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Agroflorestas: Combina Agricultura c/Meio Ambiente
Agroflorestas: Combina Agricultura c/Meio Ambiente

Agroflorestas: conheça o sistema que pode ajudar a recuperar áreas degradadas e conter novas cheias no RS

Modelo combina agricultura e meio ambiente, sendo visto como uma alternativa para os desafios climáticos. O sistema agroflorestal (SAF) auxilia na contenção de alagamentos, segura a umidade em caso de secas e ajuda a manter a temperatura mais amena

 

 

Um sistema que, por meio da combinação de espécies, une agricultura e meio ambiente, permite a recuperação de áreas degradadas em cidades. Embora o conceito de agroflorestas não seja novo, a possibilidade de reduzir os efeitos climáticos nunca esteve tão atual. É pauta, inclusive, de futuros projetos do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS).

 

Especialistas destacam que, pensando no que o Estado viveu nos últimos meses, com a maior enchente da história, os sistemas agroflorestais (SAFs) são uma alternativa resiliente que contribui para segurar cheias, manter a temperatura mais amena e, em casos de secas extremas, segurar a umidade. Além disso, o modelo é conhecido por auxiliar no controle de pragas, e contribuir para a fertilidade do solo ao aportar ciclos de carbono e oxigênio.

 

Por aqui, a certificação agroflorestal extrativista é disponibilizada desde 2013 pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema). Conforme o órgão, atualmente há 236 áreas cadastradas, com cerca de 1.500 hectares. Já dados do último Censo Agropecuário, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, o RS apresentou um crescimento de 23,6% estabelecimentos com SAF em um comparativo com 2006. Há a previsão de um novo levantamento para 2026.

 

A coordenadora adjunta do Mestrado em Ambiente e Sustentabilidade da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e pós-doutora em sistemas agroflorestais, Adriana Carla Dias Trevisan, aponta que os sistemas agroflorestais são pensados a partir de desenhos técnicos, ou seja, há um planejamento para sua implementação, dependendo de características da região, do solo e até do vento.

— Eles têm como uma das premissas justamente a diversidade, enquanto o sistema produtivo tradicional da agricultura reduz essa pluralidade. Trabalha-se com plantas de diferentes alturas e necessidades nutricionais. A grande cereja do bolo é saber compor espécies que vão ser complementares entre si, e não vão competir — explica, lembrando que a sistemática não é novidade, sendo utilizada há séculos por comunidades tradicionais indígenas.

 

Além dos demais benefícios, os sistemas agroflorestais servem como forma de segurança alimentar. Quando uma das espécies cultivadas sofre com a chuva ou uma praga, por exemplo, as demais permanecem como opção. É por isso que órgãos como a secretaria estadual buscam formas de incentivar o modelo.

— Nós, como Sema, recebemos as propostas de sistemas, fazemos vistorias e auxiliamos em termos de procura por certificados de garantia e selos de manejo. Ao termos as propriedades cadastradas, conseguimos acompanhar ao longo do tempo, entendendo do que elas estão precisando e como é necessário dar proteção — afirma a diretora de Biodiversidade, Cátia Gonçalves.

 

O sistema agroflorestal combina árvores perenes, que se mantêm ao longo do tempo, com plantas agrícolas de ciclo curto e até mesmo a criação de animais. Vários fatores devem ser considerados nesse consórcio, como o ciclo, a altura das plantas, a necessidade de sombreamento e a disponibilidade de água. O modelo mostra uma representação genérica.

Trabalha-se com plantas de diferentes alturas e necessidades nutricionais. A grande cereja do bolo é saber compor espécies que vão ser complementares entre si, e não vão competir

ADRIANA CARLA DIAS TREVISAN

A COORDENADORA ADJUNTA DO MESTRADO EM AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL (UERGS), PÓS-DOUTORA EM SISTEMAS AGROFLORESTAIS

 

MP estuda agroflorestas em projetos de recuperação

Tema acompanhado de perto há anos pelo Ministério Público do RS, a recuperação de áreas degradadas pode ganhar novos contornos em breve. De acordo com a coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do MPRS, procuradora de Justiça Ana Maria Moreira Marchesan, as agroflorestas têm potencial para entrar em dois tipos de projetos.

— Estamos buscando estabelecer uma parceria com a Emater, porque temos clareza de que um dos recursos ambientais que mais necessita de cuidados é o solo. As nossas conversas são para a recuperação de pastagem, do solo, e poderia ser aplicado no sistema de agrofloresta — cita Ana Maria, sobre a primeira ação.

 

Da mesma forma, outra possibilidade é o uso do Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (FRBL) para o desenvolvimento de agroflorestas em ambientes degenerados.

— Também temos um pedido para a nossa divisão de assessoramento técnico, em que nós estamos analisando o lançamento de um edital para trabalhar com universidades parceiras na recuperação de áreas degradadas, utilizando recursos do FRBL. Aí vai depender de cada caso, mas pode ser incluído o sistema das agroflorestas — acrescenta, destacando que o MPRS monitora situações de desmatamento ou conversão de campos nativos em culturas ilegais.

