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O Barroco e o Brasil do Século XVII
O Barroco e o Brasil do Século XVII

 

O Barroco e o Brasil do século XVII

Literatura Jesuítica

 

Boa parte das expedições que cruzaram o Oceano Atlântico receberam estímulos da Igreja Católica, preocupada em expandir a fé cristã, devido à perda considerável de fiéis com o advento da Reforma Religiosa, promovida por Lutero. Assim, compunham também a tripulação da esquadra membros da igreja, missionários dispostos a propagar a fé cristã.

 

Dois deles se destacaram no Brasil pelo pioneirismo de suas produções: Pe. Manuel de Nóbrega e Pe. José de Anchieta.

 

A obra de Nóbrega, constitui-se de Cartas e o Diálogo sobre a conversão do Gentio (1557 ou 1558), texto em que discorre sobre aspectos da conversão do indígena por uma perspectiva objetiva.

 

“O primeiro padre geral não é propriamente um homem de letras: sua Informação das terras do Brasil (1551) tem sobretudo interesse etnológico e catequético. Mas as Cartas, que da Bahia e de Pernambuco, a partir de 1549, ele envia ao provincial e aos coirmãos da Companhia em Lisboa, têm o sabor das coisas vividas: logo traduzidas para o italiano (...), levam para a Europa da Contrarreforma o eco de uma experiência missionária das mais aventurosas.”

 

(Stegagno-Picchio, L. História da literatura brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. P.77)

 

Vamos ler um trecho de uma de suas cartas?

 

“E dahi_vem o_pouco credito que .gozam os Christãos_entre os Gentios, os quaes não estimam mesmo nada, sinão vituperam aos que de primeiro chamavam santos e tinham em muita veneração' e já tudo o que se lhes diz acreditam ser manha ou engano e tomam á má"parte. Esses e outros grandes males fizeram os Christãos com o mau exemplo de vida e a pouca verdade nas palavras e novas crueldades e abominações nas obras.

Os Gentios desejam muito o commercio dos Christãos pela mercancia que fazem entre si do ferro e disto nascem da parte destes tantas cousas illicitas e exorbitantes que nunca as poderei escrever, e não pequena dôr sinto n'alma, maxime considerando em quanta ignorância vivem aquelles pobres gentios e que pedem o pão de Deus e da santa Pé...”

 

Observe, na Carta de Padre Manuel da Nóbrega, a denúncia da exploração dos índios pelos “cristãos”, expondo seu desagrado e desacordo com as práticas aviltadoras do gentio.

 

José de Anchieta (1534- 1597) notabilizou-se por uma variada produção de textos. Sua verve foi registrada em latim, português e espanhol (sua língua materna, pois nasceu em Tenerife, uma das Ilhas Canárias) em obras que vão da poesia aos autos. É de sua autoria, igualmente, a primeira Gramática de Tupi – Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil.

 

Os autos anchietanos são peças produzidas com o objetivo tanto de introduzir o indígena nos rudimentos da fé cristã, quanto para os colonos que se estabeleciam próximos às missões. Dentre os mais conhecidos estão: o Auto da Representação na Festa de São Lourenço, Na Vila de Vitória e Na Visitação de Santa Isabel.  

 

No entanto, o processo de familiarização à crença e sua simbologia própria encontrou entraves. Um obstáculo considerável à catequese, segundo Alfredo Bosi, em Dialética da colonização, consistiu na ausência do conceito de “alma” para o silvícola, o que exigia do pregador a utilização de mecanismos de adaptação para transpor as diferenças culturais:

 

“O projeto de transpor para a fala do índio a mensagem católica demandava um esforço de penetrar no imaginário do outro(...)Na passagem de uma esfera simbólica para a outra Anchieta encontrou óbices por vezes incontornáveis. Como dizer aos tupis, por exemplo, a palavra pecado, se eles careciam até mesmo de sua noção, ao menos no registro que esta assumira ao longo da Idade Média europeia?”

 

As soluções encontradas basicamente consistiram em introduzir a palavra da língua portuguesa no idioma tupi ou buscar uma semelhança entre as duas línguas. Dessa forma, o sagrado transformava-se em uma “mitologia paralela” ou uma invenção de um “imaginário estranho sincrético”, como nos ensina Alfredo Bosi:

 

“Bispo é Pai-guaçu, quer dizer, pajé maior. Nossa Senhora às vezes aparece sob o nome de Tupansy, mãe de Tupã. O reino de Deus é Tupãretama, terra de Tupã. Igreja, coerentemente é tupãóka, casa de Tupã. Alma é anga, que vale tanto para toda sombra quanto para o espírito dos antepassados.”

