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Lista do vestibular da UFRGS traz o disco ELIS & TOM como obra recomendada, em tendência que deve se intensificar
Um disco lançado em 1974 está na playlist de um número cada vez maior de adolescentes gaúchos. ELIS & TOM, clássico da música popular brasileira, entrou na lista de leituras obrigatórias da UFRGS para o vestibular de 2018, ao lado de clássicos e destaques recentes da literatura em língua portuguesa.. A inclusão de um álbum musical nesse rol indica que os organizadores da prova têm uma visão ampla sobre o que é um texto literário, mas também aponta que a escola pode ser um espaço de resistência para o cancioneiro nacional.
- A pulverização dos antigos “funis” de divulgação (disco físico, rádio, televisão) é de fato um momento novo, e ninguém sabe bem que novo mercado vai configurar. Mas uma coisa é certa: já existe material de excelência na obra gravada. E essa obra só vai passar a circular organicamente se for incorporada, como já tem sido, à rotina da educação escolar. Só por aí é que a generalidade dos jovens vai conhecer Noel Rosa, Ary Barroso, Nelson Cavaquinho e mesmo os ainda vivos Paulinho da Viola, Caetano Veloso e Chico Buarque – escrevem Luis Augusto Fischer, Homero Vizeu e Guto Leite, responsáveis pela escolha das leituras obrigatórias, respondendo conjuntamente a Zero Hora por e-mail.
Não é a primeira vez que um disco é incluído na lista obrigatória do vestibular da UFRGS. Em 2014, a universidade foi pioneira nesse quesito em todo o país, indicando a audição de TROPICALIA ou PANISET CIRCENCIS, clássico de 1968 que reuniu Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé.
- Comparado com o disco anterior, este (ELIS & TOM) é naturalmente diverso, não tem o tom contestatório tão charmoso para jovens e insatisfeitos em geral, ao passo que carrega uma força lírica imensamente superior, para dar um exemplo, temos certeza de que os vestibulandos t}em nele matéria para grande deleite e profunda meditação – analisam os professores.
A lista de leituras (e audições) indicadas aos vestibulandos concilia trabalhos de diferentes épocas e gêneros que tenham importância para a história da literatura no país. Além disso, há a preocupação em apresentar obras imediatamente agradáveis ao leitor ou com potencial para gerar debates e estudos na escola. A seleção de obras para o próximo vestibular também conta com A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS, de Valter Hugo Mãe; QUARTO DE DESPEJO, de Carolina Maria de Jesus; DIÁRIO DA QUEDA, de Michel Laub; O CONTINENTE, de Erico Verissimo; GOTA D’ÁGUA, de Chico Buarque e Paulo Pontes; MORANGOS MOFADOS, de Caio Fernando Abreu; A HORA DA ESTRELA, de Clarice Lispector; O CORTIÇO, de Aluisio Azevedo; DOM CASMURRO, de Machado de Assis; uma seleção de poemas de Fernando Pessoa e alguns sermões do Padre Antônio Vieira.
O número de discos na lista não deve aumentar nos próximos anos, mas os vestibulandos devem se preparar para mudanças:
- A lista precisa abarcar a literatura como um todo, e nos parece que ainda temos muito a considerar. Por exemplo, temos pensado, já há alguns anos, em introduzir leituras de livros de outras línguas e culturas, em tradução ao português. Este universo é infinito, no melhor sentido, e por tradição de acanhamento e sentimento de inferioridade cultural nunca o Brasil moderno incluiu literatura de outra língua nos vestibulares. Da mesma forma, temos considerado a hipótese de integrar filmes no repertório, como gênero artístico altamente representativo que tem sido no Brasil, há muitos anos. Está na hora de mexer nisso, cremos – afirmam os professores.
O DISCO
Lançado em agosto de 1974, o álbum ELIS & TOM consolidou a parceria entre dois gigantes da música brasileira: o compositor Tom Jobim e a cantora Elis Regina. Aclamados por críticos do Brasil e do Exterior, o disco foi também u sucesso de vendas, puxado pela antológica canção em dueto ÁGUAS DE MARÇO, que já havia sido registrada por Elis em 1972. As gravações foram em um estúdio em Los Angeles (EUA) e contaram com arranjos do pianista César Camargo Mariano, casado com Elis à época. Nome de grande projeção internacional, por conta de sua ligação com a bossa nova, Tom renovou com esse álbum seus vínculos com o público brasileiro. Elis, por sua vez, grande estrela da MPB, teve sua carreira internacional alavancada pelo êxito do LP. Entre as 14 faixas de ELIS & TOM, estão canções de Tom com letras de Vinícius de Moraes (entre elas, o poema SONETO DA SEPARAÇÃO) e Chico Buarque (como RETRATO EM BRANCO E PRETO).
RETRATO EM BRANCO E PRETO
Tom Jobim e Chico Buarque
Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali sozinho
Eu vou ficar, tanto pior
O que é que eu posso contra o encanto
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto
E que no entanto
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes velhos fatos
Que num álbum de retratos
Eu teimo em colecionar
Lá vou eu de novo como um tolo
Procurar o desconsolo
Que cansei de conhecer
Novos Dias tristes, noites claras
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado
E você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração.
VÍDEO: Comentário sobre as novas leituras para o vestibular da UFRGS de 2018:
Fonte: ZeroHora/2º Caderno/Alexandre Lucchese (alexandre.lucchese@zerohora.com.br) em 29/05/2017