O DESASTRE ESCOLAR
Há 130 anos o ensino do país segue "quase o mesmo", escreve pesquisador. Por quê?
Abordo, aqui, com um olhar antropológico, o Ensino Fundamental e Médio brasileiros. São ideias extraídas do meu livro 7 MENTIRAS SOBRE A ESCOLA BRASILEIRA (Ed. Cultura e Arte). Mentiras, graças à velha, constante e inútil produção de maquiagens, truques e reformas, por parte do oficialismo, para tentar eliminar as perenes e altas taxas de reprovação, repetência e abandono dos alunos quanto à escola.
Antropólogo, em 1969 iniciei pesquisas de campo intensivas sobre o batuque do Rio Grande do Sul, o que me proporcionou considerável experiência profissional. A partir de 1973, lecionei durante 16 anos em escolas públicas, o que me permitiu fazer observações em várias salas de aula, conviver com alunos e professores, acompanhar muitas reformas do ensino e ações do Ministério da Educação (MEC). Em 1990, fui lecionar na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís, onde pude constatar reflexos do desastre escolar.
O filósofo Auguste Comte propôs, em 1842, uma metodologia com base em minuciosa e sistemática observação e experimentação para dar explicações reais (por isso positivas) para os fenômenos naturais. Esses seriam classificados em categorias identificáveis para criar uma linguagem científica universal, o que revolucionou a ciência da época. Indispensável, para ele, pois vista como alicerce do saber, era a Matemática, seguida da Física e da Biologia. Comte defendia que fossem "organizadas" as sociedades humanas para que houvesse "progresso". Por suas ideias, alta inteligência, domínio de várias áreas do conhecimento, foi literalmente endeusado por muitos intelectuais do Ocidente, na época, incluindo o Brasil. Exemplo da enorme força do positivismo, aqui, é a frase inscrita no que é visto como maior símbolo de nossa nacionalidade, a bandeira brasileira: "Ordem e Progresso".
Após a proclamação da República, Benjamin Constant, seu principal articulador, foi nomeado Ministro da Instrução (Educação). Positivista ferrenho, implantou a doutrina no sistema de ensino. Da herança positivista escolar temos a obsessão pela Matemática, com sua montanha de operações altamente complexas, fórmulas, classificações, nomenclaturas. Em Biologia, ênfase em classificações. Em Português, idem, sendo mais importante decorar dados gramaticais do que aprender a ler e a escrever. Ao que parece, a intenção do construtor desses currículos foi fazer dos alunos "novos Comtes". Efetivamente, há muito espaço para decorar e pouco para criar.
A escola brasileira não prepara o aluno para a vida, pois, após 12 anos de estudo, ele não consegue emprego com o que foi obrigado a aprender. O discurso constante, escrito e falado, tipo "preparar o aluno para o exercício da cidadania", "inseri-lo na sociedade", "educação crítica e libertadora" etc. É catártico, pois impossível de realizar face à feição paquidérmica, retrógrada e de imobilidade do sistema de ensino brasileiro. É, pois, um sonho que pode ser o suficiente para inibir ações.
A maciça maioria dos conteúdos inúteis aprendidos vão para os porões do cérebro e são esquecidos com tempo. A tão elogiada Matemática – pois tida como indispensável para desenvolver a inteligência – é a campeã desses conteúdos e a que mais reprova. Não é ser contra isso, mas, isso sim, questionar em que nível são exigidos quanto ao público escolar. Se complexos, que vão para a universidade, onde o ingresso é voluntário, enquanto que a escola, por lei, é obrigatória.
Dos 10% mais pobres da população brasileira, 80% são negros, e a maior parte deles não tem renda para pagar professores e faculdades particulares. Sem diploma de nível Superior, só empregos mal pagos, o que gera um círculo vicioso de pobreza do qual é muito difícil sair. Eis as grandes vítimas da ineficiência da escola brasileira.
O núcleo duro da escola brasileira tem 130 anos, e quase tudo continua no mesmo. Vale perguntar as razões de as coisas permanecerem como estão. Faltou e falta coragem das sucessivas autoridades educacionais para resolver efetivamente o problema? Ou as dificuldades oferecidas pelo inútil são na verdade barreiras para impedir a ascensão social dos pobres?
Fonte: Jornal Zero Hora/Caderno DOC/Norton F. Corrêa (Doutor em Antropologia, autor de "O Batuque do RS" (1992) e "7 Mentiras sobre a Escola Brasileira" (2004), em 09/07/2023