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Histórias Compartilhadas: Leituras a Domicílio
Histórias Compartilhadas: Leituras a Domicílio

HISTÓRIAS COMPARTILHADAS

 

LEITORA PARTICULAR DEDICA VOZ E TEMPO À NARRATIVA DE LIVROS PARA QUEM JÁ SENTE AS LIMITAÇÕES DA VISÃO CANSADA.

 

Uma vez por semana, Eliana Guedes, 52 anos, vai ao apartamento de Dalila Costa, 80 anos, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre.  Na sala de estar, senta-se ao lado da aposentada, abre um livro e inicia a sessão de um serviço incomum.  Ela empresta visão e voz para que Dalila, que não consegue mais ler por conta de um problema na retina, desfrute da literatura que adora.  Eliana é uma leitora particular.

- Eu leio para pessoas que não podem ou não querem ler sozinhas, pode ser por alguma dificuldade, ou apenas por desejar o acompanhamento incentivando a leitura – explica.

 

A tradutora de inglês e espanhol transformou o ato de ler em profissão há três anos.  “Notícias, horóscopo, contos de fadas, vanguarda, românticos, surrealistas, suspense, receita de bolo.  Leio!”, grafou em um post na página do Facebook (www.facebook.com/leitoraparticular) para divulgar o trabalho.

 

Se a leitura proporciona viagens sem sair do lugar, Eliana se delicia com a ideia de fazer o passeio em dupla.  Por ela, faria até excursões:

- Isso é o mais bacana, é a coisa compartilhada.  É legar pensar que se pode fazer isso com alguém, e talvez seja mais prazeroso.  Além disso, é muito importante estimular a imaginação.  O dia da gente fica tão melhor quando se pode imaginar, criar coisas para nós mesmos.

 

Eliana é apaixonada por ler em voz alta desde os cinco anos, quando aprendeu a juntar as letras de outdoors e das manchetes de jornais.  E também adora interpretar – quando o texto permite “um draminha”, não perde a oportunidade.  Não por menos se identificou com a personagem de LA LECTRICE (UMA LEITORA BEM PARTICULAR, no Brasil), filme do diretor francês Michel Deville sobre uma mulher que tinha como profissão ler para quem a contratava.

 

A porto-alegrense se inspirou na personagem das telas de cinema nos anos 1980 e, na época, tentou fazer o mesmo na Capital.  Ela colocou um anúncio nos classificados do jornal, mas não arranjou nenhum cliente.

 

Três décadas depois, a leitora particular está conseguindo dar os primeiros passos.  Não encontrou ainda a receptividade que deseja – tem apenas duas clientes fixas.  Cobrando R$ 80,00 por sessão de leitura particular, a principal renda dela ainda vem dos trabalhos como tradutora de materiais técnicos e acadêmicos.  Mas sua paixão está na literatura.  E de preferência em voz alta.

- Esse trabalho é um grande prazer.  Se eu pudesse viver disso, seria maravilhoso – conta.

 

 

 

COMENTÁRIOS E DEBATES SEM PRESSA ALGUMA

Quando Eliana e Dalila abrem um livro, deixam a pressa de Porto Alegre na rua.  Elas interrompem a leitura  árias vezes para comentar diálogos, relembrar passagens de um capítulo anterior ou fazer pesquisa na internet – que rendem descobertas como a localização de Sokol, distrito da Rússia.  Também acontece de o riso ou o choro serem os responsáveis por uma breve pausa.

 

A dupla vence cerca de 10 páginas a cada sessão que passa de uma hora, mas, de pouquinho em pouquinho, elas já perderam a conta de quantos livros leram nos últimos três anos.  Na semana passada, estavam na página 562 das 585 do romance O HOMEM QUE AMAVA OS CACHORROS, de Leonardo Padura, sobre os últimos anos da vida de Leon Trotski e a história do seu assassino.  Já estão pensando na próxima escolha.  A ORGIA PERPÉTUA, de Mário Vargas Llosa, e AMOR, de Toni Morrison, estão no páreo.

 

Dalila conta que também ama leitura desde a infância.  Ela imaginava que esse seria seu lazer na aposentadoria, mas perdeu a capacidade de ler em 2000 por um problema na visão – não consegue mais distinguir as letras.  Ela assistiu ao mesmo filme que inspirou Eliana, mas não imaginava que existiria algo semelhante em Porto Alegre.  Surpreendeu-se quando ouviu sobre a profissional no rádio, e ainda mais quando a conheceu pessoalmente.

- Esperava uma leitora, mas ela é mais do que uma leitora.  A gente conversa, às vezes, briga com o autor... É uma terapia – conta.

 

Fonte:  ZeroHora/Comportamento/Jessica Rebeca Weber (jessica.weber@zerohora.com.br) em 1º de abril de 2016.