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Não Começou em Auschwitz
Não Começou em Auschwitz

NÃO COMEÇOU EM AUSCHWITZ

 

Celebração pelos 75 anos da liberação do principal campo de concentração e extermínio erguido pelo Terceiro Reich aconteceu na segunda-feira, 27 de janeiro de 2020.

 

Nas câmaras de gás de Auschwitz, o maior centro de extermínio nazista construído na Polônia ocupada durante a II Guerra Mundial (1939-1945), 1 milhão de pessoas foram mortas – cerca de 90% do total de vítimas do complexo, em regra, mulheres, crianças, idosos e doentes ou inválidos, considerados inaptos para o trabalho no campo.

 

No auge da “Solução Final” (projeto alemão que tinha como objetivo exterminar todos os judeus da Europa), em 1944, 6 mil pessoas eram assassinadas por dia ali.

 

O tamanho da barbárie, que hoje grita e choca, lá atrás, não foi suficiente para que o genocídio fosse interrompido antes, ou, quiçá, evitado. Resultado: 6 milhões de judeus foram mortos no Holocausto (Shoá), além de outras minorias, como ciganos, homossexuais, comunistas, negros, adversários políticos, Testemunhas de Jeová, e pessoas com deficiência, incluindo os próprios alemães.

 

O fato é que o “campo da morte” só foi libertado em 27 de janeiro de 1945, quando por volta das 9h o primeiro soldado soviético de uma unidade de reconhecimento da 100ª Divisão de Infantaria apareceu no terreno da enfermaria dos prisioneiros em Monowitz (Auschwitz-III)

 

Ao longo do mesmo dia, as tropas vermelhas avançaram chegando ao campo principal, Auschwitz II/Birkenau, por volta das 15h. Os soldados alemães que restaram guarnecendo o espaço e suas ruínas (evidências foram destruídas na tentativa de apagar rastros), ainda matariam 231 combatentes soviéticos antes da liberação da estrutura, de onde sairiam vivos, quase que por milagre, sete mil prisioneiros, 500 deles crianças.

 

Os 75 anos da liberação de Auschwitz foram celebrados na segunda-feira (27 de janeiro), quando 200 sobreviventes e lideranças de mais de 50 países (com a ausência de representação oficial brasileira), se reuniram em frente ao portão principal de Birkenau. A data também marcou o 15º aniversário do Dia Internacional em Memórias às Vítimas do Holocausto, instituído pela ONU em 2005.

 

 

SOBRE A SOLENIDADE

 

O evento, organizado pelo Memorial e Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau, foi aberto pelo presidente da Polônia, Andrzej Duda, que garantiu que seu pais tem a obrigação de preservar a memória dos sobreviventes e daqueles que lá pereceram a fim de evitar que o Holocausto se repita no futuro.

 

Na sequência, quatro remanescentes de Auschwitz – os ex-prisioneiros Batsheva Dagan, Elza Baker, Marian Turski e Stanislaw Zalewski – trouxeram, com distintas doses de emoção, seus testemunhos, pontuando detalhes, dores e sentimentos individuais, mas com uma mensagem universal e um alerta em comum: é preciso que os homens deixem de lado, de uma vez por todas, o discurso do ódio e, de modo ativo (ante a indiferença de muitos, no passado), procurem celebrar a paz, em nome das próximas gerações, defendendo a democracia, os direitos civis e das minorias, afastando de postos de poder líderes extremistas, antissemitas ou com perfis totalitários, muitos dos quais responsáveis por desvirtuar ou, até tentar deletar a história.

 

O mote foi sustentado nos pronunciamentos do diretor do Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau, Piotr Cywinski, e do representante da instituição ‘Pilares da Memória’, Ronald Lauder – que lembrou que Hitler testou o mundo antes da implantação do Holocausto e, segundo ele, o ‘mundo não fez nada, em nome do antissemitismo, permitindo que Hitler avançasse’.

 

 

NÃO COMEÇOU EM AUSCHWITZ

 

Para entender a força destas manifestações e compreender o que foi Auschwitz e os demais campos de concentração e extermínio construídos pela Alemanha nazista e seus colaboradores durante a Segunda Guerra é preciso, no entanto, voltar um pouco mais no tempo.

