PARA QUEBRAR AS FRONTEIRAS DAS LETRAS
ENTREVISTA COM MARCELINO FREIRE E JORGE FILHOLINI
O projeto Quebras, aprovado no edital Rumos Itaú Cultural 2013/2014, do pernambucano Marcelino Freire, mapeou durante um ano os escritores à margem da produção editorial em encontros por 15 capitais do país, registrados em vídeo e site. No projeto batizado a partir da pergunta Que Brasil é este?, Marcelino contou com a soma multiplicadora do produtor e editor Jorge Filholini. Assim, visitaram Rio Branco, Maceió, Macapá, Manaus, Vitória, Goiânia, São Luís, Cuiabá, Campo Grande, Belém, Teresina, Porto Velho, Boa Vista, Aracaju e Palmas, conhecendo um novo Brasil literário registrado no www.quebras.com.br. No início do mês, o Itaú Cultural lançou o edital 2015/2016, no valor de R$ 15 milhões, com inscrições pelo www.rumositau-cultural.org.br até 6 de novembro e anúncio dos selecionados em 10 de maio de 2016. Nesta entrevista, os dois contam detalhes do Quebras (entrevista completa no www.correiodopovo.com.br,
Como surgiu a ideia do Quebras?
Marcelino Freire - Vontade de estreitar distâncias, quebrar fronteiras. De trocar parágrafos, juntar os pontos. E isso só foi possível por meio do edital do Rumos Itaú Cultural. Estivemos em 15 capitais brasileiras. E só nos interessavam as cidades fora do eixo Rio/São Paulo. Nossa intenção não foi a de mapear o que acontecia literária e culturalmente no país. Não gostamos do verbo “mapear”. Nossa intenção sempre foi conhecer, encontrar, naturalmente, teimosos autores, gente guerreira espalhada pelo Brasil. Uma viagem aberta de possibilidades...
Jorge Filholini - Nunca tivemos um roteiro definido quando chegávamos nas cidades. Fomos conversando e conhecendo, no calor do momento, a pulsação de cada lugar – quais poetas, contistas, quais espaços agitavam a cena...
Como foi a receptividade nestas cidades?
Marcelino Freire – Sempre fomos recebidos de braços e portas abertas. Esses espaços viraram nossos cumplices, parceiros de história. Logo no início, em Teresina, estivemos no Galpão do Dirceu, localizado na periferia da cidade. É onde se concentram atores, bailarinos, poetas. Todo mundo unido para transformar a comunidade por meio da arte. Outro espaço incrível é a Pequena Companhia de Teatro, em São Luís, que fez da arquitetura de uma casa um excelente palco para as apresentações de espetáculos, um canto intimista, inovador.
Jorge Filholini – Em Campo Grande, ficamos encantados com a casa de Ensaio, que a duras penas é administrada pelo casal Lais e Artur, que ministram aulas de teatro, dança e literatura a adolescentes carentes. Jovens que hoje viajam pelo Brasil mostrando o que aprenderam. Até ficamos sabendo que, depois da oficina do Quebras, o pessoal que participou da oficina na Casa de Ensaios organiza uma vez ao mês um sarau para continuar soltando o verbo. Isso para nós já valeu ter estado lá.
O quer podemos pontuar de inusitado e interessante em algumas destas 15 cidades?
Jorge Filholini – Podemos trocar “inusitado” por “teimoso”. Encontramos muitos teimosos pelo caminho. Ninguém cala um poeta. Mesmo com as dificuldades, os artistas divulgam seus trabalhos, produzindo suas próprias revistas, jornais, zines, livros, saraus. Não esqueço da noite em que encontramos e entrevistamos o poeta Salgado Maranhão no meio da rua, em São Luís. Ele vinha de uma mesa literária na Feira do Livro e estávamos arrumando nosso material para a partida, o dia já indo embora. Foi quando ele passou por nós e não podíamos deixar aquele encontro sem um registro. Como era noite, a luz era fraca. Aí resolvemos ficar aos pés de um poste, utilizando apenas a iluminação do poste para a gravação. Ali, tivemos uma linda aula com esse poeta, que contou sobre a carreira literária e acabou recitando alguns de seus poemas. Foi mágico!
Marcelino Freire – Teimosia, por exemplo, é o que não falta rem Aracaju. Lá existe um grupo de jovens poetas que criaram o Sarau debaixo, que acontece todo mês debaixo de uma ponte, onde o barulho do trânsito briga com a poesia. Para cada carro, um poema. Resistência pura. E olha que coisa: a nossa primeira entrevista, em Teresina, foi com o primo do Torquato Neto, o George Mendes, que cuida do acervo do poeta. Ele, durante a entrevista, nos falou uma curiosidade. Eles tinham tudo dele lá no acervo, menos um registro da voz de Torquato neto. Semanas depois, uma jornalista do jornal O Globo nos procurou dizendo que havia encontrado um radialista que tinha a gravação de uma entrevista com o Torquato. Ela viu o nosso relato de viagem no site do Quebras e resolveu nos avisar. Foi uma bênção que a gente recebeu do Torquato. A gente fez questão de visitar o túmulo dele em Teresina.
Que ações tomaram outro rumo já nas cidades?
Marcelino Freire – Em João Pessoa já tivemos notícias de que o pessoal que fez a oficina está organizando a primeira revista literária com textos que trocaram entre eles durante a nossa passagem pela cidade. O pessoal de Teresina também já está organizando saraus no espaço do Galpão do Dirceu, na intenção de promover o local. Sem contar os poetas que nos avisam do lançamento do primeiro livro deles. E agradecem, sempre, o ôlego que a gente deu.
Jorge Filholini – De passagem por Cuiabá, instigamos um escritor local, o amigo Santiago Santos, a promover um festival, pois encontramos uma pulsação cultural forte por lá. Sabemos que, via nosso portal, os autores têm trocado figurinhas. O pessoal de Aracaju, por exemplo, tem conversado com o de São Luís. Os editores de Vitória com os editores de Goiânia, etc.
Após o Quebras, o que se pode dizer da literatura destas 15 capitais?
Marcelino Freire – Devemos parar com esse pensamento preguiçoso de que quem faz literatura é só quem está no eixo Sul-Sudeste. Com o Quebras encontramos diversos autores que contribuem e muito para a cultura do país. Cada um com sua poesia, sua palavra, sua guerrilha. O Brasil precisa voltar seus olhos para dentro do Brasil profundo. E poder saber, assim, de um poeta fenomenal como Antônio Moura, de Belém. Ou do talento musical e performático de um poeta como Eliakin Rufino, de Boa Vista. Sem contar a força à margem que têm as poesias de Waldo Motta, de Vitória, e de Diego Moraes, de Manaus.
Jorge Filholini – É muita gente na ativa com saraus e zines pelas ruas e espaços culturais. Vitória, no Espírito Santo, pulsa fortemente. Muitos grupos criando selos para divulgar os próprios textos. Muitas publicações alternativas.
Fonte: Correio do Povo/Caderno de Sábado/Luiz Gonzaga Lopes em 12/9/15