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O Jazz de Camila Toledo
O Jazz de Camila Toledo

CAMILA TOLEDO E SUAS PONTES

 

Destaque na cena jazzística de Porto Alegre, cantora apresenta projeto em que celebra a obra de grandes artistas negras brasileiras, de Leci Brandão a Liniker.

 

O que é um artista, se não um tradutor de sentimentos, angústias e afetos humanos? Se a isso soma-se a capacidade de captar o espírito de um momento ou de um espaço, é possível dizer que Camila Toledo é uma das maiores artistas de Porto Alegre na atualidade.

 

Porque poucos músicos conseguem reunir em torno de si tantos elementos pulsantes e urgentes da Capital: da incursão recente do jazz por bandas jovens aos gritos por representatividade de gênero e cor, Camila Toledo trafega por pautas contemporâneas com a naturalidade de quem possui uma antena privilegiada para captar o que está no ar.

 

Neste sábado (9 de junho), no London Pub & Bistrô, a porto-alegrense de 34 anos- que desde 2014 lidera a Motherfunky, banda de baile com repertório de funk e groove, e apresenta regularmente um show com canções de Billie Holiday – leva ao palco o que talvez seja o maior exemplo dessa capacidade: no novo show Camila e a Ponte, reúne canções de nomes aparentemente tão opostos quanto Ludmilla e Leci Brandão, passando por Ella Fitzgerald e Nina Simone. Opostos para o repórter homem e branco, pelo menos:

- Engraçado, não acho tão distantes – avalia Camila, para logo explicar o que norteia sua escolha de repertório. - São todas artistas que compartilham da mesma invisibilidade artística e social. Embora tenhamos grandes cantoras negras brasileiras, nenhuma teve o mesmo sucesso de suas contemporâneas brancas.

 

ATIVISTA, CAMILA LUTA POR REPRESENTATIVIDADE

 

O novo show, que estreou em abril e foi retomado nesta semana, durante a Mostra Jazz, em Novo Hamburgo, tem no palco Fernando Spillari (piano), Gabriel Nunes (baixo) e Dado Silveira (bateria) e chega à terceira apresentação com um propósito claro: apresentar uma linha do tempo da música de matriz negra feita por mulheres no Brasil e relacioná-la às intérpretes norte-americanas de jazz que serviram de referência para a jovem Camila em início de carreira:

- Isso começou a chamar a minha atenção depois de adulta. Minhas grandes inspirações eram Gloria Gaynor, Diana Ross, Tina Turner, Esperanza Spalding. Por que eu não tenho referências de divas brasileiras negras? Quando me dediquei a este show, quis criar uma ponte, como diz o nome, entre o que eu sempre tive como referência e as mulheres que construíram o caminho da música negra no Brasil. E percebi que é muito fácil, porque são artistas que conversam entre si pela ancestralidade.

 

Não à toa, o trabalho de Camila tem quase função aglutinadora: além do palco, a cantora idealizou o festival Nós Outras, que já realizou duas edições exclusivamente com artistas mulheres. Esse tipo de ação, comenta Camila, é um retrato da atual geração, que sempre se viu mais representada por figuras estrangeiras do que nacionais, cansou de esperar um movimento de integração social voluntário e resolveu fazer, na marra, eventos que a incluíssem. O novo show é também uma reação a isso.

- O Brasil tem problemas de representatividade, e sinto que o jovem brasileiro negro sempre se viu mais representado pelo rap e pelo funk americano, pelos jogadores da NBA e pela cultura racial estrangeira do que pelas coisas locais. Se não tem nada aqui, vou comprar o que vem de lá – avalia, para em seguida traçar um panorama da revolução causada pelo que chama de “geração tombamento”, jovens de minorias sociais empoderados que tomam o protagonismo para si:

- Se formos pensar na juventude negra atual, as festas a que eles vão, as pessoas que eles seguem no Instagram, os ícones em que eles se inspiram para montar o look, é fácil perceber que está se criando uma estética própria.

 

A divulgação do trabalho de Camila também se dá em termos atuais: sem discos lançados, a cantora publica vídeos em seu canal no YouTube. Com Camila e a Ponte, a ideia é que a regularidade se intensifique, com vídeos de apresentações ao vivo.

 

Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno/Gustavo Foster (gustavo.foster@zerohora.com.br) em 08/06/2018