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Ryuichi Sakamoto: É Chamado de "Avô do Tecno"
Ryuichi Sakamoto: É Chamado de "Avô do Tecno"

ESPÍRITO RENOVADO

 

Após se recuperar de um câncer, Ryuichi Sakamoto grava um de seus melhores discos e participa de júri de festival de cinema alemão.

 

Aos 66 anos, Ryuichi Sakamoto ri quando é chamado de “avô do tecno”, por ter sido um dos fundadores do Yellow Magic Orchestra, na década de 70. O grupo é creditado, ao lado dos alemães do Kraftwerk, como um dos pioneiros da música eletrônica. “De uns tempos para cá, voltei a me sentir como aquele jovem que vivia em pé de guerra com a música convencional. Se isso significa algo, quer dizer que não ganhei a guerra ainda”, diz o vencedor do Oscar de trilha sonora por O ÚLTIMO IMPERADOR (1987), dirigido pelo italiano Bernardo Bertolucci.

 

 

O músico e compositor nascido em Tóquio atribui a retomada do “espírito rebelde” ao câncer de garganta diagnosticado em 2014. “Estou recuperado, mas a doença pode voltar. Essa consciência me deixou mais egoísta e aventureiro na hora de gravar o meu último álbum, arriscando tudo, como se fosse o meu trabalho derradeiro”, afirma Sakamoto, referindo-se a ASYNC. Lançado no ano passado, o disco acaba de ser revisitado, em ASYNC REMODELS, disponível desde o dia 23/03 nas plataformas digitais.

 

 

Músicos amigos de Sakamoto propõem aqui remixes para as faixas do álbum, em que o japonês evocou a “fragilidade da vida”, harmonizando sons de órgãos eletrônicos e de sintetizadores com ecos de sonar, cantos de cigarra e sons de pés pisando em folhas, entre outros. Participam nomes como Arca (colaborador de Björk), Oneohtrix Point Never, Eletric Youth e Jóhann Jóhannsson (que morreu no mês passado [fevereiro]). “Escolhi artistas que admiro para enriquecer a minha música com novos elementos. Em algumas faixas, o que eu fiz praticamente desaparece, o que não me incomodou.”

 

 

Dividindo-se desde os anos 90 entre Tóquio e Nova York, cidades que chama de lar, Sakamoto segue conciliando a sua música com as trilhas sonoras de filmes. “O mais difícil quando trabalho para algum diretor de cinema é convencê-lo de que a produção não precisa de tanta música, e isso pode parecer um absurdo vindo de mim”, afirma, rindo. “Sempre acabo colocando menos música do que me pedem, justamente por achar que as melodias podem tirar o foco do espectador das imagens. Não gosto quando percebo que a ideia é ouvir o ego e o sentimento do personagem na música.”

 

 

Após assinar a trilha de O REGRESSO (2015) para o mexicano Alejandro G. Iñárritu, seu último trabalho hollywoodiano, Sakamoto compõe atualmente para produções japonesas, coreanas e de Hong Kong. “Não consigo parar de trabalhar. Curiosamente, o câncer ,e deixou cheio de energia”, conta Sakamoto, ao Valor, no Berlinale Palast, onde ele viu os 19 longas-metragens que concorreram ao Urso de Ouro. O músico foi um dos jurados desta 68ª edição do Festival de Berlim, encerrada no último domingo, com a vitória do filme TOUCH ME NOT, um ensaio sobre intimidade e sexualidade que funde ficção e documentário, da diretora romena Adina Pintilie.

 

 

Não me afasto do cinema devido a importância que ele tem. Enquanto a música refletia a situação política do mundo nos anos 1960 e 1970, hoje são os filmes que fazem isso”, afirma Sakamoto, convidado pela primeira vez para compor para o cinema pelo compatriota Nagisa Oshima (1932-2013). Em 1983, ele assinou a trilha de FURYO, EM NOME DA HONRA, dando uma aura onírica ao drama de guerra, principalmente com Merry Christmas, Mr. Lawrence, faixa transformada instantaneamente em hit mundial. “Como eu não tinha experiência, a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi pesquisar canções de Natal, com base no título do filme [em inglês, Merry Christmas, Mr. Lawrence]. Daí veio a inspiração: badaladas de sinos de igreja.”

