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Eric Novello
Eric Novello

 

A escritora Ceres Maron entrevista o também escritor ERIC NOVELLO...

 

 

Eric Novello já trabalhou em bancadas de laboratórios, drogarias e instalações industriais. Estreou na literatura em 2004 e publicou projetos diversos desde então. Seu romance mais recente – Exorcismos, Amores e Uma Dose de Blues – saiu em 2014 pela Editora Gutenberg.

Multitarefas, é tradutor técnico e literário. Presta serviços ocasionais de leitura crítica e copidesque, tendo trabalhado com vários autores da nova geração.

A lista completa de seus trabalhos como autor, organizador e tradutor encontra-se disponível na seção Publicações.

De 2006 a 2012, foi colunista do Jornal de Arte Aguarrás, publicando textos sobre cinema e literatura. Entre 2009 e 2011, integrou a equipe do podcast Papo na Estante. Como compositor, trabalhou com sua irmã Cássia no projeto Noturna e escreveu o blues Doomsday.

Nascido no Rio de Janeiro, decidiu em 2007 se integrar à cultura e ao caos de São Paulo, onde reside atualmente.

Acha o feminismo importante, que a homofobia deve ser criminalizada e que o mundo pode ser menos babaca e careta. Coleciona cactos e suculentas, é dono de um maine coon chamado Odin e adora passar as horas vagas em seu PlayStation, não dispensando uma boa luta de Mortal Kombat nem um rolezinho em Arkham.

 

 

1-    Você já trabalhou em várias profissões e se intitula “multitarefa”. Em quais desses trabalhos todos você, realmente, se encontra e por quê?

Sou meio workaholic. O que não acho bom. De dois anos para cá, venho tentando deixar de ser multitarefas. De ser o cara que faz de tudo para ser o cara que faz o que gosta. Recuperei meus horários de ver filmes, de jogar no PS3, tenho passado bastante tempo cuidando do meu cactário. Esparramado no sofá lendo em papel ou no kindle. É aí que eu me encontro, no lazer, na companhia dos amigos. Na cabeça descansada. É assim que eu quero que seja mais e mais. É claro, sou tradutor, e gosto da minha profissão. E escrever é uma das coisas que dá sentido à minha vida. Sem a literatura não existe Eric Novello. Mas se a gente se sentar para comer uma torta de tiramisu e beber um bom vinho, te digo que estarei muito bem ‘encontrado’ ali.  

 

2-    De todas as suas publicações, qual a mais significativa? Por quê?

A mais recente é sempre a mais significativa. É como um jogo, cada fase um desafio diferente, um chefão a ser vencido. E esse jogo vai ficando mais difícil a cada ano. “Exorcismos, Amores e Uma Dose de Blues”, que lancei em 2014, tem sido importante por ser meu retorno à fantasia, meu retorno a uma editora grande, a romances maiores e mais complexos, isso tudo no ano em que comemorava 10 anos da minha primeira publicação. Muita gente está conhecendo o meu trabalho a partir dele. Então, embora não tenho filho favorito, o EADB está ocupando esse posto no momento. De portal mágico para o Estranho Mundo de Eric.

 

3-    Ícaro, personagem de “A Sombra no Sol”, apresenta uma intensidade de sentimentos muito grande. Como você criou esse personagem tão cativante?

Ele era um exercício de escrita. Havia escrito dois livros mais pops, um de aventura, um de humor, e queria um texto mais denso, onde a fraseado também se tornasse um atrativo por si só. Conforme o tempo foi passando e os textos foram sendo publicados, eles se tornaram também um exercício de libertação. Eu entendi que não podia me limitar pelo medo da reação do outro, pelos comentários da família, pela necessidade de aceitação. Porque o Ícaro é livre, e para encarar o Ícaro eu precisava ser livre também. Ou seja, o que começou como um exercício da palavra foi se transformando em um exercício de identidade, que mexia com o que, até então, eu mantinha guardado lá no fundo do meu coração de fumaça. Quanto mais as limitações ficavam para trás, mais o Ícaro ganhava força. E assim ele nasceu. Cada sentimento dele naquelas páginas é, de certa maneira, meu sentimento também. 

 

4-    Gostaria que você completasse a frase abaixo e comentasse:

-       Para ser um bom escritor é preciso... Dedicação.

Não há mistério. Para se dominar um assunto é preciso praticar, se dedicar a ele. Seja neurobiologia, engenharia mecatrônica ou literatura. Você pode se comprometer com o seu ego, com a vontade de aparecer, de ser lido, de ser famoso e ter uma carreira assim. Mas se o seu compromisso for com a literatura, com a arte, mesmo que escreva textos de puro entretenimento, o resultado será diferente. E os leitores perceberão isso.

 

 

5-    Qual o autor, ou obra, que marcou a sua vida e qual a influência dele em sua carreira de escritor?

Os livros me marcam mais do que os autores. Vou pincelando um aqui, um ali, e eles me desafiam a descobrir mais a meu respeito, a olhar mais fundo nesse caldeirão criativo que temos dentro de nós, a me aprimorar, romper novos limites.

