Translate this Page




ONLINE
81





Partilhe esta Página

                                            

            

 

 


O Mistério do Parnasianismo
O Mistério do Parnasianismo

O MISTÉRIO DO PARNASIANÊS.

 

Dei de cara com uma verdade estranha, esses dias:  a visão escolar dominante sobre o que é certo e errado, no campo da língua materna brasileira, tem uma força desproporcional à história transcorrida.  Não deu pra entender direito?  Vou de novo:  o modo como temos concebido o ideal da língua portuguesa, na escola e no mundo letrado, nasceu há uns cem anos e sobreviveu a impressionantes forças históricas contrárias.  Como?  Por quê?

 

Simplifico para caber no espaço:  o português que a escola brasileira ensinou e perpetuou, desde cem anos atrás até há pouco, brotou no mesmo jardim do Parnasianismo, aquele modo neoclássico de fazer poesia, que adorava o soneto como molde excelso (e gostava de usar “excelso”, aliás) e era capaz de matar para falar de amenidades – e para evitar falar da vida real, cotidiana.

 

Suor, sexo, carnaval, dureza da vida diária, esgoto a céu aberto, nada disso ganhou direito de entrar na poesia parnasiana.  Fosse o poeta parnasiano um qualquer, um deserdado, um marginal, o problema seria pouco;  mas ocorreu que foi justamente o poeta parnasiano – Olavo Bilac à frente – quem foi formado como modelo de língua para todos.  Não por acaso, Bilac foi inspetor federal do ensino, e nessa condição percorreu muitas cidades, fazendo conferências e espalhando seu charme conservador Brasil afora.  E mais ainda:  autor da letra do Hino à Bandeira, escritor de livros infantis e didáticos, foi eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros – isso sendo ele, ao que consta, um fervoroso republicano.

 

Bilac foi beneficiado por outros fatores, em sua entronização como modelo de texto.  Em 1897 começou a funcionar a Academia Brasileira de Letras, órgão quer veio a ter imensa importância ao protagonizar as várias discussões sobre reforma ortográfica.  Ao longo do tempo, a Academia teve papel forte na perpetuação da visão parnasiana do português.  (Machado de Assis também compõe esse momento, com seu texto elegante e preciso, que nada tem a ver com a chatice bilaquiana.  Quem sim tem a ver com ela é Ruy Barbosa, outra mala no campo da linguagem conservadora e arrebicada.)

 

Mas o que me chamou a atenção foi comparar essa trajetória com os elementos contrastantes que pelo contrário se expressavam em variantes coloquiais da língua.  Acompanhe comigo no riplei:  na mesma época do Bilac, gente como Simões Lopes Neto e Valdomiro Silveira escrevia contos e lendas do mundo rural; Lima Barreto escrevia sua vasta, irregular mas viva obra literária; em seguida, anos 20 em diante, o rádio começa a atuar, dando cancha à canção popular, que em geral se expressa na língua da vida real.

 

No campo letrado, houve o Modernismo paulista, que se esforçou em combater justamente a “máquina de fazer versos” do Parnasianismo.  Nos anos 30, toda uma geração de grandes talentos escreveu em Português brasileiro suado, os Erico Veríssimo, Graciliano, Jorge Amado, os Bandeira e Drummond, e logo depois veio Nelson Rodrigues para ensinar o teatro a falar sem sotaque lisboeta ou vocabulário pernóstico.  E veio a televisão, com a telenovela que, a partir de Beto Rockefeller, incorporou a fala brasileira.

 

Então eu quero saber é como o parnasianês se manteve.  Que forças o apoiaram esse tempo todo, até sua morte – ainda não totalmente configurada – que só agora vai ficando clara?

 

A tradição de haver pouca escola, a escola para poucos, é parte da explicação.  A universidade para menos gente ainda, da mesma forma.  O bacharelismo, o “data vênia”, a força conservadora e excludente do mundo do Direito por certo ocupa papel forte nisso.  Para completar, a visão que temos do Brasil como país de um povo burro e incompetente – quadro que se agrava ainda hoje, com o afloramento da corrupção disseminada, à direita e à esquerda, existentes desde sempre.

 

Visão equivocada, que abomina nossa mestilagem e capacidade de criar soluções.  Visão que mal agora começamos a reverter, mas que ainda nos paralisa.

 

Fonte:  ZeroHora/Luís Augusto Fischer (Professor de Literatura na UFRGS e escritor) em 11/10/2015.