CONTRA A DIVERSÃO NA ESCRITA E NA LEITURA
Ler não é divertido. Ou não é divertido da maneira que apregoam livreiros e editores que querem chegar a um público mais jovem. Ler não é sexy, não engata. Quem apresenta os livros como produtos que emanam sensualidade pretende apelar a um público que considera quase tudo o que se escreve aborrecido. Um público que não lê. Um público ansioso que não aprecia o tempo longo, que quer viver agora. Para existir agora não se pode fruir com Ulisses, de Joyce. O livro sensual é o livro de Bukowski ou Kerouac, o livro de fácil leitura que nos faz crer que ser escritor é beber e fornicar imenso e andar com quem e como queremos. Autores com muita probabilidade de serem vendidos por quem apregoa a sensualidade do livro são os publicados em editoras extintas, ditas subterrâneas. Estes autores cavernosos têm muitos méritos literários, mas não é pela escrita que encontram compradores: é pela imagem rebelde, por muitas vezes terem sido marginalizados em vida, por não terem tido o reconhecimento que mereciam, por se desviarem da norma e serem considerados "loucos". Ler é, então, divertido quando se está no campo do subterrâneo, do subversivo, do clandestino. Quando imitamos os nossos heróis no que estes tiveram de mais supérfluo. Quando lhes copiamos os gestos e as frases politicamente incorrectas.
Escrever é ainda menos divertido. Mas quem lê desta maneira, quem confunde a vida do escritor com a escrita, ao ponto de saltar por cima da escrita, não quer saber da dor. Escrever não pode ser difícil. Carlos de Oliveira escreve o seguinte a propósito de um livro seu: "obra lenta, elaborada com todo o vagar na "alquimia" dos papéis velhos. Quase sem eu dar por isso o livro surgiu-me pronto, é certo, mas levara três anos a construí-lo. Papéis acumulados, experiências para aqui, para ali, vários livros a crescer lado a lado. Coisas reescritas até à saciedade, e por fim a pequenina explosão já entrevista, pelo menos sonhada" (O Aprendiz de Feiticeiro). Quem demora três anos a concluir um manuscrito? O rapaz que escreveu cinquenta páginas e as enviou para todas as grandes editoras, esperando a partir daí viver da sua genialidade? O rapaz que lê Herberto, que sente Herberto, que só sente Herberto? O artista que fumou dois cigarros de enrolar com os seus amigos iniciados na poesia e decidiu virar poeta? Qual o tempo da escrita para quem vive da diversão literária, para quem encara a leitura e a escrita como algo que não pode ser chato? Três anos é muito tempo. Reescrever é demorado.
A fama deve ser instantânea. Deve demorar o tempo de chegar a casa e escrever três versos. Quem entra na arte procurando a rapidez e a risada e a camaradagem não espera dificuldades. É preciso aparecer no facebook, receber centenas de likes, ser fixe. Quantos amigos perdemos se demorarmos três anos a reescrever? Saramago começou tarde, Fernando Campos e outros também. O tempo da escrita, do aperfeiçoamento da escrita, varia. Não evoluímos da mesma maneira. Para estes talentos não há tempo a esperar, é necessário ser famoso e já. Abre o bar e temos de lá estar. Não podemos faltar a certa apresentação. Temos de apertar as mãos certas. Se não aparecer no suplemento cultural, perdi o filão da fama. Não é assim. A literatura não faz rir. Não é um trampolim para aparecer no suplemento. Todas as semanas aparecem génios. Portugal encheu-se de génios versáteis, dotados das mais extraordinárias capacidades artísticas. Recenseiam, poetizam, documentam, romanceiam. Sim, multifacetados e risonhos e grandes cavaleiros da luta contra a alienação. Mas Carlos de Oliveira, triste e lento, continua a ser melhor. Qualquer escritor que saiba viver no silêncio, distante da criançada, será melhor.
Paulo Rodrigues Ferreira