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Essa Figura de Retórica Chamada de Pleonasmo
Essa Figura de Retórica Chamada de Pleonasmo

 

Oximoros de James Kudo

 

SILÊNCIO ELOQUENTE

 

Pleonasmo não é um mal incurável, mas pode ser altamente contagioso e grudar no ouvido dos cidadãos incautos.  Ou você vai negar que EXULTOU DE ALEGRIA ao contemplar as ESTRELAS DO CÉU?  Que não percebeu o ELO DE LIGAÇÃO entre dois elementos?  Que nunca partiu uma maçã em METADES IGUAIS?  Que jamais referiu-se ao CONSENSO GERAL de uma assembleia?  Ora, poupe-me de suas OPINIÕES PESSOAIS e trate de apurar os FATOS REAIS.  Essa febre atinge a TODOS, SEM EXCEÇÃO.

 

Todos nós já nos deparamos com essa figura de retórica chamada de pleonasmo.  Ele se vale da redundância, seja por desconhecimento da língua, seja para enfatizar algo.  Pode ser vicioso, como ENCARAR DE FRENTE, SEGUIR ADIANTE, HEMORRAGIA DE SANGUE.  Mas vários escritores se valem do recurso como figura de linguagem em uma expressão para enfatiza-la.  É o caso de Fernando Pessoa quando proclama “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal”. Esse é um exemplo de pleonasmo literário.  Um exemplo musical pode ser encontrado em uma canção em que Gilberto Gil propõe “Vamos fugir para outro lugar”.

 

Já o oximoro se caracteriza por ser uma figura de linguagem que justapõe termos aparentemente contraditórios.  O termo vem do grego oxymoron, que combina as palavras oxys (aguçado) e moron (estúpido).  Existem oximoros em diferentes contextos, desde vícios de linguagem até expressões usadas para enfatizar um paradoxo e assim criar um efeito retórico.  Nesse sentido, o oximoro é um paradoxo com bom propósito.

 

Os exemplos abundam:  INOCENTE CULPA, DECLARAÇÃO TÁCITA, ILUSTRE DESCONHECIDO, DOCE VENENO, MORTO-VIVO, MAIS É MENOS, PERMISSIVIDADE REPRESSIVA, SEGREDO ABERTO, CÓPIA ORIGINAL, A ÚNICA ESCOLHA, FORÇA DE PAZ, REALIDADE VIRTUAL, TRAGICOMÉDIA, AUSÊNCIA CONSPÍCUA, PRESENTE HISTÓRICO, SOLUÇÃO IMPOSSÍVEL, METADE MAIOR, TOLERÂNCIA ZERO, VARIÁVEL CONSTANTE, PACIFISTA MILITANTE, REALISMO MÁGICO, PEQUENA MULTIDÃO, SORRISO TRISTE, LÚCIDA LOUCURA, CRESCIMENTO NEGATIVO, MENTIRA SINCERA, BOATO FIDEDIGNO, ESPONTANEIDADE CALCULADA.

 

O fato de o sentido de um oximoro ser um aparente absurdo significa que quem o ouve precisa procurar outro sentido, em geral metafórico.  É o caso de um INSTANTE ETERNO, expressão que indica que aquele momento foi tão intenso que o tempo parecia ter sido suspenso.  Neste caso, temos um falso paradoxo no qual, embora as palavras tenham significados opostos, a formulação faz sentido.

 

A literatura e a música popular têm vários exemplos de oximoros.  Julieta ao se despedir de Romeu, na célebre cena do balcão, diz que “partir é tão doce tristeza” (“Parting is such sweet sorrow”).  Ao combinar elementos aparentemente contraditórios como tristeza e doçura, Shakespeare mostra como o amor e o sofrimento andam juntos.

 

Da mesma forma, em um soneto famoso, Camões faz uso de oximoros ao proclamar que “Amor é fogo que arde sem se ver / É ferida que dói e não se sente / É um contentamento descontente / É dor que desatina sem doer”.

 

Talvez o melhor exemplo do poder dos oximoros é SILÊNCIO ELOQUENTE.  À primeira vista, a expressão parece estúpida.  Afinal, como pode o silêncio falar?  Mas todos nós sabemos que na vida há momentos em que não dizer nada pode ter um efeito avassalador como não aplaudir alguém que está acostumado a ser bajulado, ou ficar quieto junto a uma pessoa amada quando a relação está se deteriorando.

 

Em 1937, pouco antes de morrer aos 26 anos de idade, Noel Rosa compôs Último Desejo, dedicado a Ceci, sua grande paixão.  Nessa canção, ele admite a VERDADE VERDADEIRA quando confessa:  “Perto de você me calo / Tudo penso e nada falo / Tenho medo de chorar”.

 

Existe declaração de amor mais eloquente que este silêncio?

 

Fonte:  ZH/Ruben George Oliven (Professor titular de Antropologia da UFRGS e membro da Academia Brasileira de Ciências) em 02/8/2015