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Augustus: de John Williams
Augustus: de John Williams

O LADO HUMANO DO IMPERADOR

 

John Williams atingiu seu ápice com o romance AUGUSTUS.

 

Livro: AUGUSTUS – John Williams (tradução de Alexandre Barbosa de Souza) Editora Rádio de Londres, 384 páginas.

 

O escritor americano John Williams (1922-1994) teve vida opaca. Até a aposentadoria, foi professor de literatura na Universidade do Missouri. Escreveu livros de poesia que caíram no esquecimento e romances quase ignorados em seu tempo. O primeiro ele renegou. O segundo, BUTCHER’S CROSSING (1960), conta a história de um rapaz civilizado que resolve se abalar até o interior do Arkansas, em 1870, para encarar a vida selvagem. Naturalmente, o choque é monumental. É um romance de formação, assim como o terceiro livro de Williams, o extraordinário STONER (1965), que narra a trajetória sem brilhos de um professor universitário de origem rural metido num ambiente acadêmico destruidor, mas que é, ao mesmo tempo, a coisa mais acolhedora que ele fora capaz de encontrar na vida. Vai aí um toque autobiográfico.

 

Os dois romances parecem opostos. No entanto, ambos tratam do universo masculino carregado de rivalidade e violência. Os dois são tomados por desilusão no desfecho de suas histórias. No caso de STONER, não há como evitar um travo amargo ao fim da leitura.

 

No último romance, AUGUSTUS (1972), Williams parece ter potencializado o universo de BUTCHER’S CROSSING ao transferir a ação para a vastidão do império romano no tempo de vida do seu primeiro imperador, Augusto, nascido Caius Octavius Thurinus em 63 a.C. Augusto viveu 75 anos, e assim como fez com o tímido professor Stoner, Williams se dedica a desvendar, com detalhes imaginativos e sutileza narrativa, a existência do homem maias poderoso de sua época. O curioso é que o pequeno e o grande também têm coisas em comum, pois os universos construídos pelo escritor revelam o lado humano de seus protagonistas com generosidade – e por que não? –, conhecimento de causa e estilo arrebatadores. A experiência de ler esses dois livros é única, embora AUGUSTUS exija dedicação maior.

 

Augusto começa a vida de imperador cedo. Já está na mira do poder aos 18 anos, quando foi de certa forma adotado por César, que é o seu tio e mentor e seria depois assassinado nos célebres Idos de Março. A brutalidade da cena é conhecida, e no futuro, já como imperador, Augusto vencerá seus assassinos, notadamente Brutus.

 

Aos 25 anos, o primeiro imperador já dominava Roma com astúcia e tratava de expandir o império. Tais manobras seriam sempre grandiosas, mas o leitor acompanhará antes de tudo o pensamento do homem Augusto. Tudo se revela na estrutura do romance, que faz uso de cartas e comentários esparsos dele e de seus contemporâneos.

 

AUGUSTUS tem características epistolares, e impressiona pelo poder da imaginação, ainda que Williams tenha se embrenhado numa pesquisa histórica e documental antes de escrever. O resultado mantém cadência mais do que verossímil e dimensiona muito bem o personagem, de tal forma que Augustus, o imperador, não fica assim tão distante de Stoner, o professor de literatura.

 

Talvez o ponto de liga principal seja a solidão. Os dois, em suas batalhas pessoais, têm que encarar a rivalidade dos outros num ambiente hostil. E ambos têm relações difíceis com mulheres um tanto frias – às vezes gélidas, como a terrível e distante mulher de Toner. Também Augustus e Stoner conheceram um dia o que julgaram ser a felicidade e depois olharam para trás com conformada tristeza. As filhas, que amam, têm destinos, quando não trágicos, melancólicos.

 

No fim da vida, tanto Augusto quanto Stoner são obrigados a encarar a inescapável solidão a que somos condenados, sendo imperadores romanos ou professores universitários. Os dois livros se revelam inesquecíveis. Graças ao talento de Williams, no ápice com AUGUSTUS, que venceu o National Book Award de 1972. Mas, veja você, ele foi obrigado a dividi-lo com CHIMERA, de John Barth. O reconhecimento real da sua literatura só viria recentemente.

 

Fonte: Revista Valor/Cadão Volpato em 16/02/2018