
PARA EVITAR "TRAPAÇA" COM USO DE IA, PROFESSORES DIVERSIFICAM AVALIAÇÕES E RETOMAM PROVA ESCRITA
Considerando que estudantes recorrem a ferramentas como ChatGPT e Gemini, docentes estão adaptando atividades e adotando novas estratégias para garantir a aprendizagem
Não é novidade que a inteligência artificial (IA) tem sido um suporte nos estudos. Um estudo da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes) em parceria com a Educa Insights revelou que, em 2024, sete a cada 10 estudantes universitários (ou que pretendiam cursar uma faculdade) usavam frequentemente plataformas de IA na rotina de estudos.
Mas quando se trata de atividades avaliativas, como provas, seminários e entrega de artigos, faz sentido adotar a tecnologia? Segundo especialistas, é preciso ter parcimônia e conhecer bem as plataformas antes de utilizá-las, sobretudo as de IA generativa.
— O professor precisa entender como funciona cada componente curricular para decidir quando a ferramenta cabe e quando não cabe. Da minha prática, tenho tido conversas com os estudantes sobre os aspectos éticos do uso desses sistemas. O aluno precisa entender quando a ferramenta traz ganho para ele e quando prejudica o desenvolvimento — explica o professor Cláudio Felipe Kolling da Rocha, do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Feevale.
O docente, que coordena um grupo de trabalho em IA na instituição, argumenta que não se deve descartar o uso de plataformas como ChatGPT ou Gemini, mas que deve ser tolerado até certo ponto, para que não sejam usadas como forma de “trapaça” em provas e avaliações. O ideal é que os professores conscientizem os estudantes sobre o uso dessas tecnologias.
— Sempre vou orientando. Por exemplo, eu digo: “nessa atividade o ideal é vocês usarem a própria cabeça primeiro para resolver, depois, vocês podem usar tais ferramentas para fazer uma correção ou aprimoramento”. Em outras atividades, indico que a IA não deve ser usada, porque o objetivo é que eles desenvolvam o raciocínio lógico. Assim, eles vão criando esse discernimento — explica Rocha.
Reinventando as avaliações
De acordo com a professora Lucia Giraffa, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e docente da Escola Politécnica, em geral, as atividades avaliativas no Ensino Superior vêm passado por revisão, buscando contemplar a presença dos sistemas de IA generativa como parte do processo de aprendizagem:
— A função do professor é ajudar o aluno a compreender o papel da IA como apoio ao raciocínio humano, e não como substituto da reflexão. Fazer a IA trabalhar para eles e não por eles, como costumo dizer. O foco deve estar em avaliar o processo de aprendizagem, a capacidade de análise e o discernimento na utilização dos resultados gerados pelas ferramentas.
Para os alunos, os recursos de IA podem auxiliar como suporte na organização de ideias, na revisão textual e na ampliação de repertório conceitual, por exemplo. Conforme a especialista, também é importante que, quando usarem IA, os estudantes explicitem as fontes, descrevam o processo de elaboração e demonstrem compreensão do conteúdo aprendido.
Giraffa destaca que a IA veio para ficar, e que o enfrentamento desse cenário exige uma mudança de perspectiva sobre o que se entende por avaliação.
— A simples solicitação de resolução de listas de exercícios com desdobramentos das etapas, textos escritos, como resumos ou resenhas, não garante mais a autenticidade do processo avaliativo. É necessário diversificar as formas de avaliação, priorizando atividades que envolvam elaboração colaborativa, debate, resolução de problemas, construção de projetos e análise de casos, por exemplo — aconselha a pesquisadora.
Nos cursos em que ela leciona, como Ciência da Computação, existe uma preocupação crescente em propor atividades que exijam interpretação, análise de contextos e aplicação de conceitos em situações concretas, por exemplo, em lugar de tarefas centradas apenas na reprodução de informações.
Também é o caso dos cursos de Saúde na Feevale, conforme o professor Rocha. Um dos aplicativos utilizados em atividades avaliativas é o NotebookLM (do Google):
— Eu proponho uma atividade que se chama NeuroPitch, por exemplo, em que eles precisam criar um produto baseado em um neurotransmissor para entender as funções desse neurotransmissor, os receptores que ele usa. Aí, eu sugiro que eles usem ChatGPT ou Gemini para ter ideias de como criar o produto, e também disponibilizo os artigos que vão servir como fonte de consulta para utilizarem no NotebookLM — afirma.
Retomando estratégias
O professor Eduardo Dullo, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), decidiu apostar em estratégias pedagógicas tradicionais para garantir a aprendizagem, como a prova escrita, presencial e analógica:
— Retomamos o nosso modelo de prova pré-pandemia. E esse é um movimento que eu não estou fazendo individualmente, mas em diálogo com colegas de outros países, como Índia, Nova Zelândia. As universidades voltaram a aplicar as provas presencialmente. É um modelo que obriga o aluno a sentar e escrever em um tempo determinado, sem auxílio da tecnologia para chegar nas respostas.
Dullo faz parte de um grupo de trabalho que está elaborando diretrizes gerais para o uso de IA na UFRGS. O professor defende que a IA pode ser uma aliada na aprendizagem, mas as ferramentas precisam ser utilizadas com conhecimento e acompanhamento pedagógico:
— Tenho apostado em um modelo de aprendizagem e desenvolvimento contínuo. Em vez de pedir para o estudante entregar um trabalho pronto ao final do semestre, a gente precisa acompanhar o estudante ao longo do semestre, em cada etapa do desenvolvimento daquele trabalho.
Assim, o docente garante que os estudantes estão desenvolvendo competências de reflexão e raciocínio, fundamentais para a construção de textos, sobretudo nos cursos de Ciências Humanas. Para a aluna Alana Spinelli, 19 anos, que está no 2º semestre da graduação em Ciências Sociais, a IA serve como suporte para atividades como revisão textual.
— Eu evito usar, principalmente em tarefas que exigem uma compreensão crítica. Quando eu uso ChatGPT ou Gemini, são momentos muito específicos. Uso para checar se o texto está dentro das normas da ABNT, por exemplo — conta.
Gabriela Fialho, 22 anos, do 8º semestre do curso de Ciências Sociais, diz que as ferramentas podem ajudar na construção de textos, dando sugestões de estrutura.
— Eu mando no chatbot a ideia que tenho e pergunto como ele estruturaria essas ideias para gerar um texto coeso, por exemplo. Também uso muito para traduções, e já usei para estruturar uma apresentação para um congresso. O NotebookLM também é bem interessante, a gente pode conversar com o texto — relata a estudante.
Fonte: Zero Hora/Sofia Lungui em 11/11/2025