Dois livros lidos recentemente que me acrescentaram muito foram “Por Escrito”, o novo romance da Elvira Vigna, e “Asa de Sereia”, livro de crônicas do Luís Henrique Pellanda. Vale a pena como leitor, e são experiências obrigatórias para quem pensa em ser autor.

 

6-    Quanto tempo por dia você dedica à escrita?

Se pensarmos só na digitação, varia bastante. Eu não sou adepto do “sentar todo dia e escrever” como norma de sucesso. Tem gente que diz que a disciplina de horários é a diferença entre um escritor amador e um profissional, e pra mim isso é uma baboseira danada. Porque escrever é observar, prestar atenção no mundo ao seu redor, no gesto de uma pessoa que desencadeia uma história inteira. Escrever é olhar para o teto, rabiscar no caderno, é ler muito, ver muitos filmes, treinar o seu diálogo com o mundo. Se pensarmos em todo esse conjunto, dedico 100% das minhas horas à escrita. Senão, dependendo do dia, prefiro sentar e ler uma boa HQ.

 

 

7-    Vemos o mercado de cursos de escrita criativa em constante crescimento. Qual a sua opinião a respeito desses cursos?

É importante aprimorar constantemente as suas ferramentas de trabalho, ou descobrir quais são essas ferramentas. Tem gente que consegue isso com leitura somente, com observação, tem gente que descobre seus processos em cursos e oficinas. Cada um encontra o seu caminho e um não é melhor do que o outro. O que eu acho de valioso nos cursos é o contato com outras pessoas, gente que tem sonhos parecidos com os seus, a possibilidade de um debate mais plural, às vezes o nascimento de um projeto. Essa troca vale mais do que qualquer exercício de escrita que o ‘professor’ venha a passar. Eu nunca fiz oficina literária, mas fiz escola de cinema e sou muito grato por tudo que lá aprendi.

 

 

8-    Enquanto escritor, você pode dizer que teve alguma decepção com a profissão?

Listo em ordem cronológica ou alfabética?

O mundo não se mede pelas nossas expectativas. E publicar é conhecer os bastidores de um mundo que achávamos mágico até então. Descobrir tudo que existe de feio por trás de cada capa e matéria bonita. É inevitável se decepcionar. O importante é não desistir nem dar trela para quem tenta te puxar para baixo.

 

9-    Os jovens escritores, hoje, reclamam muito com relação à dificuldade de publicarem seus textos. Como você vê o mercado editorial hoje?

Se você é filho de papai famoso, seu caminho será mais fácil. Se você já é famoso em outra profissão, idem. Se você tem dinheiro para pagar um bom agente e uma boa assessoria de imprensa, as portas se abrirão mais facilmente. Se você tiver alguém para te indicar, o famoso QI, a mesma coisa. Mas se você não é nenhuma dessas pessoas, não perca seu tempo prestando atenção nelas, não desperdice sua energia com isso. Dedicação, lembra? Trabalhar com arte é uma mistura de pôquer com maratona. Maratona porque é uma corrida de resistência. Pôquer porque há um acaso, uma aleatoriedade, em cada passo dessa corrida. Persista e se lembre de que todo autor já foi um novo autor. Se a sorte vier, comemore. Se não vier, continue a correr.  

 

10-  O que você gostaria de ver acontecer com a Literatura Brasileira?

Essa pergunta daria uma boa mesa redonda. De dentro para fora, o que eu gostaria de ver já está acontecendo. Nossa literatura está ficando mais diversa, está aprendendo a conviver com os gêneros, entendendo que há espaço para todos, saindo daquela obsessão pelo realismo sem, para isso, precisar negá-lo. O resto só com uma boa mudança no nosso jeito de encarar a cultura e uma grande reforma no nosso sistema de educação.

 

11-  No seu último livro: Exorcismos, Amores e uma Dose de Blues”, tem uma frase que diz: “Há pesadelos famintos ao nosso redor.” Gostaria que você falasse um pouco sobre essa afirmação.

Acho que tem um pouco a ver com a questão da decepção. Uma coisa que ainda estou aprendendo a lidar é com a existência de gente que se diverte te puxando para baixo. Que acha isso natural. Grande parte das pessoas sabe usar a porta que livros, discos, filmes, abrem e ir conversar com você de maneira saudável, tendo gostado ou não do seu trabalho, dando uma dica aqui, uma cutucada ali. Mas há um grupo de pessoas mais interessado em abocanhar, tirar um pedaço. Os pesadelos famintos ao nosso redor. 

 

12-  As Mosqueteiras agradecem pela tua atenção e pelo tempo que você dedicou em responder nossas perguntas. Gostaríamos que você fizesse algumas considerações finais aos nossos leitores.

Vamos lá! Primeiro de tudo: comam verduras! Além disso: leiam meus livros! Sério, eles são legais e dependo disso para lançar os próximos. Outra: não desistam. Independente da sua profissão, do seu sonho, sacuda a canela e deixe os carniceiros para trás (um chutão também resolve, de vez em quando). Por fim: obrigado pelo espaço! A luta de esgrima foi muito divertida.