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O Risco de Ter Opinião
O Risco de Ter Opinião

O RISCO DE TER OPINIÃO

 

Sempre que deixamos de dizer o que TINHA DE SER DITO, encolhemos.

 

Para onde vão nossos silêncios quando deixamos de dizer o que sentimos?”, quis saber Quino, o mais famoso cartunista argentino, numa de suas frases memoráveis, recém colocada como um mini-outdoor na fachada de uma banca de revistas, próxima o Obelisco, em Buenos Aires. Sentado no café da esquina, munido de um doble com crema, fiquei observando a reação dos passantes numa manhã de sol quebrando o vento frio da avenida. Houve de tudo. Desde quem passasse rápido e, súbito, desse a volta porque tinha sido fisgado pela sutileza da pergunta, até quem fizesse aquela cara de deixa pra lá que todos fazemos ao ler as mensagens debiloides que enchem as redes sociais com a tola pretensão de sabedoria.

 

Por fim, um grupo de velhinhos que identificaria como o clube da aposentadoria, reunido para o rotineiro café da manhã, chegou para ficar. E, então, houve o debate, e me acerquei para acompanhar. Não faltou quem elogiasse a genialidade do autor nem quem fizesse uma referência preconceituosa aos tempos em que a língua afiada de Quino atormentava os sensores da ditadura argentina.

 

Segui pela avenida com a pergunta martelando, porque tenho a convicção antiga de que sempre que deixamos de dizer o que “tinha de ser dito”, encolhemos. Inevitavelmente. Mesmo que, tempos depois, consideremos que o recuo tenha sido construtivo.

 

E todos nos lembramos das vezes em que fomos capazes de expressar o que sentíamos sem medo ou com ele tão subjugado que ninguém percebeu. E falamos desses momentos com um entusiasmo que permite até alguns pequenos acréscimos glamourosos em cada reprise da história original.

 

Lamentavelmente, esses instantes de êxtase para a nossa autoestima perde de goleada para as humilhações que nos são impostas pela lerdeza mental ou pela covardia. Não sei o que é pior: reconhecer que, por falta de coragem, não fomos capazes de dizer o que precisava ser dito, ou assumir que a ideia genial que desmontaria nosso oponente só nos ocorreu depois que o palco da discussão já tenha sido desmontado.

 

Quando cheguei ao hotel, eu tinha, outra vez com atraso, a pergunta respondida:

- Os silêncios que nos são impostos pela indisfarçável dose de submissão que contêm não se apagam nunca, mas ficam arquivados no escaninho de entrada da memória para serem reativados na primeira oportunidade em que o assunto voltar à discussão.

 

E quando isso ocorrer, e provavelmente ocorrerá, teremos a esperada segunda chance de reconciliação com nosso amor próprio ou afundaremos no arrependimento definitivo. Essa é a hora da sabedoria, que, se espera, tenhamos apressadamente conquistado entre um e outro episódio. E ser sábio, aqui, significa evitar os impulsos agressivos, porque, se eles assumirem o ar de mera revanche, provavelmente naufragaremos. E, desta vez, sem resgate.

 

A agressividade requentada, como se sabe bem, machuca mais o agressor do que o agredido. E ser assim percebido é só uma questão de tempo.

 

Fonte: Zero Hora/caderno Vida/J.J.Camargo/Cirurgião torácico (jjcamargo.vida@gmail.com) em 15/04/2018