"Isto está criando uma situação grave de poluição urbana", afirma climatologista Carlos Nobre sobre as queimadas no Brasil
Pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) ressaltou a ação criminosa nos incêndios e a preocupação com a biodiversidade do país
Na maior parte do Brasil, já não se enxerga o céu azul, apenas uma densa camada de neblina cinza. O cenário resulta de um índice de queimadas recorde do norte do continente. A previsão é de que até o fim da semana a fuligem deva encobrir até mesmo as capitais da Argentina e do Uruguai.
A fumaça é vinda principalmente da região sul da Amazônia, que abrange os Estados do Amazonas, Pará e Mato Grosso. A floresta amazônica registra o maior número de focos de fogo em 19 anos.
Em entrevista ao Gaúcha+, nesta terça-feira (10), Carlos Nobre, climatologista e pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), e referência internacional em estudos sobre aquecimento global, falou sobre este cenário complexo, alertando sobre um risco para a biodiversidade do país.
Incêndios criminosos
Segundo Nobre, a maioria das queimadas tem origem em ações humanas. Incêndios causados por fenômenos naturais, como descargas elétricas, são raros. Ele aponta que quase todos os focos são criminosos.
— Incêndios por outros motivos aqui no Sudeste foram quase zero no período, de quase um mês de focos de queimadas. No Cerrado, no Pantanal, é menos de 3%. Então, é tudo fogo de origem humana, e infelizmente, estamos com recorde de seca na maioria do Brasil — explica.
Em agosto, o Brasil registrou o maior número de focos de queimadas desde 2010. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram 68.635 registros. Conforme o Inpe, mais de 80% desses focos ocorreram na Amazônia e no Cerrado.
— Desde 2023, a política do governo federal e de vários Estados foi de combater o desmatamento, a degradação, que é quase ilegal. Eles passaram a combater o crime que faz o desmatamento. Para desmatar uma área, você não faz em um minuto, você leva dias e semanas. O crime, que é o que fazia o desmatamento ilegal, agora bota fogo — afirma Nobre.
De acordo com o climatologista, a contenção das queimadas é um desafio enorme para os Estados. Isso ocorre, pois é difícil realizar uma detecção rápida dos incêndios.
— Não é uma atividade fácil. O criminoso que incendeia, ele faz isso em minutos e depois foge. Os sistemas satelitários não conseguem detectar, até detectam o incêndio, mas não o criminoso que colocou. O crime organizado deve ter visto que, como é muito fácil detectar e até ir ao local parar o desmatamento ilegal, a extração ilegal de madeira também, os satélites detectam isso, então eles começaram a queimar. É o jogo horrível do crime organizado.
Biodiversidade
Nobre explicou sobre o fenômeno que traz as fumaças, chamado de "rios voadores". Eles são responsáveis por transportar o vapor d'água da Amazônia, alimentandos sistemas de chuva no Cerrado e no sul do país.
— É ele que faz a seca ser curta no sul do país, principalmente de julho a setembro. Porém, com o recorde de fumaças, além de umidade, ele está trazendo circulação de partículas de fuligem de queimadas para a região. Isso está criando uma situação grave de poluição urbana em todo o sul do Brasil, no Uruguai, na Argentina, no Paraguai — descreve o especialista.
Com esse nível recorde de incêndios, tanto a biodiversidade quanto a saúde humana estão em risco. Como prejuízo, a tendência é que ocorram impactos ambientais e de saúdes significativos, o que pode levar até mesmo ao uso de máscaras, devido a baixa qualidade do ar.
— O Brasil tem a maior biodiversidade do planeta. 15, 20% de todas as espécies de plantas e animais em todos os nossos biomas. É muito arriscado e com essa explosão do fogo nem preciso dizer o risco que isso traz para a saúde humana, não só humana, mas também animais — finaliza Nobre.
Fonte: Zero Hora em 10/09/2024