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Ruína y Leveza, de Julia Dantas
Ruína y Leveza, de Julia Dantas

VIAGEM Y RECONHECIMENTO

 

A porto-alegrense Julia Dantas quis conhecer mais do mundo antes de escrever o primeiro romance.  Deu certo.  Ela foi indicada a um dos maiores prêmios de literatura do país.

LIVRO:  Ruína y Leveza / Não Editora / 208 páginas

 

O nome d romance de estreia de Julia Dantas surgiu em um grupo de discussão no WhatsApp que ela conserva no celular como suvenir.  A ideia de dois substantivos quase antagônicos, que tivessem um sentido de libertação já agradava, mas havia o receio de “soar muito Jane Austen”, como em Orgulho e preconceito ou Razão e sensibilidade:

 

Tinha medo de o título prometer um épico que eu não iria entregar.

 

Uma das ideias era diferenciar-se com um dos substantivos em espanhol, fazendo jus aos cenários latino-americanos da trama.  Como nenhum nem outro funciona no idioma, alguém fez a piada: quem sabe traduzir apenas a conjunção “e”.  primeiro riram, depois curtiram a ideia e assim foi batizado RUÍNA Y LEVEZA, m u processo criativo que diz muito, tanto sobre o livro quanto sobre a autora porto-alegrense de 31 anos.

 

Não ter grandes pretensões.  Pelo contrário, tirar o peso das letras e evitar falsas promessas foram algumas das preocupações de Julia com o romance lançado no ano passado.  No início de agosto, o livro foi um dos sete indicados ao Prêmio São Paulo de Literatura na categoria Melhor Livro de Romance do Ano de autores estreantes com menos de 40 anos.  Um dos mais importantes do país, e cobiçado também pela premiação de R$ 100 mil.

- Bá, jamais pensei.  Não digo que tinha medo de o livro ser u fracasso porque eu tenho família grande, muitos amigos... Então, sabia que faria um lançamento legal, mas não esperava muito mais do que isso.  Talvez, se soubesse que concorreria a prêmio, teria ficado mais nervosa – diz a autora.

 

Leitora e contadora de histórias desde criança, Julia escolheu o Jornalismo para exercitar a escrita, mas com o tempo tomou o rumo da literatura em definitivo.  Hoje, trabalha em uma editora e é mestranda em Escrita Criativa na PUCRS.  Escritora de contos desde antes dos 20 anos, quando ingressou na Oficina de Criação Literária ministrada pelo escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, Julia conta ter sido bastante incentivada pelo professor a ampliar os horizontes literários.  Mas tinha um empecilho, a seu ver, intransponível àquele momento.

- Pensava: “Não tenho o que escrever.  Não vivi o suficiente.  Não tenho ‘material’”.  Não necessariamente viajado, mas me faltavam ter tido experiências humanas, conhecido gente, tentado entender outras pessoas.

 

Foi o que tentou fazer nos anos seguintes, morando duas vezes no Exterior na última década, uma em Buenos Aires e outra em Cuzco, onde visitou boa parte dos cenários do seu livro e fez uma rede de amigos e futuros consultores, a título de verossimilhança.  Ainda que tenha viajado sem a tarefa de escrevê-la, Julia levou na bagagem sua primeira ideia de história que “não caberia em um conto”.

- Pensava em escrever um romance sobre uma guria que sempre se definiu em função dos outros, principalmente dos homens da vida dela.  Ao longo dessa roadtrip ela terminaria se definindo por si mesma.

 

E assim nasceu Sara, a protagonista de RUÍNA Y LEVEZA, que surge em uma primeira cena metaforicamente forte: nas profundezas escuras de uma mina de estanho na Bolívia, encolhida entre os joelhos de um instável companheiro de viagens argentino enquanto a terra treme em torno deles ameaçando engoli-la.

 

Muito da história, ainda na cabeça da autora, transformou-se efetivamente em texto graças a um episódio inusitado.  Em uma viagem de seis meses que deveria terminar na Colômbia, Julia oi furtada e perdeu os cartões de banco.  Sem dinheiro suficiente para seguir viagem, ela teve de se estabelecer por um mês em Cuenca, no Equador, até que a família lhe enviasse um novo cartão.  Ali, escrevendo todos os dias, as cenas soltas ganharam corpo.

- Então eu soube “tá, vai dar”. Mas ainda não estava pronto.

 

Embora Julia tenha dificuldade em adivinhar o que fez seu romance agradar, há boas pistas nas andanças e transformações de Sara em companhia do genioso Lucho, entrecortadas pelas lembranças de um relacionamento deixado para trás em Porto Alegre.  A protagonista terminou representativa de uma geração de mulheres que puderam sair de casa sozinhas, de mochila nas costas, para se descobrirem.

- Isso de a mulher viajar sozinha ainda é algo muito forte.  Um medo que às vezes tu nem tens, mas as pessoas tentam se impor.  Essa é uma das coisas que me surpreenderam na repercussão do livro.  Pessoas me acharam no Facebook para dizer que o livro deu vontade de viajar.  Outras mulheres lamentaram, na juventude delas, não terem podido fazer algo semelhante.  Espero que eu tenha feito alguém colocar a mochila nas costas e viajado.  Seria compensador.

 

No segundo romance, que Julia escreve concomitantemente ao mestrado, a viagem será por um microcosmo mais próximo, ainda que não necessariamente familiar.  O protagonista – um homem, desta vez – percorrerá Porto Alegre tentando devolver Rodolfo, o animal de estimação do antigo inquilino do seu apartamento (não será revelada aqui a espécie do mascote para não estragar a surpresa).

 

Depois, sabe-se lá.  Talvez seja necessário partir mais uma vez em busca de vivência.

- Acho que o que eu tinha para dizer eu já disse nesses dois romances.  Para um terceiro, talvez eu tenha que fazer, sei lá, uma imersão em uma comunidade indígena.

Que de lá venha mais Julia.

 

Fonte:  Revista Donna ZH/Caue Fonseca em 21/08/2016.