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Romeu e Julieta: É uma Peça de Ódio,c/amor no meio
Romeu e Julieta: É uma Peça de Ódio,c/amor no meio

"Romeu e Julieta" não é uma história de amor

 

 

Espetáculo de Rui Horta com a CNB estreia hoje, Dia Mundial da Dança, no Teatro Camões, em Lisboa.

 

É costume dizer-se que Romeu e Julieta, a peça de Shakespeare, é uma história trágica de amor entre dois jovens que são impedidos de ficar juntos devido à rivalidade entre as suas famílias e que, por isso, acabam por se suicidar. Uma história de amor? O coreógrafo Rui Horta não podia estar mais em desacordo. "É uma peça de ódio, com amor no meio", diz.

 

A verdade, sublinha, é que esta "é a história de uma miúda de 12 anos e um rapaz de 17 que se apaixonam perdidamente e em três dias eles suicidam-se e ainda morrem mais quatro ou cinco pessoas, que são os seus entes mais queridos. Portanto, quando eu penso em Romeu e Julieta penso em duas famílias a chorar de funeral em funeral, cheias de olheiras. Se eu tivesse seis funerais em três dias não me iria lembrar daquilo como um momento amoroso. É de uma violência gigantesca. Não se pode fugir a isso."

 

Por isso, quando Luísa Taveira, diretora da Companhia Nacional de Bailado (CNB), o desafiou a pôr em cena este clássico, Rui Horta pensou "porque não?", mas só se pudesse mostrar a sua visão negra da história. "É daquelas peças difíceis porque se tem, de algum modo, de desconstruir para se encontrar qualquer coisa, mas não é um exercício gratuito, é para se construir de novo." E é isso que acontece aqui. Numa coprodução com o Teatro Nacional D. Maria II, o espetáculo junta os bailarinos da CNB com dois atores, Carla Galvão e Pedro Gil, e ainda o músico Bruno Pernadas (que compôs a música original do espetáculo) e o seu ensemble, que também estão no palco.

 

"Romeu e Julieta é muito atual", diz Horta. "Fala de duas coisas que andam sempre juntas: o amor e o ódio, e de uma tensão enorme, que para mim não é a tensão entre Montéquios e Capuletos, não é propriamente uma peça sobre dois jovens não se poderem encontrar por causa das famílias, mas é mais sobre a convenção social vs. liberdade do indivíduo, que é algo que já temos menos mas temos ainda hoje em dia. Como as convenções em geral que abafam o indivíduo estão sempre presentes. Esta peça é sobre isso, a distância enorme entre o desejo, aquilo que nós queremos, e o que é possível."

 

Um espetáculo a preto e branco

No cenário branco, completamente branco, sobressaem as figuras negras. Estão todos vestidos de preto e, quando reparamos melhor, estão todos vestidos de homens. Não há vestidos, curtos ou compridos. Da multidão de bailarinos destacam-se os dois atores. Se imaginámos que eles dariam voz a Romeu e Julieta, rapidamente percebemos que não. Há momentos em que sim mas também há momentos em que não. No início são Sansão e Gregório, os criados dos Capuleto, e as suas palavras são muito duras: "Estabelecem a ideia de que realmente eles eram uns mafiosos, uns arruaceiros. Os diálogos de Shakespeare não são meiguinhos, são tipos abusadores, misóginos, chauvinistas, é uma cena cheia de condimentos nada agradáveis."

 

No cenário branco do dia que começa e que se vai tornando negro, completamente negro, à medida que cai a noite aparecem, então, os dois apaixonados. Mas até os momentos mais românticos - "O que é que existe num nome? Aquilo a que nós chamamos rosa teria o mesmo perfume embora lhe déssemos outro nome!" - existem "num contexto de impossibilidade, de lutas de clãs, de mal-entendidos". Isso fica bem claro.

 

E há até oportunidade para, nos poucos momentos em que as palavras não são de William Shakespeare mas do próprio Rui Horta, trazer essa violência para os dias de hoje e ver como as dificuldades nas relações se transformam, tão facilmente, em violência doméstica. "Como é que os problemas conjugais ou familiares se resolvem à batatada? Ou ao tiro ou à espadeirada?" Estas são questões que Shakespeare colocou há 400 anos mas que fazem sentido atualmente. Sobretudo quando as colocamos ao som do martelo, que Pedro Gil bate furiosamente, ou do jazz de Bruno Pernadas, ou da percussão que os bailarinos executam usando o seu corpo, o chão, as paredes. O som é, em certos momentos, tão cru quanto o cenário.

 

"A peça baseia-se, na primeira parte, num movimento muito formal, marcial, estruturado. E ao longo da peça vai ficando cada vez mais desestruturado, triunfam as emoções e a razão deixa de funcionar. A razão não funciona frente à perda pela morte, a razão secundariza-se e o corpo perde o seu formalismo e ganha a emoção pura", explica Rui Horta. Há até um momento em que os bailarinos se juntam para fazer o haka, o ritual da equipa de râguebi dos All Black, da Nova Zelândia, que se inspira nos rituais maori de guerra. "Vais para a batalha, ou matas ou morres", explica o coreógrafo. É o tudo por tudo. E é também assim que quer este espetáculo: "Isto tem de ser um tsunami, uma coisa avassaladora." Mesmo que não seja, como costuma ser Romeu e Julieta, uma paixão avassaladora.

 

Romeu e Julieta
Rui Horta (coreografia), Bruno Pernadas (música), Ricardo Preto (figurinos)
Teatro Camões, Lisboa
Entre hoje e 15 de maio
Bilhetes: 5 euro/30 euro