LÍDER PORTUGUÊS QUER REVER NOVA ORTOGRAFIA
PRESIDENTE REBELO DE SOUZA DIZ QUE PAÍS PODE MUDAR POSIÇÃO DE ADESÃO A ACORDO EM VIGOR EM PORTUGAL DESDE 2009.
CRÍTICOS PORTUGUESES VEEM NA REGRA ATUAL SUBMISSÃO AO BRASIL, COM ALTERAÇÕES COMO ‘ATOR’ EM VEZ DE ‘ACTOR’
Oficialmente, o último acordo ortográfico está em vigor em Portugal desde 2009, mas ainda enfrenta resistência em vários setores. Na semana passada, o time dos descontentes recebeu um apoio de peso: o novo presidente português se mostrou favorável à revisão das regras.
Em visita a Moçambique – país lusófono que, assim como Angola, não ratificou as mudanças –, Marcelo Rebelo de Souza admitiu que a não adesão dos africanos pode permitir a Portugal também rever sua posição no acordo.
Na quarta-feira (11), a Associação Nacional de Professores de Português e vários membros da organização “Cidadão contra o Acordo Ortográfico” recorreram à Justiça pedindo a anulação da norma que disseminou o uso da nova ortografia no país.
No cargo há dois meses, Rebelo de Souza nunca escondeu sua contrariedade sobre o tema. Na década de 1990, ele assinou um manifesto que reuniu 400 personalidades portuguesas contrárias ao acordo ortográfico.
Embora as críticas públicas tenham se abrandado, o livro de imagens de sua campanha à Presidência, “Afectos”, não adota as mudanças ortográficas nem no título.
Em “O Acordo Ortográfico Não Está em Vigor” (ed.Guerra & Praz), o embaixador e professor de direito internacional Carlos Fernandes diz que o acordo fere também princípios jurídicos e, por isso, não deveria ser adotado.
Segundo Fernandes, além de as regras anteriores não terem sido oficialmente revogadas, o governo português tampouco cumpriu trâmites legais obrigatórios para a entrada em vigor dos novos parâmetros da língua.
O debate sobre uma possível revisão do acordo – há quem defenda até um referendo – provocou uma “caça às bruxas” ortográfica. Vários políticos tiveram currículos, biografias e livros vasculhados em busca de indícios de que são contrários às mudanças na escrita.
CRÍTICAS AO BRASIL
Embora tenha sido assinado em 1990 pelos Estados de língua oficial portuguesa, o acordo precisa passar por ratificação interna em cada país para entrar em vigor. Brasil, Portugal, São Tome e Príncipe e Cabo Verde já promulgaram a decisão.
Já Angola e Moçambique – que concentram a maioria dos falantes do português depois do Brasil – ainda não têm data para ratificar.
O português é a quinta língua mais falada do mundo, com cerca de 280 milhões de falantes, dos quais 202 milhões estão no Brasil, 24,7 milhões em Angola, 24,6 milhões em Moçambique e 10,8 milhões em Portugal.
Entre os críticos portugueses e africanos, as alterações são encaradas como submissão aos desejos do Brasil. A língua oficial do país é várias vezes pejorativamente chamada de “brasileiro”.
Um dos motivos da discórdia é o fim das consoantes mudas presentes em várias palavras de Portugal. Com o acordo, prevaleceu a versão brasileira. Por exemplo: actor vira ator e óptimo, ótimo.
Segundo o Ministério da Educação brasileiro, as mudanças afetaram cerca de 0,8% dos vocábulos do Brasil e 1,3% dos de Portugal.
GOVERNO DEFENDE
O governo de Portugal segue o acordo ortográfico, e vários ministros saíram em defesa das regras.
Considerado o pai do acordo e um dos mais influentes linguistas lusitanos, Malaca Casteleiro também tem defendido sua aplicação.
O primeiro-secretário do Brasil em Lisboa, André Pinto Pacheco, afirmou que “a embaixada acompanha com atenção o assunto, procurando esclarecer o Estado e a opinião pública de Portugal sobre a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no Brasil”.
Diretor do setor de lexicografia e lexicologia da Academia Brasileira de Letras, Evanildo Bechara minimizou as críticas do presidente português e ressaltou o ritmo da implementação do acordo na comunidade lusófona. “É um processo irreversível.”
“Uma alteração ortográfica não é para a geração que a fez, mas para uma geração futura”, afirmou Bechara. O uso da nova ortografia é obrigatório no Brasil desde 1º de janeiro deste ano.
Fonte: Folha de S.Paulo/Giuliana Miranda (Colaboração para a Folha, em Lisboa) em 15 de maio de 2016.