REDES DE LIVRARIAS VOLTAM A ABRIR LOJAS EM SHOPPINGS DE PORTO ALEGRE: ENTENDA O MOVIMENTO
Capital ganhará em breve ao menos três unidades do segmento. Empresas tradicionais fecharam pontos nos últimos anos, alegando dificuldades diante da concorrência do comércio eletrônico
Com as falências da Saraiva e da Cultura, em 2023, grandes pontos que abrigavam livrarias em shopping centers de Porto Alegre passaram a ficar vagos. À época, a avaliação foi de que problemas de gestão e disputa com o e-commerce foram fatores cruciais para o fim dessas marcas.
Mais recentemente, porém, novas redes começaram a preencher esta lacuna que havia ficado na Capital. A aposta delas é em um atendimento personalizado e em pontos estratégicos nos shoppings. Para este ano, estão previstas pelo menos três novas livrarias em Porto Alegre.
A próxima grande abertura será da Travessa, rede criada em 1986 no Rio de Janeiro. A chegada da marca a solo gaúcho ocorrerá no segundo piso do Shopping Iguatemi. Com investimento de R$ 3,5 milhões, a operação ocupará um espaço de 500 metros quadrados com 60 mil livros à venda. A inauguração está marcada para agosto.
Além de livros, a Travessa tem um setor de papelaria, vende CDs, DVDs e discos de vinil. Segundo o diretor da empresa, Rui Campos, os shopping centers são ambientes propícios para abertura de novas livrarias, já que o público que os frequenta tende a consumir mais:
— A livraria é um polo de atração. Quando você vai a um shopping, o ponto mais animado, mais rico e mais colorido é a livraria. Lá, você vê tendências culturais do mundo inteiro. O publico de shopping é muito qualificado.
A Livraria Travessa possui 15 lojas, sendo sete em shoppings. Como trunfo para atrair o cliente da internet, Campos diz que investe em "lojas bonitas", com boa iluminação e com som ambiente. Os tamanhos das unidades variam de 300 a 1,3 mil metros quadrados. No acervo, há livros do mundo todo e em diversos idiomas. Outro fator importante é o treinamento dos livreiros.
— Não são apenas vendedores. Precisam saber o que o cliente está procurando, conhecer livros, propor coisas e também ouvir. O fortalecimento do e-commerce trouxe mudanças nos hábitos do consumidor. A Saraiva e a Cultura deixaram de ser livrarias e se tornaram lojas de departamento. Nós não vamos por este caminho — avalia Campos.
Outra marca do Rio de Janeiro que está apostando em Porto Alegre é a Paisagem. Recentemente, a rede assumiu o espaço que a Cultura tinha no Bourbon Country, na Zona Norte. Depois da falência da famosa rede, a área chegou a ser dividida entre mais de uma editora, até voltar a ter um inquilino único no começo de 2025.
A Paisagem começou como distribuidora de livros há 44 anos. Após os fechamentos das lojas da Cultura e da Saraiva, o diretor da empresa, Aguimério Silva, enxergou uma lacuna no mercado e começou a abrir operações de varejo. Hoje, há seis unidades. Em Porto Alegre, a rede possui outra loja no Moinhos Shopping e abrirá mais uma no Bourbon Carlos Gomes.
— Porto Alegre estava com poucas livrarias, e o povo nos acolheu muito bem. Hoje é nossa principal praça — diz Silva.
O diferencial da Paisagem, segundo o diretor, está no acervo de livros de arte, de edições de colecionador e na área infantil. As lojas variam de 60 a 2,2 mil metros quadrados. Além de livros, a rede trabalha com um setor de bazar e presentes. Há negociações com outros shoppings para abertura de mais lojas no RS.
— Livraria em shopping favorece muito. Ao mesmo tempo que o aluguel é mais caro, compensa por ter estacionamento e segurança. Loja de rua é importante, mas demora muito para achar um ponto legal e com bom fluxo — avalia Silva.
APOSTA GAÚCHA
Criada em Porto Alegre no ano 2000, a Cameron conta com 10 operações, sendo duas em aeroportos e as demais em shoppings. A próxima será no BarraShoppingSul, ainda neste ano. A aposta da rede é em lojas menores, de 80 a 100 metros quadrados, onde cabem cerca de 15 mil livros.