 

(BOSI, A. Dialética da colonização. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 65).

 

O trabalho de adequação dos textos dramáticos ao público a que se dirigiam demonstra a preocupação pedagógica das peças, que em última análise corroboravam com o processo de aculturação. 

 

“Os textos teatrais de Anchieta, de maneira geral, têm uma estrutura em comum, e seu principal objetivo era a catequese do índio e, em menor escala, a instrução dos colonos. Dentro de um projeto maior, o projeto colonizador português, a preocupação era em formar intencionalmente o homem necessário àquela época histórica, àquele contexto em específico. Foi para educar e manter o projeto colonizador, a “missão civilizadora”, que o padre José de Anchieta escreveu suas peças. Afinal, a Companhia de Jesus era a ordem oficial da Coroa portuguesa no Brasil colônia, uma vez que igreja e Estado estavam unidos pelos laços do padroado.

Disponível em: <amp.br/art03_25.pdf >.

 

Assim, a atuação dos padres jesuítas acabou por contribuir para a formação da própria cultura brasileira, tanto por meio dos escritos de José de Anchieta, como de outros jesuítas, como os padres Manoel da Nóbrega e Antônio Vieira.”

 

TOLEDO, C.  A. A; RUCKSTADTER, F. M. M.; RUCKSTADTER, V. C. M. O teatro jesuítico na Europa e no Brasil no século XVI. Universidade Estadual de Maringá – UEM. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art03_25.pdf>.

 

A poesia de Anchieta elaborada nos moldes medievais deixa conhecer a alma doce e fervorosa do jesuíta. Como se lê na singela A Santa Inês:

Comentário:

O poema foi escrito nos moldes medievais, isto é, empregando a medida velha e recursos estilísticos sonoros, como o refrão.

 

Medida velha é a técnica por meio da qual o poeta estrutura os versos em redondilha menor, ou seja, versos com cinco sílabas poéticas, ou redondilha maior, versos com sete sílabas.

 

Refrão corresponde a um fragmento de verso ou a versos inteiros que se repetem ao final de cada estrofe ou de estrofes alternadas.

“Cordeirinha linda,

como folga o povo

porque vossa vinda

lhe dá lume novo.

 Cordeirinha santa,

de Iesu querida,

vossa santa vinda,

o diabo espanta.

 Por isso vos canta,

com prazer, o povo,

porque vossa vinda

lhe dá lume novo.”

 

Vale acrescentar ainda como obras que compõem o conjunto de textos de informação: o Diário de Navegação, de Pero Lopes e Sousa (1530); a Narrativa Epistolar e os Tratados da Terra e da Gente do Brasil, do padre jesuíta Fernão Cardim (1583); o Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa (1587); os Diálogos das Grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão (1618); a História do Brasil, de Frei Vicente de Salvador (1627), etc.

 

Para compreender a complexidade do período Barroco, antes devemos retroceder no tempo e tentar compreender os anseios do homem dos séculos XVI e XVII. Esse olhar para o passado contemplará com mais atenção a sociedade europeia e a sua história, tendo em vista a sua força-matriz e impondo-se sobre a nossa situação colonial.

 

Do século XI ao século XV, a Europa viveu o que se chamou de Idade Média. Esse período foi marcado por grandes transformações.  O Feudalismo, sistema social e econômico, estava consolidado a esse tempo. Isso significa dizer que a sociedade medieval era dividida em estamentos:  os nobres, o clero e os servos. E, por isso, quase não havia possibilidade de ascensão social.

 

Os servos trabalhavam para os senhores feudais e, em troca, estes concediam a segurança contra invasores. O clero detinha grande poder, pois não havia uma divisão entre Estado e igreja nesse tempo. Dessa forma, cabia-lhe o papel de apaziguar os ânimos dos camponeses, caso tentassem revoltar-se contra o sistema. Durante muito tempo, ouviu-se chamar esse período de Idade das Trevas, no entanto, essa expressão é equivocada e preconceituosa, já que o período foi também marcado, entre outros fatos, pela criação das Universidades e pela preservação dos escritos da Grécia e Roma antigas por monges copistas.