 

 

Na produção que disputou a Palma de Ouro de Cannes, o músico fez também a sua estreia como ator. Ele interpretou o capitão Yonoi, que ilustrou o conflito cultural entre Oriente e Ocidente durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) no embate com o oficial inglês vivido por David Bowie. Ao mesmo tempo em que se odiavam, os inimigos de aparência andrógina se sentiam atraídos um pelo outro.

 

 

Foram mais de dois meses de convivência com Bowie na ilha de Rarotonga, no Pacífico, onde rodamos as cenas do campo de prisioneiros de guerra”, lembra Sakamoto, parceiro de Bowie na hora de entreter a equipe de filmagem quase todas as noites, após o jantar. “Mesmo sendo um péssimo baterista, eu tocava para Bowie poder fazer o seu rock’n’roll.” Um dos maiores arrependimentos do músico é ter perdido o contato com o astro, morto em 2016, aos 69 anos. “Durante muito tempo nós moramos perto um do outro em Nova York. Pena eu não ter feito mais esforço para continuarmos amigos. Por ele ser um ‘superstar’, não era fácil para mim me aproximar.”

 

 

Admirador da bossa nova, Sakamoto lamenta também não ter conhecido Tom Jobim. “Cheguei atrasado”, conta ele, lembrando que esteve na residência de Jobim, no Rio de Janeiro, anos depois de sua morte, em dezembro de 1994, aos 67 anos. “Pelo menos tive o privilégio de gravar umm disco na casa de Jobim, um lugar sagrado, prestando a minha homenagem”, diz, referindo-se ao álbum CASA. Só com músicas de Jobim, o disco foi lançado em 2002, em parceria com o maestro, compositor e arranjador Jaques Morelenbaum e sua mulher, a cantora Paula Morelenbaum. “Jobim foi o maior compositor de todos os tempos”, diz Sakamoto, que começou a tocar piano aos três anos.

 

 

De todos os trabalhos que fez, o músico formado na Universidade de Tóquio encontrou mais dificuldade ao colaborar com Bertolucci. Não na primeira parceria, a trilha sonora de O ÚLTIMO IMPERADOR. Mas na segunda, três anos depois, em O CÉU QUE NOS PROTEGE (1990). “Estávamos prontos para começar a gravação das músicas em um estúdio em Londres. A orquestra de 45 músicos já estava a postos. Depois do primeiro ensaio, no entanto, Bertolucci me chamou no canto e disse que queria mudar a música de introdução.”

 

 

Sakamoto não entendeu, já que o cineasta tinha aprovado toda a trilha no dia anterior. “Bertolucci me deu apenas 30 minutos para mudar aquela canção. Como não havia um piano ali, eu teria de compor de cabeça, reorquestrando tudo, para cada instrumento e para cada músico.” Sakamoto reclamou da tarefa, obviamente. Mas não adiantou. “Ao ver que eu ainda relutava, Bertolucci me desafiou, dizendo que isso não seria um problema para Ennio Morricone.” O italiano já tinha trabalhado com o compositor conterrâneo em ANTES DA REVOLUÇÃO (1964), 1900 (1976), A TRAGÉDIA DE UM HOMEM RIDÍCULO (1981) e outros títulos. Não dá para negar a paixão de Bertolucci pelo que ele faz. O problema é que, para agradá-lo, você precisa ser uma espécie de escravo. Seja qual gor o seu pedido, o jeito é obedecer, o que eu acabei fazendo”, lembra o músico, abrindo um sorriso.

 

 

Fonte: Revista Valor/Elaine Guerini em 02/03/2018