CEVANDO A LIBERDADE NA FRONTEIRA
O que o rock’n’roll tem a ver com o conhecimento acadêmico? Em outras palavras: por que estuda-lo? Essas são inquietações centrais que temos a seis anos em São Borja, na Fronteira-Oeste do RS. Estávamos já no quarto ano do funcionamento da Universidade Federal do Pampa, uma instituição pública, organizada em dez campi diferentes e com a ideia de desenvolver social, econômica e culturalmente as regiões onde estava inserida.
Nessa perspectiva, partimos de dois desafios teóricos, um colocado a partir de alguns pensadores alemães, entre eles Weber, Simmel e Elias, que nos permitem configurar a seguinte preocupação central, grosso modo: compreender que a nossa realidade, aquilo que experimentamos e nos move no dia a dia, é algo em permanente fluxo, construído na rede de interações sociais, cotidianas. Isso significa que a vida pode ser um espaço de liberdade, de convivência crítica e autônoma entre as pessoas. E aqui começa o primeiro desafio: como o rock configura as relações sociais e como é configurado por elas?
O segundo desafio foi dado a partir da leitura de Hobsbawn que, em sua análise sobre o que ele denomina de “breve século XX”, vai dizer que é quase impossível compreender este século sem compreender o significado do rock’n’roll. Assim, a partir da experiência de sons que tinham a guitarra como base, as letras como pano de fundo e as posturas dos músicos como fios condutores de uma nova atitude e postura perante o mundo, a saber, o rock’n’roll e nessa perspectiva este pode ser analisado a partir da utilização do conceito de Deleuze, como um intercessor para a criação de signos. E, assim, o segundo desafio. Como o rock pode criar signos de rebeldia e liberdade?
Assim, emerge o componente curricular de sociologia do rock em 2010, no município de São Borja, a partir de dois passos iniciais, que foram centrais. Primeiro, a articulação entre ensino, a saber, a realização do componente curricular com carga horária de 60 horas, a pesquisa, a partir das discussões no grupo de pesquisa T3XTO (que tem esse nome por conceber que tudo que fazemos são narrativas textuais e não só o que escrevemos), e a extensão (projeto de um festival de rock: Pampastock).
O segundo passo foi saber se tínhamos demanda, então resolvemos marcar uma reunião aberta, onde compareceram 30 alunos, com quem aprovamos o programa de ensino de sociologia do rock do novo, o primeiro do Brasil e construído de baixo para cima. E que teve, em sua primeira oferta, 250 alunos interessados.
Tivemos dois efeitos paralelos e fundamentais: um festival de rock e um livro. O festival, Pampastock: Cevando o Rock na Fronteira, surgiu da ideia de realizar uma festa de encerramento das turmas em 2010. O livro, também primeiro do Brasil sobre sociologia do rock, busca consolidar um aporte teórico para a reflexão acadêmica.
Em seis anos de construção do conhecimento, temos percebido que o rock não é um fenômeno homogêneo. O rock oscila entre um pêndulo que poderíamos chamar de “pêndulo de Baudelaire”, ou seja, entre um movimento que afirma o eterno, aquilo que nos dá segurança, já experimentado e agora rotinizado. De outro lado, um movimento do fugidio, a busca do entendimento do fluxo, aproveitando sua energia, como espaço de construção da crítica e da necessária criação de intercessores, fonte provável de signos de liberdade e rebeldia, como o rock já demonstrou ser possível realizar.
Compreender esta dinâmica nos dias atuais e aprender o que seria o rock hoje e o que ele pode ser no futuro é um grande desafio com o qual a academia pode contribuir, para colaborar no entendimento da sociedade que temos a partir de seus estilos culturais, e este é o nosso singelo objetivo.
Fonte: Correio do Povo/Caderno de Sábado/Cesar Beras (Professor-doutor de Sociologia na Universidade Federal do Pampa. Pós-doutorando em Ciência Política na UFRGS) em 24/10/2015.