 

Auschwitz é parte do processo; não o seu início.

 

O führer do povo alemão, Adolf Hitler, já na década de 1920 não escondia seu ódio às minorias, culpando, entre outros, os judeus pela derrocada do país, derrotado na I Guerra Mundial (1914-1918) e humilhado pelo Tratado de Versalhes. Eslavos e comunistas também apareciam sob sua mira na obra MEIN KAMPF (escrita na prisão, fruto do malsucedido golpe da cervejaria, em Munique/1923) e publicada em 1925 – tudo em nome de uma Alemanha mais forte; algo do tipo, “Alemanha acima de tudo”.

 

Ou seja, o aviso já havia sido dado; mas poucos preferiram levar a sério. Ouvidos moucos que custaram, ao final, mais de 50 milhões de vidas.

 

O discurso nazista, apesar de levar tempo para decolar, acabou, favorecido pela crise de 1929 e o pífio desempenho econômico do governo democrático de Weimar, conduzindo Hitler e sua trupe ao poder, via eleição, no início de 1933, quando ele foi designado pelo então presidente Hindenburg a ocupar o cargo de chanceler.

 

Menos de cinco meses depois, aparecerem bancos nas praças com inscrições “proibidos para judeus” e livros “não alemães” eram queimados em via pública. Dali para a incineração de pessoas foram mais alguns anos, permeados por perseguição ideológica, censura à imprensa, domínio completo das forças policiais e do judiciário, fim dos partidos políticos, overdose de propagandas e fake news pelo aparato estatal via rádio e cinema, e a consequente retirada de direitos básicos, isolando os “diferentes”.

 

Movido pelo ódio, mas pavimentado pela indiferença de líderes omissos (que não sabiam se deviam temer mais o nazismo de Hitler ou comunismo de Stalin), empresário oportunistas, judeus que não acreditavam que as consequências seriam tão nefastas e parcela de oposicionistas inaptos a reagir, o partido nacional socialista alemão fortaleceu a narrativa da necessidade de purificar a raça ariana, retomando seu espaço de direito no mundo. Era preciso marchar para o “Leste” e “limpar” da face da terra os “inferiores”.

 

E, como disse Lauder – reconhecendo que um ditador não surge de um dia para o outro –, ninguém fez nada, por muito tempo.

Tempo demais...

 

O QUE VEM DEPOIS

 

Presente à solenidade em Auschwitz, o presidente de Israel, Reuven Rivlin, conversou com a imprensa, ao lado do mandatário polonês Andrzej Duda, e reforçou seu temor em relação à crescente onda de antissemitismo global – algo muito presente durante os diversos momentos das celebrações do dia 27. Sem tergiversar, Rivlin cravou: “a nostalgia fascista é um mal que ameaça corroer a democracia”.

 

O brasileiro Ariel Krok, membro da mesa diretora do Corpo Diplomático Judeu do Congresso Judaico Mundial (JWC, na sigla em inglês), compartilha da apreensão de Rivlin e vai além: para ele, a onda (antissemita) avança “de forma provavelmente comparável com a Europa dos anos 1930”. O antídoto, diz, é a educação. “Só com o conhecimento podemos evitar o aumento da escalada, e, com muita força neste sentido, conseguir sua redução”, resume Krok.

 

A dúvida é, se já está difícil conter o discurso antissemita hoje, com alguns sobreviventes da tragédia ainda vivos, o que acontecerá quando não houver mais testemunhas entre nós?

 

Ao lado da educação, defendida por Krok, quem dá outro caminho são, justamente, dois sobreviventes: Lidia Maksymovicz, uma das 500 crianças libertadas em 27 de janeiro de 1945, e Marian Tursk. Na opinião deles, a indiferença deve ser combatida logo no começo e, por isso, ambos se mantém ativos e vigilantes, realizando palestras e encontros pelo mundo, especialmente junto aos mais jovens. “Quando uma minoria começa a ser atacada, os demais devem reagir. Pois, se acontece com ele e com o outro, também vai acontecer comigo. Isso se deu uma vez, e pode se repetir”, observa Tursk, sem disfarçar na voz e na expressão corporal uma sensação de “dèja vu”.

Que não esperemos tempo demais...

