguagem, além de explorar possibilidades morfológicas no texto.

 

O Modernismo brasileiro da primeira fase ou “fase heroica”, que teve início com a Semana de Arte Moderna de 1922, tem em Oswald de Andrade um de seus maiores representantes. O poeta é, também, um dos escritores que mais e melhor utilizou uma estética vanguardista, especialmente no tocante a uma redefinição da palavra poética, o que possibilita uma análise formalista de seus textos.

 

Para esta aula, destacamos o poema “Vício na fala”, para elaboração de uma análise morfológica e fonológica. Avance para conhecer o poema.

 

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mio

Para melhor dizem mió

Para pior pió

Para telha dizem teia

Para telhado dizem teiado

E vão fazendo telhados

(ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.)

 

O poema de Oswald de Andrade tem como motivo a própria língua portuguesa e a diferença entre escrita e oralidade. Apresentam-se em oposição os signos “milho” x “mio”; “melhor” x “mió”; “pior” x “pió”; “telha” x “teia”; “telhado” x “teiado”. Temos, assim, para análise, a exploração de fatos linguísticos morfológicos e fonológicos para evidenciar, no texto, a realidade de determinados falantes, não sendo necessário contextualizar socialmente tais falantes para que o leitor entenda a proposta. No entanto, não há dúvidas de que os falantes que se representam no poema pertencem a uma classe social desfavorecida, observando-se o último verso, no qual o signo “telhados”, ao complementar o verbo “fazer”, indica trabalho braçal.

 

Análise semântica de um poema de Mário Quintana

Considerando a Linguística a ciência fundamental para análise do texto poético, os formalistas russos incluíram, na compreensão da poesia, os estudos de semântica.

 

A relação entre significante (forma gráfica) e significado (conceito), proposta por Ferdinand de Saussure, é utilizada largamente nas análises formalistas. Apesar de se autodenominarem “morfologistas”, como vimos, os formalistas russos não se limitavam ao estudo morfológico do signo (estrutura, formação, flexões e classificação das palavras). Os estudos do léxico, da sintaxe e da fonologia também fazem parte da análise, como exemplificamos acima. Da mesma forma, a semântica, área da Linguística que estuda a significação das palavras no contexto em que se apresentam deve ser instrumento de análise.

 

Ferdinand de Saussure (1857-1913) - Graças aos seus estudos e ao trabalho de Leonard Bloomfield, a linguística adquiriu autonomia, objeto e método próprios. Seus conceitos serviram de base para o desenvolvimento do estruturalismo no século XX. (http://pt.wikipedia.org)

 

Poeminha do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
(QUINTANA, Mário. Prosa e Verso. São Paulo: Globo, 1978)

 

O texto do poeta gaúcho Mário Quintana compõe-se de quatro versos. Os três primeiros não surpreendem o leitor, visto se organizarem através de uma linguagem coloquial e prosaica, e com signos que não apresentam ambiguidades ou desvios em relação ao uso cotidiano da fala. No entanto, o último verso causa estranhamento no leitor por um processo semântico que precisa ser apreendido no ato da leitura. O signo “passarinho” decorre do verbo “passarão”. Tal associação, aparentemente inadequada, encontra fundamentação na proposta semântica elaborada.

 

O signo “passarão” define a transitoriedade de pessoas que estão “atravancando” o caminho do eu lírico. Há, claramente, uma adversidade que deveria ser solucionada com outro signo oposto que indicasse a permanência do sujeito que fala, sua perenidade, sua eternidade. Entretanto, o poeta apresenta ao leitor o signo “passarinho”, provocando a “desautomatização” do texto. O leitor, então, recorre à semântica para compreender o processo criativo.

 

O signo “passarinho” pode expandir-se no seguinte campo semântico: liberdade, leveza, beleza. Entendemos, assim, que mais do que permanecer em um determinado contexto de vida (enquanto os outros “passarão”), o eu lírico manter-se-á em estado de volatilidade e liberdade, o que se opõe, semanticamente, ao signo “atravancando”.

