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Storytelling com James McSill
Storytelling com James McSill

CONTADOR DE HISTÓRIAS

 

Storytelling é a expressão em inglês para “contar histórias”. Poucas pessoas sabem fazer isso como James McSill, gaúcho de Pelotas, cidadão britânico, empresário, pesquisador e desenvolvedor de técnicas narrativas, ele tem como clientes desde aspirantes a escritores até a realeza da Inglaterra. Atualmente morando no Exterior, McSill conversou com o CP (Jornal Correio do Povo) durante sua passagem pelo Brasil, quando veio ministrar um curso de Storytelling

 

 

Por que o ser humano gosta tanto de histórias?

Nosso cérebro não é feito para guardar dados. Mesmo que você seja jovem, se eu te passar 30 palavras, daqui a uma semana não vai guarda-las. Mas o cérebro é feito para guardar histórias. Um exemplo: podemos estar em um grupo de pessoas em uma festa, conversando um tipo de assunto, se ouvirmos uma história interessante de uma pessoa em outro lado da sala, vai ficar na nossa memória. A história nada mais é do que a criação de uma imagem no cérebro e transferida para o cérebro de outra pessoa. A única forma de apagar uma história é com outra.

 

 

Pode nos dar um exemplo do storytelling?

Por exemplo, quem já não teve um animal de estimação? Eu tive uma gatinha, a Kitty. Cheguei do trabalho e a vi embaixo da pia, como se estivesse morta. Ela não se mexia, mal respirava, mas os olhos piscavam. Corri para o veterinário e ele me vendeu pílulas que ela precisava tomar, duas ao dia. Tirei do frasco e tentei dar o remédio para a Kitty, mas, com muita dificuldade, ela cuspia, me arranhava, embora fraca. Liguei para um amigo, em desespero. Ele me aconselhou a dar o remédio envolto em um punhado de carne moída. Deu certo. O incidente mostra bem como as histórias funcionam. A informação é o comprimido. E o embrulhei em uma carne moída, que gatos adoram. Temos um invólucro de histórias, elas precisam ser emocionais, atraentes. Ali dentro, colocamos a informação, mensagem ou ensinamento que passaremos à nossa audiência.

 

 

Como se estrutura uma história?

Há duas formas de alinhar uma história, livro ou filme e podes combinar as duas: pode ser de forma cronológica, o que aconteceu, tu narras primeiro e assim vai, e pode ser de forma emocional, de acordo com a lembrança do autor. Pode começar até pelo meio. Pelo fim é interessante, o leitor vai buscar o que aconteceu, como se chegou até ali.

 

 

Como James McSill chegou até aqui?

Havia uma colônia britânica em Pelotas. Morei até os quatro anos. Meu pai era envolvido com política, militante socialista. A situação estava complicada. Meu pai conhecia Leonel Brizola, que tinha terras no Uruguai. Não era o caso da minha família. Acabamos na Escócia. Fui um menino do sul de Glasgow. Já na escola escrevia peças de teatro. Voltei para cursar Letras na Universidade de Pelotas. Ganhei cursos literários. Me chamavam de “gringo”, tinha cabelo azul e usava tamanco, bem hippie. Já na década de 70, retornei à Europa, para a Inglaterra, em Birmingham, sem saber o que fazer da vida. Durante uma partida de pinball (fliperama), olhei para o lado e vi um balaio de dicionários. Peguei um deles, onde estava escrito “dicionário feito por computador”. Eu, apaixonado por computação e linguagem, vi quer aquilo era para mim. Conheci a editora e fui trabalhar lá. Estavam para lançar um livro na América Latina. Eu sabia a língua que eles precisavam e comecei a construir minha carreira.

 

 

Como foi este começo?

Desde aquela época, eu editava de ouvido. Não precisava ver a história. Se a pessoa ler ou contar, consigo voltar ao início de cabeça. É uma habilidade que, atualmente, é mais difícil de se ver, porque as pessoas dependem de máquinas. Eu editava dentro do meu cérebro. Um ano depois, em 1980, estava viajando, encontrando clientes. Uma década depois, abri minha própria empresa. Tinha zero cliente. Tudo zero. Foi assustador, no início dos anos 2000. Após três meses, apareceram três escritoras norte-americanas. As primeiras! Aí, começou a minha carreira. Acabei capitalizando a partir do que eu conhecia. Usava muito o VoIP (Voice over Internet Protocol), que é uma tecnologia que permite transformar sinais de áudio, como os de uma chamada por telefone, em dados digitais transmitidos pela internet. Tipo um WhatsApp mais demorado. A partir daí, tive clientes de outros países.

 

 

E o negócio foi além da consultoria para escritores?

Exato. Comecei a trabalhar para teatro e cinema e chegou às empresas de marketing, porque muita gente começou nesta história do storytelling. Criei seminários para grandes gênios da propaganda. Uma coisa levou à outra. Hoje tenho cerca de 20 mil clientes.

 

 

O mundo acabou sendo o seu local de trabalho, não é?

Sim! Tenho mais horas de voo em uma semana que muito comissário de bordo (risos). Fui a Japão, China e ao Quênia, para uma série que vai, inclusive, passar na Netflix, Country Queen. Fui convidado para trabalhar com o Departamento de Negócios do governo do Reino Unido. Foi uma coisa muito boa, achei que seria muita areia para o meu caminhãozinho, mas deu certo.

 

 

Como lidar com a vaidade com tanta exposição e reconhecimento?

Não sou uma pessoa vaidosa. Quando criança, tinha três pôsteres no meu quarto: Albert Einstein, Che Guevara e Mahatma Gandhi. Vivi à sombra destes três. Se quisesse ser como o primeiro, deveria buscar um nível de consciência e de inteligência. Do segundo, o espírito guerrilheiro, se tenho que fazer uma coisa, vou e faço. Mas tinha que ser como o terceiro, ser bom com as pessoas. Segui estes valores.

 

 

Qual a receita para o sucesso?

Sucesso é uma palavra vaga. Prefiro dizer como consegui me estabilizar na minha profissão e porque consigo mudar a vida de algumas pessoas. Aí entram os valores daqueles pôsteres. E também sou muito curioso. Tenho em casa livros com histórias do mundo inteiro. A tecnologia me ajudou muito, também. Procuro no Google histórias do mundo inteiro, traduzindo. Assim, aprendemos. O resultado é a procura das pessoas, desde grandes empresários de marketing até políticos. E faço tudo depressa. Vou lançar no Brasil, em agosto, sete livros no mesmo dia. Ninguém nasceu para ser consultor de história, ou médico ou jornalista. Temos que ser felizes, deitar a cabeças no travesseiro sem enganar as pessoas. Não penso em ser guru ou não, quero fazer meu trabalho da melhor forma que puder.

 

Fonte: Jornal Correio do Povo/Diálogos CP/Christian Bueller em 07/07/2019.