— Nossa operação é oriunda do aeroporto, depois a transformamos para operar em shoppings. Agora, estamos adaptando de novo para um modelo mais sustentável ao nosso negócio, misturando quiosque com loja, como é a nossa operação do Iguatemi — diz o sócio-diretor da Cameron, Delamor D'Ávila Filho.
O empresário opta por expandir em shoppings devido ao fluxo de clientes e à segurança. Inclusive, diz que vai reformar em breve sua loja no Shopping Total, uma das mais antigas e mais frequentadas da rede. Sobre a competição com empresas maiores que vêm de fora, D'Ávila afirma que prefere competir com elas do que com lojas digitais:
— Nos últimos cinco anos, tivemos uma queda bem grande no número de leitores. Fico muito feliz que as livrarias físicas estejam se consolidando novamente. Prefiro disputar com elas do que com o mercado eletrônico. Ali, eu tenho condições de continuar vendendo pelo meu trabalho. O mercado digital é canibal, em muitos países ele pisa muito em cima.
Também criada em Porto Alegre, a Livraria Santos começou como distribuidora de livros, inclusive vendendo para a Cameron. A primeira loja foi aberta em 2012, na Zona Norte, funcionando também como gráfica. O foco passou a ser apenas em livros quando a marca expandiu para outros pontos da cidade. Depois, incorporou também um setor papelaria em suas lojas, que vão a até 100 metros quadrados.
— Cada operação tem uma característica. Os melhores pontos, em geral, são em shoppings. As pessoas não compram mais livros porque precisam. No passado, eram obrigadas a comprar, seja por pedido de escolas ou das faculdades. Hoje, elas compram na internet pois acham mais barato — diz o diretor da livraria Santos, Jonatas Santos.
— Hoje, as livrarias vendem ficção, autoajuda, literatura juvenil. O cliente não precisa disso. Ele vai comprar se está em um ambiente propício, com segurança, estacionamento. Ele vê numa vitrine e, muitas vezes, compra por impulso — acrescenta o empresário.
Atualmente, a Santos está com 18 lojas espalhadas pela Região Metropolitana e pelo Interior gaúcho. A matriz fica no bairro Navegantes, em Porto Alegre, em imóvel que foi atingido pela enchente. Foram perdidos 80 mil livros, resultando em um prejuízo de R$ 1,3 milhão. Ainda assim, a empresa está expandindo e abrirá mais uma loja em Encantado, no Vale do Taquari.
MEGALOJAS
Quando a Saraiva e Cultura começaram a fechar lojas no RS, a primeira rede de fora do Estado que apostou no Rio Grande do Sul foi a Leitura, de Minas Gerais. Maior rede de livrarias do país atualmente, ela instalou, há quatro anos, uma megaoperação no BarraShoppingSul, com investimento de R$ 2 milhões. Naquela época, o shopping havia recém perdido sua operação da Saraiva.
O ponto da Leitura no Barra tem 800 metros quadrados, incluindo um mezanino. É menor do que a antiga loja da Saraiva no centro comercial, mas ainda é uma grande operação para o segmento. O mix de produtos tem livros e itens de papelaria, sem eletrônicos.
— Nosso mix é até bem parecido com o da Cultura e da Saraiva, mas tirando algumas coisas. Eles cometeram alguns erros estratégicos. A Amazon chegou ao Brasil justamente com o livro, tendo prejuízo para vender com preços competitivos. Foi uma estratégia. A Saraiva e a Cultura tentaram fazer o mesmo e acumularam dívidas — avalia o sócio-diretor da Leitura, Marcus Teles, que também é diretor da Associação Nacional de Livrarias (ANL).
Em 2022, a rede A Página, do Paraná, também abriu sua primeira loja em solo gaúcho. Ela fica no terceiro piso do Praia de Belas Shopping, em um ponto de 500 metros quadrados. No primeiro ano de atividades, ainda dividia clientes com a Saraiva, que veio a fechar sua operação no centro comercial em abril de 2023. Até hoje este ponto está desocupado.