 

Consideramos necessário destacar ainda, para enriquecimento da análise, a oposição entre os sufixos presentes nos signos “passarão” e “passarinho” como recurso morfológico e fonológico, os quais inserem, na percepção do leitor, mais uma dicotomia entre o eu lírico (“eu passarinho”) e o objeto de quem fala (“eles passarão”).

“[O Trágico Dilema]
Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro”. <http://pensador.uol.com.br>.

 

O Método Formal – Análise de Narrativas

A POESIA

Sem dúvida, a poesia é o objeto primeiro de estudos dos formalistas russos, pela concisão da linguagem e, em consequência, a possibilidade de expansão da palavra poética.

 

A PROSA

Entretanto, a prosa também interessou aos morfologistas, visto considerarem a necessidade de estudar e aplicar o conceito de “prosa poética”. Assim, os formalistas russos entenderam que as características imanentes da poesia poderiam ser encontradas também em textos em prosa.

 

Os Pioneiros

Os primeiros teóricos a discutir a narrativa de acordo com o método formal foram Viktor Chklovsky, na obra Sobre a Teoria da Prosa, Tomachevski, autor do primeiro trabalho sobre Teoria da Literatura, e Vladimir Propp, autor da Morfologia dos Contos (1928), trabalho que foi aplicado à narrativa em geral.

 

Boris Eikhenbaum elaborou uma teoria da prosa sob o ponto de vista histórico, discutindo a evolução do romance em relação à oralidade.

 

A partir daí, conseguiu estabelecer diferenças entre o romance e a novela, sendo esta uma “equação com apenas uma incógnita”, enquanto o romance seria um “sistema de equações com muitas incógnitas”, com muitas regras a serem observadas, especialmente durante o desenrolar da trama narrativa.

 

Viktor Chklovski orienta o estudo da prosa a partir da separação entre os elementos constitutivos da narrativa e o seu conteúdo, da mesma forma que se procede com a análise do texto poético.

 

Na obra Poética da Prosa, Tzvetan Todorov sintetiza os parâmetros que deve seguir um investigador na análise de narrativas, conforme a proposta dos formalistas russos:

 

1) uma classificação tipológica e não genética: o analista deve examinar o próprio texto, a sua estrutura interna, e não as influências diretas de uma obra sobre outra;

 

2) definição do tema, ou seja, a sequência de acontecimentos (e não apenas de imagens) como é apresentada na obra, sendo que, no romance, após o desfecho do tema, deve haver um certo declínio, enquanto na novela e no conto, o desfecho em ápice coincide com o fim do texto;

 

3) uma tipologia linguística que confronte os sistemas fonológicos, morfológicos e sintáticos, sem que os recortes feitos nas diversas obras tenham que, necessariamente, coincidir;

 

4) identificar uma gramática da narrativa (léxico), a fim de que seja possível associar tanto a trama quanto os personagens a frases e seus componentes (substantivos, verbos, advérbios, adjetivos etc.);

 

5) por fim, a estrutura da narrativa pode ser evidenciada tanto na relação entre os personagens, destacando-se as oposições e as afinidades entre eles, quanto nos diferentes estilos de narrativa, ou mesmo no ritmo do texto determinado pelo autor. (TODOROV, Tzvetan. Poética da prosa. São Paulo: Martins Fontes, 2003)

 

EXPLICAÇÃO EXPANDIDA

Todorov orienta o analista de uma narrativa a observar que, em alguns textos, cada personagem representa uma nova trama. Assim, nem sempre é possível separar a análise do tema da análise dos personagens. Esse tipo de personagem, que por si só estrutura todo o enredo e modifica-o, é chamado pelo teórico de “homens-narrativa” e apresenta, como exemplo, Sherazade, personagem central da obra As Mil e Uma Noites. (TODOROV, Tzvetan. Poética da prosa. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)

