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Entrevista com escritor Wagner Schwartz
Entrevista com escritor Wagner Schwartz

ENTREVISTA COM WAGNER SCHWARTZ

 

A liberdade não está na mão do artista”.

 

Alvo de um linchamento virtual e ameaças de morte após uma criança – na companhia da mãe – tocar seu tornozelo durante a performance La Bête, inspirada em obra de Lygia Clark e na qual se apresenta nu, no MAM de São Paulo, em setembro de 2017, Wagner Schwartz foi obrigado a evitar aparições públicas no Brasil. Passado mais de um ano do episódio, o artista estreia na literatura com o romance NUNCA JUNTOS MAS AO MESMO TEMPO, com painel no Salão de Bridge do Clube do Comércio, às 18h30min, e lançamento na Praça de Autógrafos, às 19h30min. Ele concedeu a seguinte entrevista por e-mail.

 

 

Em 2015 você disse que sua obra performática era “uma forma de o escritor dançar”. Que relação você vê entre essas duas formas de arte?

Em meu trabalho, dança e escrita sempre estiveram conectadas. A dança para mim, se apresenta como uma coreografia de impressões. E, a partir desta definição, ela pode se manifestar tanto na escrita, quanto na própria composição coreográfica. A dança é uma for,a de pensar. Ela é uma boa companheira que me ajuda a construir um texto e uma performance a partir de nossa relação.

 

 

Sua protagonista, Adeline, é estrangeira, e o livro foi escrito em duas línguas. Isso têm aproximação com a sua condição de residir entre Brasil e França?

Tenho dito que vivo no Brasil “e” na França, e, não “entre” um país e outro. Prefiro dizer que estou em dois lugares distintos, porque a conjunção me ajuda a lidar com a complexidade de ser estrangeiro. Ser estrangeiro é ser mais um, ter mais de uma língua, construir narrativas de vida em dois ou mais continentes. Por isso que esta obra precisava ser publicada em “brasileiro” (como dizem os franceses) e em francês, porque, sem uma dessas duas línguas, a figura do estrangeiro deixaria de existir no livro.

 

 

Você pode falar um pouco mais de Adeline 

Adeline é o romance. Em algum momento, disse que era uma personagem, para chegar mais rápido a uma definição. Outro dia, pensei que fosse uma entidade, por imaginar que sua presença tivesse mais forma que seu corpo. Quando o livro foi impresso, entendi que Adeline é uma língua, porque ela se move como um idioma se move no nosso imaginário. E o que não vemos de Adeline, porque ela não deixa, está em branco.

 

 

Em um prêmio de literatura durante a Feira, alguns vencedores manifestaram receio com o futuro da liberdade de expressão e que os escritores devem “resistir”. Você vê a liberdade de expressão em risco?

A liberdade de expressão nunca esteve nas mãos dos artistas, é uma questão institucional, e as instituições trabalham dentro de uma lógica que dialoga ou não com o poder. O novo governo expressa o modo como extremistas de direita discorrem sobre arte e, neste momento, a liberdade de expressão se tornou um risco porque opera contra qualquer discurso autoritário. É preciso saber como as instituições irão lidar com um programa que deixou de ser político e se tornou moral. Nos próximos anos, vamos saber se as instituições irão se afastar ou se construir, em seus núcleos, como espaço de resistência. No Brasil, vejo pessoas se mobilizando, artistas ou não, não só nas mídias sociais, mas nas ruas, nas conversas, nos grupos que sabem da importância de enfrentar as mentiras que não cessam de serem divulgadas. Estamos preocupados e com medo desse futuro, porque nele não haverá possibilidade de sermos quem somos, porque passaremos a ser apenas quem esse “outro-que-odeia” vai inventar que somos. Perder os direitos sobre o próprio corpo, sobre as próprias escolhas é o início da barbárie.

 

 

Você foi alvo de ataques virtuais em 2017. De lá para cá, difundiram-se os conflitos em redes sociais, bem como a preocupação com fake news. Você acompanhou esse fenômeno?

Não só acompanhei como faço parte dele. A onda de agressividade, surgida em 2017, foi um laboratório construído por um grupo de manipuladores para testar a eficiência das fake news, viralizadas na campanha eleitoral.

 

 

Você evitou manifestações públicas até fevereiro, quando falou com a jornalista Eliane Brum e disse que poderia voltar a ser ameaçado após a entrevista. Passado um ano dos ataques, foi possível retomar a rotina?

Não é possível retomar a rotina. Com os ataques, precisei fazer um novo roteiro do meu dia a dia. Por incrível que pareça, depois da entrevista à Eliane Brum, eu recebi pedidos de desculpas, mesmo que as ameaças continuem. Algumas pessoas conseguiram vestir o meu corpo. Entenderam a minha dor. O mais importante foi receber mensagens de pessoas que entenderam que tinham sido manipuladas por narrativas distorcidas. É com estas pessoas que vou continuar a conversar. Com essas mensagens, a ferida vai se fechando, mas a cicatriz não desaparece. E quero que ela seja visível no meu corpo, porque preciso contar essa história para a próxima geração perceber a violência que marca a nossa época.

 

Fonte: Zero Hora/Especial Feira do Livro/Liana Pithan em 14/11/2018.