A livraria A Página também começou como distribuidora de livros. Tornou-se uma rede de lojas em 2012 e elaborou um plano de expansão após os fechamentos recentes da Saraiva e da Cultura.
— Tínhamos que aproveitar essa oportunidade. Foi aí que entramos com uma loja em Porto Alegre. Nossas unidades são grandes, mas chegamos com a ideia de trazer mais hospitalidade. Um ambiente moderno faz diferença. Entrar na linha de eletrônico foi um dos grandes erros que essas varejistas enfrentaram — diz Murilo Cosmo, um dos sócios do negócio.
Cerca de 65% do faturamento d'A Página vem da venda de livros e o restante da parte de papelaria e bazar. As lojas físicas também servem como pontos de distribuição para o e-commerce próprio da empresa.
RECUPERAÇÃO LENTA
Para o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Alexandre Martins, desde que a gigante Amazon chegou no país, as redes de livrarias físicas sofreram para igualar os preços oferecidos na loja virtual. As que tentaram, voltaram atrás ou faliram. Além da Saraiva e da Cultura, Martins lembra da Fnac, multinacional francesa que deixou o Brasil e que também contava com um braço forte de livros dentro de suas lojas.
— Desde que a Amazon chegou aqui perdemos as nossas maiores livrarias. Só com o fechamento dessas três redes no Brasil, perdemos 130 mil metros quadrados de loja. Em uma situação como essa, é natural que outras livrarias ocupem esse vácuo, mas o número de recuperação ainda é lento no país — diz Martins.
Segundo a ANL, Porto Alegre teve queda de 13% no número de livrarias desde o primeiro ano da pandemia, em 2020. Em 2023, o Rio Grande do Sul era o terceiro Estado com maior número de operações do segmento — atrás apenas de São Paulo e de Minas Gerais. Desde então, a entidade não realizou novos levantamentos.
Mesmo assim, a percepção do presidente da Câmara Riograndense de Livros, Maximiliano Ledur, é de que o Rio Grande do Sul está com mais livrarias do que antes — e Porto Alegre é o grande palco deste movimento.
— Em breve, todos os principais shoppings de Porto Alegre vão contar com livrarias novamente. Isso é muito bom. Para o mercado, é muito importante aumentar o metro quadrado de exposição de livros. O acesso ao livro está muito difícil. Vemos esse movimento de aberturas como algo extremamente positivo. Não se tinha nem mais onde fazer eventos em livrarias.
O QUE OS CLIENTES PROCURAM
A engenheira agrônoma Janaína Bezerra, 38 anos, foi à Leitura do BarraShopping nessa terça-feira (13) para comprar um presente. Ela escolheu um livro sobre maternidade porque uma amiga acaba de descobrir que está grávida.
— Como preciso dar esse presente nesta semana, preferi comprar na livraria. Se eu tivesse um prazo maior, acabaria pesquisando mais. Às vezes, vou na loja para olhar o livro físico. Se não tiver muito mais caro, acabo até comprando mesmo assim — diz Janaína.
— Faz uns quatro meses que compro livros e não leio. Só fico estocando coisas que me indicam — brinca.
O aposentado Davi Carvalho, 71, é cliente frequente da livraria Santos do Pontal Shopping. Mas nunca comprou um livro lá.
— Comprei uma caneta e um grafite. Venho aqui com frequência para comprar coisas de papelaria. Faz muitos anos que não compro livros, é um hábito que perdi. Acabo lendo apenas notícias na internet ou no jornal — diz.
Na livraria A Página do Praia de Belas, um casal de adolescentes estava folheando mangás na tarde de terça-feira (13). Amanda Silveira, 16 anos, segurava uma biografia do rapper Tupac. Já o namorado, Felipe Altoé, 17, disse que não compraria nada para ele.
— A gente gosta de vir aqui antes de assistir a um filme. Quase sempre saímos sem comprar, mas acabamos descobrindo coisas novas. Se fosse mais em conta, eu levaria muita coisa daqui. Esse do Tupac está com o mesmo preço da Amazon, então vou levar para ela — diz Felipe.
Fonte: Zero Hora/Guilherme Gonçalves em 14/05/2025