 

Método formal

Análise de Narrativas

Ao analisar a obra O Capote, de Nicolai Gogol, Boris Eikhenbaum evidencia a oposição entre os personagens como elemento fundamental do texto. A trama se passa na Rússia czarista, e tem como personagem principal Akáki Akákievitch Bachmátchkin, um funcionário público que necessita comprar um capote (agasalho reforçado para uso em baixas temperaturas). Como tem pouco dinheiro, faz economias até conseguir mandar confeccionar o agasalho, mas só o utiliza por apenas um dia, pois é assaltado. Sem a ajuda das autoridades, acaba debilitado e falece.

 

A narrativa, a partir de então, elabora-se numa atmosfera fantástica e apresenta o personagem como um fantasma que vaga pela cidade em busca de seu capote. Akáki, já fantasma, vinga-se ao assustar um importante funcionário público que lhe havia negado ajuda, e rouba-lhe o agasalho.

 

O personagem se destaca por qualidades pouco comuns ao seu cargo de funcionário público, e é nesse ponto que ele se opõe aos demais personagens da narrativa. Akáki é dedicado ao trabalho e conforma-se com o baixo rendimento, o que o faz ser estigmatizado por seus colegas. Akáki sente mágoa, fome, medo, desespero e impotência diante da própria vida.

 

O estranhamento é apresentado ao leitor pelo próprio narrador do texto:

 

Mas quem poderia imaginar que não dissemos tudo a respeito de Akáki Akákievitch, condenado a tornar-se famoso alguns tempos depois da morte, como recompensa de uma vida que passou ignorada? Sucedeu efetivamente isso, e a nossa pobre história tem uma abrupta conclusão. Começou a difundir-se por são Petersburgo o rumor de que na ponte de Kaliukine, nas ruas vizinhas e nos bairros a que ela conduzia aparecia de noite um fantasma, com aspecto de funcionário público, que procurava um capote roubado e tirava capotes de todos os ombros, sem diferençar classes ou profissões: os de gola de pele de gato, de castor, de coelho, de raposa ou de qualquer outra espécie de pele.

 

Um dos funcionários da repartição viu com seus próprios olhos o fantasma e reconheceu imediatamente o defunto Akáki Akákievitch; mas produziu-lhe este tal terror que se pôs a correr quanto podia, sem se atrever a voltar a olhar para o fantasma, que o ameaçava com o dedo espetado.

 

Referência:

http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/traduzidos/o_capote.htm

 

Boris Eikhenbaum realiza uma análise de O Capote na qual destaca também a figura do narrador em oposição ao personagem central. O narrador da história é irônico, ao contrário de Akáki. Segundo Eikhenbaum, através do narrador “transfere-se o centro de gravidade da trama, reduzido então ao mínimo, para os procedimentos de narração direta”.

 

(EIKHENBAUM, Boris. Como é feito O Capote de Gogol. In: TOLEDO, Dionísio de Oliveira. (org.) Teoria da literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1973)

 

Outra interessante análise a ser realizada na obra O Capote, seguindo a instrução dos formalistas russos, é o contraste entre personagens, em que se destacam: a) Akáki x a pessoa importante; b) Akáki, vivo x Akáki fantasma. Na primeira oposição, temos a diferença social determinada pela condição financeira de cada personagem; na segunda, um “duplo” que elabora o personagem principal em seu contraespelho, visto ser Akáki vivo tímido, conformado, ironizado pelos colegas, e Akáki fantasma, corajoso, ousado e ávido por fazer justiça.

 

A fim de consolidar nosso conhecimento acerca da análise de narrativas de acordo com a orientação dos formalistas russos, destacamos uma análise de um fragmento da obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, realizada pelo professor Roberto Acízelo, na qual destaca outra característica do método formal, o desvio. Eis o fragmento utilizado:

 

“O sol poente desatava, longa, a sua sombra pelo chão, e protegido por ela – braços largamente abertos, face volvida para os céus, - um soldado descansava.

