A POESIA BRASILEIRA VIVE EM FERREIRA GULLAR.
Nas palavras do também poeta Vinícius de Moraes, morto em 1980, Ferreira Gullar é o último grande poeta brasileiro. Este maranhense de São Luís completa 85 anos no próximo dia 10. Se formos pensar quantos livros seminais da poesia brasileira e prêmios este poeta recebeu, podemos dizer que é o maior poeta brasileiro em atividade. Nesta entrevista, ele confessa que não escreve um poema novo há cinco anos, que a fonte secou, mas na quarta-feira lançou “Autobiografia Poética e Outros Ensaios” (Autêntica), que reúne entrevistas, artigos e um ensaio inédito, mostrando também o Gullar cronista, crítico, pintor. “Posso passar anos sem criar um verso, pois necessito do espanto que ela me provoca para então escrever”, disse durante a semana em entrevista à Agência Estado. Em 1954, ele publicou um dos livros mais discutidos de sua geração, “A Luta Corporal”, que abriu caminho para a poesia concreta. Nos anos 1960, enveredou para a poesia de participação social e cordel. Por questões políticas (foi militante do Partido Comunista Brasileiro), morou fora do país de 1971 a 1977. No tempo em que estava em Buenos Aires, em 1975, publicou dois livros absolutamente essenciais para a poesia brasileira. “Dentro da Noite Veloz” e “Poema Sujo”. A obra poética de Ferreira Gullar é publicada pela José Olympio, que relançou este ano “Toda Poesia” em edição revisada e ampliada. Acompanhe as ideias de Ferreira sobre temas como a sua poesia, arte, política e premiações.
O senhor já chegou a decretar o fim de sua poesia, quando após a escrita do derradeiro poema de “Luta Corporal” ou mesmo pós-criação de “Poema Sujo”, quando a tortura ou a morte eram iminentes em Buenos Aires. Quantos fins e recomeços tiveram a sua poesia?
Nunca decretei o fim de minha poesia. O que ocorreu foi, em certas ocasiões, tive a impressão de que não iria escrever mais. Não por minha vontade mas por causas que não controlo. A primeira vez, foi quando fiz os últimos poemas de “A Luta Corporal”, quando desintegrei a sintaxe e me senti num beco sem saída. Outra vez , quando senti esgotado o meu caminho na poesia neoconcreta. E agora, depois que fiz o último poema de “Em Alguma Parte Alguma”, publicado em 2010. Na verdade, faz cinco anos que não escrevo nenhum poema. Creio que a fonte secou.
Otto Maria Carpeaux definiu “Poema Sujo” como a sua poesia de maior fôlego; Clarice Lispector chamou superlativamente o poema sinfônico de escandalosamente belíssimo. Como podemos definir “Poema Sujo” no panorama da poesia brasileira do século XX?
Não cabe a mim definir isso. Cabe aos críticos.
Em “Argumentação Contra a Morte da Arte”, o senhor disse que “um dos fenômenos mais sintomáticos da crise que atinge grande parte da arte contemporânea é a substituição do criador pelo teórico. Esse fenômeno encontra expressão aguda no setor mais atingido: o das artes plásticas”. Como o senhor analisa a arte atual?
A tendência predominante hoje, chamada de arte contemporânea, é a expressão de um processo estético que começou com o Cubismo, ao mudar a relação arte-natureza, tornando a tela, e não o mundo exterior, a fonte criadora da pintura: o pintor, então, parte dos próprios elementos pictóricos para inventar a obra. Isso levou Duchamp a eleger um urinol como obra de arte e por aí foi. Hoje, na maioria dos casos, o artista usa o que encontra para apresenta-lo como obra sua. Basta ter uma ideia, não precisa fazer a obra. Com isso, a liberdade do pintor sempre teve mais limites.
Qual a sua posição política atualmente e como deveria ser o governo ideal para este país?
Sou a favor do regime democrático, mas acho que o Brasil necessita de uma reforma política profunda, que elimine os vícios que hoje comprometem o governo do país. O combate à corrupção, que felizmente está em curso, deve ajudar muito a essa renovação necessária. É o que espero.
Podemos dizer que a poesia brasileira contemporânea não tem evoluído em qualidade dos poetas, da escrita e também como em mercado. Quais as considerações que o senhor tem sobre a poesia brasileira atual?
Poesia não evolui, poesia muda. A qualidade da produção poética depende do surgimento de novos poetas com talento criativo. Mas não há como provocar isso. Ou nasce gente com talento ou a produção poética perde a qualidade.
Em “Não Há Vagas”, de “Dentro da Noite Veloz”, o senhor fala das coisas que não cabem no poema, o preço do arroz, gás, luz, telefone. O que atualmente não cabe no poema neste país?
Aquele poema expressa uma ironia. Na verdade, tudo cabe no poema, dependendo do talento do poeta.
A reedição de “Toda Poesia” pela José Olympio, revista e ampliada, engloba sua poesia de 1950 a 2010. O que da sua obra poética completa tem mensagem direta à sociedade atual?
Minha obra poética – escrita durante várias décadas – tem mensagens diversas em diferentes momentos. Mas o que importa mesmo é a qualidade do poema, cujo objetivo é fazer a vida mais rica.
Qual a sua opinião sobre prêmios literários e o Nobel?
Os prêmios às vezes são justos e às vezes, não. Mesmo o Nobel. De qualquer modo, quando justos, contribuem para a valorização da obra do autor e sua divulgação.
Fonte: Correio do Povo/Caderno de Sábado/Luiz Gonzaga Lopes em 5/9/2015