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Entrevista c/Prof. e Escritor Michael J. Shapiro
Entrevista c/Prof. e Escritor Michael J. Shapiro

“HIROSHIMA DEVE SER REPENSADA À LUZ DE NOSSA ÉPOCA”.

 

É preciso retirar acontecimentos como o bombardeio de Hiroshima de seu aparente congelamento no tempo, a fim de interroga-los à luz da experiência dos últimos 70 anos e refletir sobre como se tornaram, em seu tempo, não apenas possíveis mas, para muitos, inevitáveis.  Assim pode ser resumida a posição do professor de Relações Internacionais Michael J. Shapiro a respeito da primeira cidade destruída por uma bomba atômica.  Um dos introdutores da obra do filósofo francês Michel Foucault nos Estados Unidos, Shapiro ensina na Universidade do Havaí. 

 

 

O senhor escreveu um ensaio sobre o bombardeio de Hiroshima.  De que se trata?

Sim, escrevi um ensaio sobre o bombardeio de Hiroshima chamado Atemporalidades de Hiroshima.  Ele trata de estruturas de tempo e da maneira pela qual um acontecimento como Hiroshima continua mudando historicamente à medida que novas formas de acontecimentos violentos têm lugar.  Por exemplo, há um livro recente chamado Hiroshima after Iraq (“Hiroshima Depois do Iraque”, inédito em português).  Quando você pensa na Guerra do Iraque e na maneira pela qual civis inocentes morreram, isso faz você repensar Hiroshima, traz Hiroshima de volta, porque,  em outras circunstâncias, Hiroshima tende a ficar fechada num museu, num display, e se torna estática.  E eu estou interessado na maneira pela qual deferentes gêneros nas artes, por exemplo, podem reinvocar o acontecimento histórico e trazê-lo para o presente para repensá-lo.

 

 

A noção de genocídio pode ser invocada de alguma forma em relação a Hiroshima?

Definitivamente, sim.  Infelizmente, na cultura oficial dos Estados Unidos, Hiroshima é frequentemente tratada simplesmente como um episódio na história da superioridade americana.  E por isso eu gostaria de trazê-la de volta de uma forma diferente daquele período, da forma como a cultura oficial lida com isso.

 

 

No Brasil, essa visão também prevalece.

Toda a evidência mostra que o bombardeio não era justificado, os japoneses já estavam inclinados à paz.  A justificativa é supostamente que “isso salvaria todos os americanos que seriam mortos durante uma invasão”, como se a única maneira de terminar a guerra fosse invadir o território japonês e, assim, ter de arcar com perdas de vidas.  É a mesma justificativa usada atualmente para o uso de drones – você não tem “botas no chão”, como eles dizem, e assim não sacrifica americanos a fim de lidar com os assim chamados terroristas ao redor do mundo.  Mas, basicamente, drones estão matando muitos civis de qualquer jeito.  Eles matam no Afeganistão, no Iêmen.

 

 

As artes e a cultura limitando-se a reproduzir essas visões ao longo do tempo, ou é possível encontrar visões diferentes?

Creio que as artes são normalmente mais críticas, podem oferecer uma visão diferente.  E recentemente concluí esse ensaio no qual falo na política e na ética da atenção, e começo por assinalar que os meios de comunicação tendem a prestar atenção em acontecimentos como a fome em Ruanda, muito rapidamente – as noticias são empurradas pelas notícias seguintes.  Mas exibições e a arte em geral capturam a atenção das pessoas e lhe dão mais tempo para observar isso.  Fico impressionado, por exemplo, com o pintor colombiano Botero:  ele fez uma série de pinturas sobre as atrocidades em Abu Ghraib (prisão iraquiana controlada pelas forças de ocupação americanas na década passada), que viajaram o mundo inteiro e deram às pessoas uma visão, basicamente, daquilo que a tortura é – porque a maneira como os meios de comunicação americanos representaram Abu Ghraib foi “duas ou três pessoas más envolvidas em abusos”.  Veja, Abu Ghraib era um grande complexo prisional, com milhares de prisioneiros.  Mas, da maneira como a mídia mostra tudo, parece-se com um ou dois blocos de celas com maus supervisores.  A exposição de Botero basicamente deu uma visão diferente, assim como o documentário de Errol Morris (Sob a Névoa da Guerra, 2003) que oferece uma visão mais acurada do que estava acontecendo.  Assim, documentários, exibições artísticas, livros e filmes têm uma relação diferente com o problema da atenção.  Eles mantém interesse e foco.

 

 

O que o senhor diria da visão japonesa de Hiroshima e Nagasaki?

De certa maneira, os japoneses “congelaram” isso também, como uma peça de museu.  Tudo é estático.  Eles têm uma visão diferente, mas fixaram-na por meio da “museificação”.  Muito já foi escrito sobre a maneira como os japoneses criaram um fetiche de Hiroshima para cura-la, mas há uma parte da literatura que é muito poderosa.  Enquanto eu escrevia meu ensaio, por exemplo, reli o romance Chuva Negra, de um autor (Masuji Ibuse) que fez muita pesquisa e conversou com as pessoas depois do bombardeio, e você tem uma ideia, basicamente, da dinâmica da deterioração dos corpos:  pessoas acordando pela manhã e vendo seu cabelo cair, pessoas perdendo os dentes, estruturas de intimidade sendo permanentemente interrompidas e assim por diante.  Portanto, de um lado, há a “cultura pacífica” museológica e oficial do Japão, que conserta as coisas, e, de outro, há muito trabalho artístico – toda a história de como os animes e os mangás japoneses trataram de Hiroshima e, se você observa a genealogia do anime, você pode ver de que forma Hiroshima é constantemente renegociada em termos daquilo que significa.  Assim, da minha perspectiva, todo acontecimento no mundo deveria ser constantemente renegociado e repensado, e as pessoas que participam da reflexão sobre isso deveriam expandir o escopo.  E assim a variedade de diferentes gêneros, como o anime e mesmo os filmes de monstros no Japão, trouxeram Hiroshima de volta de maneiras diferentes.

 

Fonte:  Luiz Antônio Araujo (luiz.araujo@zerohora.com.br) Jornal ZeroHora de 26/7/2015.