 

Descansava... havia três meses.

Morrera no assalto de 18 de julho”.

 

Segundo o professor Acízelo, o desvio, no fragmento acima, é provocado por um fato léxico, ou seja, de vocabulário, mais especificamente quanto ao uso do verso “descansar”, combinado com um fato sintático, determinado pela pontuação.

 

“O primeiro parágrafo termina com a palavra ‘descansava’, que em princípio nada tem de especial. Mas algo especial se prepara, quando o parágrafo subsequente se inicia com a mesma palavra ‘descansava’, à qual se segue a suspensão momentânea da frase, pelo emprego das reticências, concluindo-se o período com o segmento ‘havia três meses’. Assim, antecipa-se o verdadeiro sentido daquele ‘descansava’ inicial, finalmente revelado pela palavra que abre o último parágrafo: ‘morrera’”.

 

Com relação ao fato sintático, Roberto Acízelo esclarece que o uso das reticências é incomum, pois, ao invés de encerrarem a frase, “operam um corte no meio dela, criando rápido suspense logo desfeito pela precipitação de seu segmento terminal”. Tratam-se, ambos os desvios, de uma proposta autoral organizada, que foge ao comum da linguagem e constituem a literariedade (literaturnost) do texto.

 

http://www.ufrgs.br/proin/versao_1/teoria2/index15.html

 

Finalizando as análises de estruturas narrativas, não se poderia deixar de evidenciar uma análise formalista dos aspectos morfológico, fonológico e semântico do texto que, muitas vezes, se completam para a melhor compreensão da proposta autoral. Para tanto, destacamos o conto “A Terceira Margem do Rio” , de João Guimarães Rosa.

 

“Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — ‘Cê vai, ocê fique, você nunca volte!’ Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — ‘Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?’ Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa”. (ROSA, João Guimarães. A Terceira Margem do Rio. In: Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988).

 

O conto organiza-se por construções frasais incomuns, marcadas tanto pela oralidade, o que se define pelo léxico utilizado, quanto pelo uso de recursos sintáticos variados. Forma-se, então, a literariedade do texto.

 

O texto apresenta desvios fonológicos que definem a sua oralidade, especialmente no tocante à repetição de preposições e advérbios. O fragmento selecionado é o único, em todo o texto, que apresenta discurso direto livre, representado pelas falas da mulher e do filho, e é nesse trecho que se destaca um desvio morfológico marcado pela substituição do pronome “você” por “ocê”.

 

Entretanto, são os desvios semânticos que enriquecem o conto de Guimarães Rosa. Destacamos os seguintes exemplos:

- sem alegria nem cuidado: a oposição entre os dois substantivos estabelece um espaço intermediário em que o personagem “pai” se mantém alheio à própria família, voltado apenas para o seu projeto de partir na canoa;

- decidiu um adeus para a gente: o uso do verbo, neste caso, desestabiliza o leitor, que entende ser este um ato definitivo;

- Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida: “esbravejar” x “alva de pálida” indicam o que se esperava como reação da mulher abandonada pelo marido e como a surpresa e a dor limitaram sua atitude diante da decisão inesperada do personagem “pai”;

- E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.: neste caso, destaca-se tanto a comparação entre a canoa e o jacaré, dando conta ao leitor da realidade espacial dos personagens, quanto a aparente redundância da construção “comprida longa”, o que pode ser compreendido como a lentidão do movimento da canoa sobre o rio e a ação do sol, provocando uma sombra extremamente longa sobre as águas.

 

Método formal

Análise de Narrativas

Como vimos, o formalismo russo considera a literariedade igualmente na poesia e na prosa, cabendo ao investigador elaborar uma análise linguística que realce as características imanentes do texto literário.

http://odiluvio.blogspot.com.br/2010/12/dominio-publico-terceira-margem-do-rio.html