 

Exemplo bem aqui, no extremo sul de Porto Alegre

É na zona rural de Porto Alegre, no extremo sul, que está um exemplar de sistema agroflorestal. O Sítio Natural, no bairro Lami, surgiu a partir de quatro mãos: foram Roger Vianna, 46 anos, e Cristine Saldanha, 44, que idealizaram a proposta a partir de 2013, mas cinco anos depois o SAF começou a tomar forma.

— Inicialmente, arrendamos esta terra para ter um espaço na natureza para passar os finais de semana, além de plantar uma horta e pomar. O espaço antes era utilizado para pastagem de vacas, com um solo bem compactado, uma área bem degradada, e também não tínhamos muita água pra irrigação — lembra Cristine, sobre o início.

Junto com hortaliças, Cristine e Vianna cultivam bananeiras, bergamotas e outras árvores.

André Ávila / Agencia RBS

 

O modelo agroflorestal foi apresentado por um amigo do casal. Eles decidiram, então, realizar um curso e implementar a proposta. Descobriram que era a solução que precisavam e seguem utilizando até hoje, inclusive participando de feiras orgânicas no bairro Tristeza, aos sábados.

— Trabalhamos com o consórcio de plantas, cobertura e recuperação da vida no solo. O sistema reduz muito a necessidade de irrigação e insumos, por exemplo. Eu digo hoje que para a agricultura familiar não existe sistema melhor que a agrofloresta, principalmente pela diversidade dela. Em um canteiro, é possível chegar a colher cinco culturas — acrescenta.

 

Vianna comenta que são poucos projetos semelhantes na região. Um deles, que também ficava na Capital, acabou sendo descontinuado. Outro, de Gravataí, segue em andamento.

— Primeiro, que ainda são poucas pessoas neorurais, como nós, que não nascemos na agricultura e viemos para cá. Tem essa questão do desconhecimento e de muitos julgarem que é mais difícil, que dá mais trabalho. A gente mostra pelo exemplo que dá certo. E no mesmo local em que temos uma alface plantada, aproveitamos a área para a couve e rúcula, por exemplo — destaca, também sobre os benefícios financeiros.

 

Atualmente, a propriedade de 10,6 hectares esbanja variedade: bergamotas, bananas, hortaliças, laranja, batata-doce, temperos, chás, maracujá, pimentões, erva-mate, entre outros. E a expansão continua.

— É um trabalho que não tem fim. Estamos sempre fazendo testes, vendo o que é melhor. Vivemos na agrofloresta e eu digo que ela é um vício. Tu não consegues mais parar de fazer. E todo agroflorestor quer disseminar a agrofloresta, porque a gente descobriu uma forma de produzir alimento, diversidade, e ainda proteger o solo — conclui Cristine.

 

Incentivo à agricultura regenerativa em Porto Alegre

Em Porto Alegre, há dois anos se intensificou a discussão para tornar o sistema agroflorestal uma política pública. E, em outubro de 2023, o decreto que regulamenta a Política Municipal de Desenvolvimento Rural foi publicado compreendendo incentivos a sistemas agroflorestais e práticas de conservação de solo.

 

Segundo a Secretaria Municipal de Governança Local e Coordenação Política (SMGOV), já foram disponibilizados incentivos em todos os programas do plano. “Os produtores orgânicos, que usem agricultura regenerativa, como SAFs, têm prioridade no atendimento”, informa. No caso de Cristine e Vianna, houve benefício no sistema de açudes e irrigação, além da destinação de material triturado pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), que serve para a cobertura de solo.

 

Conheça outros exemplos de SAFs no Estado

O assistente técnico da regional de Porto Alegre na área de manejo de recursos naturais na Emater/RS - Ascar, engenheiro agrônomo Marcelo Biassusi, destaca que o envolvimento da instituição no desenvolvimento de SAFs no Estado remonta à década de 1990. De lá para cá, foram diferentes ações e regiões contempladas com a iniciativa. Confira alguns exemplos:

  • Citricultura: estabelecimento de grupo de agricultores ecologistas no Vale do Caí em que se contribuiu com a organização e capacitação em cidades como Capela de Santana e Montenegro.
  • Bananais: parceria no manejo agroflorestal nos remanescentes florestais de Mata Atlântica no Litoral Norte, com análises sobre os bananais em SAFs.
  • Erva-mate: na região nordeste do RS, destaca-se a implantação e consolidação de um modelo de sistema agroflorestal para a produção de erva-mate em 1997.
  • Doces coloniais, como compotas e geleias: a tradição está sendo revitalizada pelo SAF Doceiro na região de Pelotas, no sul do Estado.
  • Bacias Hidrográficas do Rio Gravataí e dos Sinos: projeto de revitalização em parceria com a Sema, focado na conservação e recuperação de cem hectares de Áreas de Preservação Permanentes (APPs).

 

Biassusi frisa que a Emater/RS-Ascar visa se adaptar às mudanças climáticas e controlar as emissões de gases de efeito estufa na agropecuária.

— Os SAFs não apenas diversificam a produção agrícola e conservam o meio ambiente, mas também fortalecem as comunidades rurais e aumentam a resiliência dos agricultores diante dos desafios climáticos e econômicos — conclui.

 

Fonte:  Zero Hora/Bianca Dilly em 30/07/2024