 

SAIBA MAIS

 

Concebido em 1940 nas dependências de quartéis abandonados, Auschwitz – na região ao Sul da Polônia, a cerca de 70 km de Cracóvia e com fácil acesso via férrea – nasceu como um centro para prisioneiros políticos (os primeiros 728 detentos foram poloneses, vindos da prisão de Tarnow, em 14 de julho de 1940).

 

As câmaras de gás passaram a operar em 1942, utilizando o gás altamente letal Zyklon B, desenvolvido sob licença da empresa IG Farben. Das câmaras, os mortos eram conduzidos aos crematórios, de onde saia, via chaminés, a fumaça que infestava o campo com cheiro de carne queimada, conforme relato do único brasileiro sobrevivente do Holocausto, Andor Stern – também presente às celebrações de segunda-feira.

 

O complexo era dividido em três campos principais

 

Auschwitz I:  primeiro espaço construído, funcionava como sede administrativa, embora tenha testemunhado, entre outros, assassinatos via fuzilamento e, também, numa câmara de gás (a primeira delas foi “testada” ali), além de procedimentos/experimentos médicos criminosos, realizados pelos profissionais da SS no fatídico BLOCO 10;

 

Auschwitz II/Birkenau:  sede de quatro câmaras de gás e crematórios, possuía o maior número de prisioneiros. Com 1 milhão de pessoas assassinadas, nele, a morte alcançou escala industrial;

 

Auschwitz III/Monowitz:  Campo de trabalho escravo que alimentava a fábrica alemã IG Farben (que produzia o Zyklon B para as câmaras em Birkenau). Entre os sobreviventes de Monowitz estiveram o escritor italiano Primo Levi e o prêmio Nobel, Elie Wiesel.

 

Além dos três principais campos, contudo, existiam cerca de 40 subcampos.

 

Na tentativa de apagar os vestígios do Holocausto antes da chegada do exército vermelho, a SS implodiu as câmaras de gás de Birkenau em 1944 e evacuou a maioria dos prisioneiros, naquilo que se chamou “A Marcha da Morte”.

 

Transformado em museu em 1947 (sobretudo pela insistência de sobreviventes), Auschwitz é mantido por uma fundação e está aberto à visitação, mediante agendamento. A visita pode ser feita de modo individual ou em grupo, com ou sem guia – neste último caso, não há custo.

 

A barbárie em números:

 

Entre 1940 e 1945, os alemães deportaram cerca de 1,3 milhão de pessoas para Auschwitz: 1,1 milhão de judeus; 150 mil poloneses; 23 mil ciganos; 15 mil prisioneiros de guerra soviéticos e 25 mil outros, incluindo Testemunhas de Jeová e homossexuais.

 

O total de mortos chegou a 1,1 milhão – 90% deles, judeus. Deste contingente, a imensa maioria foi morta nas câmaras de gás, logo após a chegada ao campo. Aqueles que sobreviviam, em regra, eram obrigados a realizar trabalhos forçados, dentro ou nas cercanias do complexo.

 

O que há no Museu

 

O local preserva 150 imóveis (prédios) e 300 ruínas (incluindo o que restou das câmaras de gás e crematórios), além de mais de 3 mil toneladas de concreto que mantém 13 km de cercas. O memorial ainda conserva 110 mil pares de sapatos de prisioneiros, 3,8 mil malas, 470 próteses, 4,1 mil obras de arte visual (quase 50% delas feitas por detentos), e o assombroso número de duas toneladas de cabelos de mulheres deportadas para o campo. Há também, 250 metros de documentos arquivados, 13 mil cartas e cartões postais enviados pelos prisioneiros e 39 mil negativos fotográficos dos “recém-chegados”, tirados pelos administradores da estrutura.

 

Considerando o período de setembro de 1939 a meados de 1945, o regime nazista prendeu entre 15 e 20 milhões de pessoas, classificados como “racialmente inferiores” ou “ameaças políticas”. Esse universo foi mantido em campos de concentração e de extermínio e, também, em guetos por toda a Europa ocupada, sendo submetidos a condições abomináveis, brutalidade e assassinatos.

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Jornal Correio do Povo/Caderno Sábado/Salus Loch (de Auschwitz, Polônia) em 01/02/2020