NA RAIZ DA OBRA DE SÉRVULO ESMERALDO
Arquivo do Artista, referência da arte abstrata no Brasil, é tema de exposição no Instituto Ling.
Tudo teria começado com uma folha de árvore. Ao desenhar suas nervuras em meados da década de 1950, deixando de lado detalhes realísticos, o cearense Sérvulo Esmeraldo (1929-2017) iniciava o caminho que o levaria da arte figurativa à abstração. O curador Ricardo Resende atribui essa importância simbólica para a pequena gravura de folha na exposição PULSATIONSPULSAÇÕES – DO ARQUIVO VIVO DE SÉRVULO ESMERALDO. Inaugurada ontem (em novembro) no Instituto Ling, a mostra traz à tona o processo criativo do artista com obras e documentos do período em que viveu na França (1957-1980).
Das décadas de 1950 e 1960, a exposição traz gravuras e desenhos dominados por riscos soltos e muitas cores. Uma coleção de matrizes exposta ao lado revela que as técnicas poderiam ser inusitadas, como a costura de fios nas chapas de metal. Dos anos 1970 e 80, há maquetes para relevos e esculturas, além de duas pinturas sem data e obras dos anos 2000. Vistas em conjunto, deixam claro que a atenção de Esmeraldo sempre se voltava para linha, cor e forma.
- Ele busca uma simplificação da forma, eliminando arestas, e vai chegando na linha pura – pontua Resende, que é curador do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, no Rio, e em Porto Alegre foi cocurador da retrospectiva de Leonilson, SOB O PESO DOS MEUS AMORES, na Fundação Iberê Camargo, em 2012.
Essas preocupações Esmeraldo compartilhava com um grupo de mestres da arte abstrata com quem conviveu em Paris – entre eles, Sérgio Camargo, Arthur Luiz Piza e Rossini Perez (atualmente em cartaz no MARGS). Enquanto desenvolvia suas habilidades como gravador mergulhou no abstracionismo lírico, estilo em voga na França dos anos 1960.
- Ele estava no momento certo em Paris. Havia uma comunidade de artistas, e um observava o outro – discorre o curador, parado entre uma escultura que lembra os célebres “bichos” de Lygia Clark e um relevo que remete a Sérgio Camargo.
Na França, Esmeraldo também conheceria o argentino Julio Le Parc e o venezuelano Jesús Rafael Soto, que o influenciariam a experimentar a arte cinética, na qual se destacou com a série EXCITÁVEIS. Quanto retornou ao Brasil, na década de 1980, deixou documentos e obras na casa de Le Parc. As pças ficaram guardadas por cerca de 40 anos até serem adquiridas pelo IAC – Instituto de Arte Contemporânea (São Paulo), dando origem à exposição O ARQUIVO VIVO DE SÉRVULO ESMERALDO, em 2014. A mostra que agora chega ao Ling é derivada dela e é a terceira exibição póstuma do artista, morto em fevereiro (2017), aos 88 anos.
Segundo Resende, arquivos jogam luz sobre o pensamento do criador, são como a “raiz da obra”. No caso de Esmeraldo, essa raiz era um olhar delicado para o cotidiano que o curador lembra bem:
- Era uma figura contemplativa. Uma vez, caminhávamos em grupo em um final de tarde, e ele chamou a atenção para o desenho da nossa sombra na calçada. Em outra, pediu que a gente olhasse para o desenho formado por pássaros em um fio de luz.
Fonte: ZeroHora/Segundo Caderno em 29/11/2017
Por Luiza Piffero — luiza.piffero@zerohora.com.br