MACHADO DEVERIA SER OBRIGATÓRIO EM PORTUGAL
Pedro Mexia, crítico, escritor e conselheiro do presidente português, diz que, injustamente, o Brasil é deficitário na balança literária com o seu país.
Nascido entre livros, filho único de um editor e de uma funcionária do Arquivo Nacional de Lisboa, o português Pedro Mexia, escritor e poeta precoce, viu-se desde cedo diante do dilema sobre qual assinatura adotar. O sobrenome paterno, Bigotte Chorão, não casava bem com o ofício que escolhera. Decidiu, então, ficar com o Mexia da mãe, mesmo sob o risco de ter que aturar piadas do tipo “não mexe mais”. “Meu apelido tem dado azo a conversa”, diz ele em uma de suas saborosas crônicas com sotaque lusitano.
Descobriu até um outro escritor Pedro Mexia, que viveu em Sevilha no século XVI. Este, escreve, é o original, “do qual sou, portanto, uma imitação barata, com a desvantagem (definitiva) de não possuir a menor erudição e com a vantagem (provisória) de estar vivo e ele morto”, completa, com seu humor autozombeteiro.
Autor de mais de uma dezena de livros, crítico literário, integrante do programa satírico semanal “Governo Sombra”, transmitido por rádio e TV em Portugal, Mexia agora é também conselheiro do presidente de Portugal, Marcelo rebelo de Souza, do Partido Social Democrata. Ele esteve no Sesc Bom Retiro, em São Paulo, na semana passada (dezembro/2017), para participar do encontro livros em Revista, organizado pela revista mensal de literatura “QuatroCincoUm”.
Embora se considere pessimista e cético, Mexia parece se divertir ao dessacralizar o ofício de crítico literário que exerce como colunista do jornal “Expresso”. Afirma que não é – nem quer ser – um intelectual, por não se identificar nem simpatizar com o conceito de intelectual.
No debate de que participou, ao lado dos críticos Alejandro Chacoff (revista “Piauí”) e Sébastien Lapaque (“Le Fígaro”), deixou a marca de um seguidor de Fernando Pessoa (1888-1935), a quem importa sempre ouvir a defeituosa voz humana: “Nós não sabemos por que gostamos de um livro ou de um filme. Temos que escavar nossas cabeças para descobrir razões, mas muitas vezes não achamos”.
O ceticismo, explica, é um bom conselheiro em política. “Os socialistas parecem ter tido demasiadas expectativas sobre a perfeição humana”, diz Mexia, que se apresenta como católico, liberal, conservador e se coloca na posição de centro-direita na política portuguesa. “Nada a ver com a direita brasileira.”
No programa humorístico do qual participa há cerca de dez anos, convive com o colunista da Folha de S. Paulo, Ricardo Araújo Pereira, que se apresenta como marxista não leninista, e outros dois jornalistas de posições políticas diferentes das suas. “É um dos pressupostos da democracia, não?”
Já o pessimismo, diz que é característica pessoal: É a tendência de ver a fugacidade das coisas, da fragilidade da vida. Nossa vida é de perdas, de pessoas, de lugares. É uma tendência de ver o lado vazio do copo. Só escrevo sob este sentimento”.
Ele cita, rindo seu pessimista predileto, o dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), que em uma tarde luminosa ouviu de um amigo com quem passeava nos Jardins de Luxemburgo, em Paris, a exclamação: “Em dias assim é que dá gosto estar vivo”. Beckett replicou: “Também não exageremos”.
Em um país pequeno como Portugal, não é difícil para um crítico esbarrar com egos feridos. Mas Mexia acha que muitos dos amigos e conhecidos aceitam bem suas críticas. Outros, nem tanto. Um deles foi António Lobo Antunes, cotado para o Nobel de Literatura, que, por causa de uma crítica desfavorável, negou que o conhecesse e o acusou de mentir. Mexia se viu obrigado a dizer que o escritor não só o conhecia (são praticamente vizinhos), como já havia feito uma dedicatória para ele, portanto era Lobo Antunes o mentiroso. “Desde então, ele me vira as costas.”
Há quatro ano, Mexia namora Raquel, estudante de literatura comparada. Aos 45 anos, diz acreditar que está menos antissocial que aos 20. Veio ao Brasil sei vezes nos últimos cinco anos, mas prefere não se arriscar a dar suas impressões. “Conheço mais pelas páginas dos livros.” Mas se sente bem aqui. Para ele, o Brasil tem sido mais generoso com os autores portugueses do que Portugal com os autores brasileiros.
Nelson Rodrigues *1912-1980), um dos que admira muito, custou a ter a obra editada em Portugal. O próprio Mexia organizou uma coletânea, intitulada O HOMEM FATAL. Machado de Assis (1839-1908), no seu julgamento, deveria fazer parte dos currículos escolares de seu país. “Há poucos autores portugueses que se comparem a Machado”, diz. Cada vez que vem ao Brasil, precisa comprar uma mala nova para acomodar os livros de autores brasileiros que compra por aqui.
Há uma autora portuguesa, porém, que ainda não foi descoberta pelos brasileiros, segundo Mexia. E ele faz questão de divulgá-la: Agustina Bessa-Luís. Recomenda que os leitores comecem pelo livro BREVIÁRIO DO BRASIL. Não é uma leitura fácil, decepciona aqueles que buscam um esquema arrumadinho de romance. Ela tem diálogos, monólogos, reflexões, ela escreve o que lhe vem a cabeça.”
“Meu zênite literário”, diz Mexia, foi organizar ensaios de Agustina, no volume CONTEMPLAÇÃO CARINHOSA DA ANGÚSTIA, quando tinha 25 anos. “Meu currículo é uma nota de pé de página, como organizador e prefaciador da obra de Agustia”.
Acrescentemos mais alguns detalhes nessa nota. Livro de cabeceira: O OFÍCIO DE VIVER (de Cesar Pavese). Autor que lhe fez escrever poesia: T. S. Elliot. Referência em prosa: Ernest Hemingway. Melhor livro de José Saramago (1922-2010): O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS. O pior: A CAVERNA. Livros de Pedro Mexia editados no Brasil: QUERIA MAIS É QUE CHOVESSE (crônicas) e CONTRATEMPO (poesia).
Fonte: Revista Valor / Ricardo Lessa em 08/12/2017