COMPORTAMENTO
“É PRECISO TIRAR OS VÉUS DA NOSSA ÉPOCA”.
Em VESTÍGIOS DO FUTURO, sociólogo Dario Caldas analisa tendências como a infantilização social e a estetização do cotidiano.
O narrador está no futuro e olha para os 17 anos do século XXI recolhendo pistas e projetando o que nos espera adiante. Fala da pós-verdade como se fosse fenômeno de ontem, discute os “digital influencers” como se pertencessem a uma década passada e desenha um cenário nem fofo nem apocalíptico, mas corajoso diante do espírito do tempo, em que tudo parece fugidio, banal e obsoleto.
“O analista de tendências já deve ter esse distanciamento crítico, Eu quis ampliar essa perspectiva colocando o presente no passado e o futuro no presente. É uma forma de medir o exagero, o que está fora de frequência, o que é ideológico e os pontos de vista equivocados”, diz o sociólogo Dario Caldas, autor de VESTÍGIOS DO FUTURO – ESTILOS DE VIDA, CONSUMO E TENDÊNCIAS (Observatório de Sinais, 160 páginas).
A publicação da sua consultoria em inteligência estratégica, a Observatório de Sinais, marca os 15 anos da trajetória de pesquisa e análise de comportamento e consumo para empresas que começou e segue “apadrinhada” pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky. Para este livro ele diz ter como referência MITOLOGIAS, de Roland Barthes (1915-1980), em que o autor segue interpretando os objetos e os fatos da década de 60 como mitos. “É preciso tirar os véus da nossa época!,diz.
É sua contextualização que permite clarear como chegamos até aqui e para onde vamos. Dario Caldas parte, por exemplo, das formas de silicone que dão aparência de cara de gato a ovos fritos, da febre do “toy art” e dos chaveiros de personagens em bolsas e mochilas para mostrar que a infantilização social é apenas uma camada do que chama de estética da fofura, “uma das configurações mais peculiares da modernidade tardia”.
A fofice começou com o movimento de esterilização do cotidiano e o surgimento do consumidor-artista “em busca da beleza e de experiências sensoriais que conferissem ao mundo uma camada extra de significado”. Nos anos 2000, dos produtos mais banais até edificações passaram a ser assinados por estilistas e artistas, e o design teve seu boom ao se tornar um campo profissional popular e multiplicado em microdisciplinas: designer de bolo, de sobrancelhas, de viagens, etc.
A democratização da estética para outras faixas de renda ampliou as concepções de “belo”, mas todas tinham o denominador comum de “tornar o mundo mais habitável, mais lúdico, mais poético – ou, por que não, mais fofo, como os ovos fritos com formato de gatinho”. Casais “felizes para sempre” em selfies açucaradas, emojis, palavras “pias” para exprimir sentimentos elevados: a fofura se tornou expressão das redes sociais, “confundindo-se com a estética dominante”.
O “apogeu” foi o surgimento dos “cute studies” na área acadêmica, e pesquisas da neurociência mostraram que imagens e mensagens fofas liberavam dopamina no cérebro e produziam sensações de prazer. A fofice, diz, invadiu a robótica, transformando máquinas em mascotes. E o que seria, como ele chama, o “paroxismo da fofura”? A premiação de “melhor branding urbano” ao “skyline” de Dubai, com seus “contornos de um camelo estilizado que lhe servia de mascote e se tornara mania internacional, com 140 milhões de fãs ativos no Instagram”.
Outro tema em que se debruça é a idealização do coletivo e até o temos do “apagamento do indivíduo” dentro de um grupo social. “Um dos fios condutores do livro é a emergência do individualismo. Esta é a era da interpretação em que tudo é relativo, fragmentado, e não sobra nem a verdade. Cada um faz suas leituras e estabelece suas balizas”, afirma. “O indivíduo vai se liberando das instituições até estar pronto para encontrar e fazer parte de seus grupos de interesse. Desta forma, o colaboracionismo é um mito que não explica o presente.”
Nesse exercício de relativização do que foi, é e será, o livro se torna um guia para qualquer planejador estratégico criativo ou programador da máquina que aprende a pensar, uma vez que há perguntas ainda a serem feitas e respostas a serem dadas. Sua “arqueologia de tendências” pretende demonstrar que “na vida como na morte tudo não passa de uma questão de ênfase e de interpretação”.
“A inteligência artificial é a bola da vez, é disruptiva. É uma ferramenta imensa de captação e organização de dados. Há analistas ganhando fortunas para traduzir esse fluxo em eficiência”, diz. “Mas ainda cabe a nós gerar os insights, entender as camadas, encontrar os sinais e relacionar as tendências de setores diferentes e proporcionar o elemento surpresa, o humano. O conhecimento não é um download.”
Assim, as investigações de Dario Caldas não se encerram no livro. Seguem quase – numa brincadeira com o entendimento de contemporâneo - “em tempo real”. Lançou em novembro seu mais recente estudo (Você, Cidadão), em que pesquisou como os cidadãos dos 35 aos 59 anos se comportam em relação a consumo, ética, política e mídia.
Há constatações interessantes para uma época na qual se acredita que o engajamento nas redes traduz pensamento dominante. Para seus entrevistados, ética é uma questão central, mas não significa “abraçar causas”. “Não é que esse consumidor brasileiro não apoie as empresas que cuidem dos animais. Mas essa não é a prioridade para a maioria. Ética para elas é outra coisa. É honestidade, é o produto autêntico, é receber pelo que pagou,´é ter o que foi combinado.”
Seria essa uma particularidade local, como que um estágio anterior na formação da atitude do consumidor? Afinal receber pelo que se pagou não é o básico para ser entendido como ética? “Eles sabem brigar pelos seus direitos, já têm a compreensão de como proceder – Procom, Anatel, etc. A questão é a desconfiança nas marcas. Os sinais apontavam para o marketing de propósito como ‘a’ resposta para esse momento, e as empresas precisam repensar isso”.
Fonte: Revista Valor/Angela Klinke/SP em 15/12/2017.