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O Argumento é uma Arma Poderosa, por J.J.Camargo
O Argumento é uma Arma Poderosa, por J.J.Camargo

O ARGUMENTO É UMA ARMA PODEROSA

Menos palavras e menos verbos conjugados significam menor capacidade de processar um pensamento

"Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor." (Paulo Freire)

 

O clipe que viralizou na internet mostra uma jovem negra americana, na época de extrema discriminação racial nos EUA, tentando convencer um velho juiz a obter autorização para estudar numa escola de brancos, porque seria o único caminho para alcançar o sonho de ser a primeira mulher engenheira da Nasa.  A argumentação e o desfecho são comoventes e inspiradores (procure no TikTok por "O poder do argumento").

 

Como a construção do argumento depende da riqueza das palavras, mais uma vez fica evidente que quem trabalha com pessoas, e a todo instante precisa ser persuasivo, depende criticamente dela, a palavra.  E o mundo moderno parece, incompreensivelmente, determinado a maltratá-la.  Como consequência, neste início de século tem sido observado, pela primeira vez, a chegada de uma geração menos inteligente do que a anterior.  Muitas evidências sugerem que por trás disso está o empobrecimento da linguagem.  E como advertiu Christophe Clavé, um crítico francês: "E não é apenas a redução do vocabulário utilizado, mas também as sutilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos.  O desaparecimento gradual dos tempos (subjuntivo, imperfeito, formas compostas do futuro, particípio passado) dá origem a um pensamento quase sempre no presente, limitado ao momento: incapaz de projeções no tempo".

 

Menos palavras e menos verbos conjugados significam menor capacidade de processar um pensamento.  Como a falta de argumentos lógicos é o caminho mais curto para a agressão, estudos têm mostrado que parte da violência do cotidiano decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras.

 

Sem palavras para construir um argumento, o pensamento complexo torna-se impossível.  Quanto mais pobre a linguagem, mais o pensamento desaparece, e o instinto selvagem arreganha os dentes.  Se não houver pensamentos elaborados, não haverá raciocínios críticos.  E não há pensamento sem palavras.

 

Os nossos jovens se tornaram exímios agitadores de símbolos e abreviaturas e perderam, com poucas exceções, a capacidade de redigir um texto que exprima emoção.  Quem prefere o espetáculo pronto, como o da TV, por exemplo, no máximo poderá admirar o talento criativo do outro, enquanto atrofia, sem perceber, a sua própria criatividade.

 

Quem for assistir a um filme sobre um livro que o deslumbrou sairá do cinema decepcionado, porque o diretor mais genial não conseguirá transferir integralmente para aridez de uma tela a riqueza da imaginação criativa do leitor.

 

Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia, tornar a linguagem mais objetiva, abolir gêneros, tempos, nuances, tudo o que cria complexidade, são os verdadeiros arquitetos do empobrecimento da mente humana.

 

Não surpreende que na pobreza do vocabulário até a delicada sutileza do humor tenha mirrado, e as redes sociais tenham se obrigado a criar, veja só, os "orientadores do riso".  E que ninguém ponha banca de esperto para rir antes do kkk.

 

Fonte: Zero Hora/Caderno Vida/J.J.Camargo/Cirurgião torácico, diretor do Centro de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre e membro titular da Academia Nacional de Medicina [jjcamargo.vida@gmail.com ou Instagram: @jjcamargo.cxtoracica] em  19/03/2023