"SOMOS FELIZES EM PAGAR IMPOSTOS, POIS RECEBEMOS ALGO DE RETORNO", DIZ EMBAIXADORA DA FINLÂNDIA SOBRE O PAÍS SER ELEITO O MAIS FELIZ DO MUNDO
Johanna Karanko também falou com a coluna sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia (Pela oitava vez a Finlândia foi eleita o país mais feliz do mundo)
O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Pela oitava vez, a Finlândia foi eleita pela ONU o país mais feliz do mundo. O título destaca a excelência em educação, segurança pública e serviços governamentais. No entanto, a proximidade fronteiriça com a Rússia tem gerado preocupação desde o início da guerra na Ucrânia.
A embaixadora da Finlândia no Brasil, Johanna Karanko, que participou do Fórum da Liberdade, conversou com a coluna.
O que faz da Finlândia o país mais feliz do mundo?
Dizemos que é a infraestrutura de felicidade. Essa felicidade não é de "ser alegre", é ser contente com a sua vida. E tem várias coisas que são importantes nisso. A confiabilidade de que tudo funciona: as escolas, o transporte público, a segurança pública... Há várias coisas nas quais você pode confiar que será feito, (pois) vai ser verdadeiramente feito. Também somos felizes em pagar impostos, porque recebemos algo de retorno. Estive aqui (no Fórum da Liberdade) falando sobre educação. Na Finlândia, ela é de graça, da pré-escola até o doutorado. Inclusive, as medidas escolares, o transporte e todos os materiais de educação. Por exemplo, os criadores de jogos de videogame finlandeses, da Supercell, dizem sempre que estão felizes porque receberam essa educação, essa saúde da sociedade. E agora que eles criaram sua empresa e se tornaram milionários por esses jogos como Clash of Clans e Hay Day, estão felizes por devolver à sociedade o que ela lhes dava.
O que falta para o Brasil caminhar para esse cenário?
Igualdade é importante, pois não deixamos ninguém para trás. E uma pauta importante é a educação pré-escolar, ela que dá início equalitário às crianças. A capacidade, a criatividade que elas têm, isso pode, depois, também beneficiar a sociedade e a economia.
Dá para resumir em uma palavra?
Igualdade é uma coisa importante, todos em equilíbrio. A educação não tem becos. Se você, por exemplo, aos 15 anos, escolher a educação vocacional, que é aprender um emprego, você pode, deixando para fazer a universidade depois. Temos, por exemplo, um comissário finlandês na União Europeia que não finalizou a formação acadêmica aos 18 anos. Ele optou por um emprego e, depois, voltou à universidade e, agora, tem doutorado. Você pode fazer outras escolhas e seguir outra rota para uma carreira acadêmica ou de estudos. Esses jovens podem optar pela universidade depois. Por exemplo, um eletricista pode depois continuar (a graduação) em engenharia. Há igualdade e saídas diferentes. Outra (coisa) são os professores. Eles são educados com maestria, têm liberdade, autonomia, como organizar sua classe. Há colaboração entre profissionais, e não competição. E depois, como terceira (coisa), os estudantes. A ideia é criar pessoas equilibradas holisticamente, não só focar em matemática e alfabetização, que são as bases e muito importantes, mas também em outras áreas, como música, esporte, para que todo mundo tenha alguma coisa onde são bons, porque todos têm talentos, mas não são exatamente iguais. Esses são nossos segredos, mas não se pode copiar, porque cada sistema escolar é feito para cada país. Os países são diferentes. A Finlândia é pequena, e tem pouca população.
Sobre a crise geopolítica: o governo tem medo de um ataque russo no território finlandês?
No momento, não temos uma ameaça militar, porque os russos estão focando na Ucrânia. Mas estamos sempre preparados. Temos de estar preparados, e, por isso, a Finlândia decidiu aumentar o investimentos em defesa para 3% do PIB até 2029. Depois que a Rússia atacou a Ucrânia, o ambiente de segurança mudou completamente. A Finlândia rapidamente decidiu entrar na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em um processo parlamentar com o forte apoio da população. Sempre temos focado em uma defesa forte e continuamos com isso.
A partir do momento em que vocês entraram na Otan, sentiram-se mais fortalecidos, mais seguros?
Sim. A entrada na União Europeia já havia sido, para nós, uma decisão de segurança. Entrar na Otan também foi, ainda que a Finlândia tenha sido parceira há muitos anos, e nossa defesa foi alinhada e adaptada. Temos agora força em números, mas também a Otan se fortaleceu, porque, agora, tem um país com um grande exército de reservistas: 280 mil homens e mulheres, com uma força deste tamanho, e que é bastante rápido para se mobilizar. Estamos agora protegendo a faixa norte da Otan.
Como vocês avaliam um cessar-fogo ideal entre Rússia e Ucrânia?
Para nós, o mais importante é uma paz justa e sustentável. E a Finlândia apoia a Ucrânia nisso. Verdadeiramente, temos de seguir a ordem e as regras internacionais. Essas são condições fundamentais: a independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia. Estamos apoiando a Ucrânia até o final. Não vemos possibilidade de paz sem que a Europa esteja envolvida nas negociações, e a Ucrânia certamente deve estar envolvida. A Ucrânia precisa de garantias da sua segurança. E a (garantia) mais confiável seria que ser membro do Otan.
Recentemente, a Finlândia inaugurou a primeira usina de hidrogênio verde. Quais assuntos importantes da pauta ambiental vocês podem trazer para a COP30?
Trabalhamos muito na área de bioeconomia e em mineração sustentável. E são importantes para que possamos lutar contra a mudança climática. Estamos trabalhando muito no Brasil com empresas finlandesas para parcerias ganha-ganha, com tecnologias inovadoras, fazendo com que tenhamos uma sociedade mais limpa e com baixo carbono. A Finlândia tem como meta ser carbono neutro em 2035, uma das mais ambiciosas no mundo. Estamos trabalhando junto com empresas parceiras para trazer essas soluções. Podemos ter muita produção de hidrogênio verde na Finlândia. Isto é, eólica, que são áreas crescentes, mas nuclear, porque não temos todo tempo vento. Hidrogênio verde com energia nuclear pode ser a solução finlandesa. A produção dessa empresa vai para a indústria química e, depois, pode ser usada no transporte pesado no futuro. Também estamos, como o Brasil, olhando como se pode exportar hidrogênio verde, porque há outros países na Europa que não têm recursos para produzir a quantidade ou a energia limpa necessárias. Estamos dando os primeiros passos no hidrogênio verde, mas no futuro haverá outros. Vemos que nossas parcerias podem ser com inovação e com educação. São soluções que beneficiam ambos os países. E também para falar da COP30, somos um país da União Europeia, que é a maior financiadora das mudanças, das tecnologias, e também da adaptação a mudanças climáticas.
Fonte: Zero Hora/Rodrigo Lopes-Victor Netto/adjunto em 14/04/2025