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A Casa que Jack Construiu: de Lars von Trier
A Casa que Jack Construiu: de Lars von Trier

LARS VON TRIER VOLTA A PROVOCAR O ESPECTADOR

 

Diretor dinamarquês causou nova polêmica no Festival de Cannes com a violência do drama de horror A CASA QUE JACK CONSTRUIU.

 

Um filme deve ser uma pedra no seu sapato”, disse Lars von Trier certa vez. E ele segue à risca essa máxima. Seu cinema punk parece muitas vezes escarrar na cara dos espectadores com a mesma violência com que Johnny Rotten cuspia na plateia enquanto cantava à frente dos Sex Pistols.

 

A CASA QUE JACK CONSTRUIU vai nessa linha sem nenhum esforço extra. É a história de um serial killer, afinal. E nas mãos de Lars von Trier, o que se pode esperar? Controvérsia, é claro; Porque o diretor dinamarquês quis fazer uma espécie de comédia. Ao mesmo tempo em que exibe explicitamente mutilação de mulheres, assassinato de crianças e tortura de animais.

 

O longa acompanha Jack (Matt Dillon) contando a história de seus crimes a Virgílio (Bruno Ganz), que o conduz em uma descida ao inferno, numa referência explícita à DIVINA COMÉDIA. Há cinco meses, na estreia em Cannes, houve uma debandada de mais de cem pessoas da sala de exibição, inclusive repórteres. Quem ficou, entretanto, relatou que ao final o filme foi aplaudido.

 

As críticas foram negativas em geral e aqui vão algumas das piores frases: “Brutal. Pretensioso. Vomitivo. Torturante. Patético.”; “Filme vil que não deveria ter sido feito”; “Nunca vi nada igual em um festival de cinema, é nojento”.

 

 

Desde que Fritz Lang dirigiu M, O VAMPIRO DE DUSSELDORF, em 1931, filmes e programas sobre assassinatos em série fascinam e apavoram, mas a escolha de Lars von Trier em fazer de A CASA QUE JACK CONSTRUIU um tipo de comédia é o que parece indignar as pessoas.

 

Mutilações e torturas estão em qualquer filme B desde pelo menos 1974, com O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA original, de Tobe Hooper. E ninguém dá muita bola para isso, ao contrário, são filmes que sempre dão dinheiro. Quanto mais sangue, mais público.

 

Mas Lars von Trier é persona non grata. A CASA QUE JACK CONSTRUIU, inclusive, marcou a volta do cineasta a Cannes após a atabalhoada entrevista antes da exibição de MELANCOLIA na qual fez uma piada dizendo ser nazista, em 2011. Foi expulso do festival e passou semanas se desculpando dizendo que estava bêbado na ocasião. Ninguém perdoou.

 

Von Trier é o cara que todos amam odiar. Os filmes fazem isso. Em OS IDIOTAS (1998), ele mostra um grupo de amigos se divertindo com o mundo ao fingirem que são débeis mentais. Em DOGVILLE (2003), a personagem de Nicole Kidman sofre tanto na mão dos vizinhos que você começa a suar para aquilo terminar.

 

Em ANTICRISTO (2009), a mulher deixa seu bebê cair pela janela porque não tem ânimo de interromper a trepada com seu marido. Em NINFOMANÍACA (2013), há sexo explícito por cinco horas e meia (na versão original do diretor). Mas que babaca!, alguém vai dizer, ao pensar na carreira desse cara. Que ousado, pode pensar um outro. Uma pedra no sapato, com certeza.

 

A CASA QUE JACK CONSTRUIU usa diversos elementos clássicos do cinema de von Trier. Os capítulos exibidos na tela, por exemplo. Ou cenas em computação gráfica, aqui especialmente na parte final. Música pop também: Fame, de David Bowie e John Lennon, é a canção que liga os crimes. E colaboradores de outros filmes, como Uma Thurman, que esteve em NINFOMANÍACA.

 

Mas por mais que o filme seja pesado, as notícias de Cannes foram tão amedrontadoras que eu estava preparado para ver mais sadismo na tela. Acho que Lars, 62 anos, está ficando velho. Um punk velho.

 

 

 

 

Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno/Ivan Finotti (Folhapress) em 01/11/2018.