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Singapura: A Metrópole Mais Limpa da Ásia
Singapura: A Metrópole Mais Limpa da Ásia

 

COMO SINGAPURA SE TORNOU A METRÓPOLE MAIS LIMPA DA ÁSIA

Há 50 anos o governo investe pesado em ações para manter a cidade livre de detritos e substâncias maléficas à saúde.

 

Cerca de 200 voluntários recolhiam lixo no entorno de um conjunto habitacional de Khatib, bairro no norte de Singapura. Havia desde famílias com crianças a voluntários de um hospital local e alguns poucos idosos vestidos com a camisa do Clube de Caminhada do Noroeste da cidade.

 

Alguns se embrenharam em uma mata para recolher pontas de cigarros. Outros encontraram um estranho tecido abandonado sobre uma mesa. Ninguém voltou com sacos cheios de lixo.

 

Mas isso era de se esperar em Singapura. Há muito tempo, o país tem uma obsessão por higiene e limpeza. E neste mês celebra-se um marco: foi quando, há 50 anos, o então primeiro-ministro Lee Kuan Yew iniciou a campanha "Mantenha Singapura Limpa".

 

Campanhas de limpeza já funcionavam na época, mas essa foi diferente. Foi a primeira vez que o governo aplicou multas como método de controle social. Hoje, Singapura é limpa. Mas não pelas razões que você pode estar imaginando.

 

Limpa e sustentável

Seguir um caminhão de lixo durante sua coleta diária em Singapura explica rapidamente por que a cidade é tão implacavelmente limpa. O odor da lixeira é de doer.

 

Em cidades com um clima mais ameno, demorar um pouco para recolher o lixo doméstico não é um grande problema. Mas nos trópicos quentes e úmidos, essa é uma tarefa urgente. Lixo doméstico e comercial acumulado por muito tempo pode ser extremamente perigoso.

 

"Se deixar o lixo como se vê em outros países, ele pode atrair roedores, moscas, baratas. Eles são portadores de bactérias e germes", ressaltou Edward D'Silva, presidente do Conselho de Higiene Pública.

 

Os mosquitos são uma preocupação ainda maior. Você não vai contrair malária aqui, mas em um ano ruim, haverá dezenas de milhares de casos de dengue.

 

Quando introduziu sua política de cidade Limpa e Sustentável, Lee Kuan Yew tinha objetivos ousados em mente. O programa foi parte de um esforço maior que incluiu mudanças nas leis de saúde pública, a transferência de ambulantes para os centros de venda formais, o desenvolvimento de sistemas adequados de esgoto e medidas de controle de doenças.

 

Ao mesmo tempo, a população mudou-se das chamadas Kampongs (aldeias de estilo malaio com cabanas de madeira) para conjuntos habitacionais com infraestrutura melhor.

 

"Nós construímos, nós progredimos. Mas nenhuma outra característica do sucesso será mais notável que a de alcançar a posição de cidade mais limpa e sustentável do sul asiático", afirmou Lee em 1968.

 

Além de propaganda, havia atividades de educação pública, palestras de autoridades de saúde e vigilância sanitária do governo. Havia também competições que apontavam os estabelecimentos, edifícios governamentais, escolas etc. tanto mais limpos quanto mais sujos.

 

A campanha foi seguida por uma infinidade de outras ações. Durante as décadas de 1970 e 1980, houve atividades que estimulavam os moradores da cidade a manter banheiros, fábricas e pontos de ônibus limpos. A campanha "Use Suas Mãos", de 1976, reunia alunos, pais, professores, diretores e funcionários públicos para limpar as escolas nos finais de semana. Havia também inúmeras iniciativas de plantio de árvores.

 

O objetivo não era apenas tornar a cidade mais agradável. Uma cidade mais limpa, argumentou Lee Kuan Yew, criaria uma economia mais forte.

 

Em todos esses aspectos, Singapura se saiu bem. A expectativa de vida cresceu de 66 para 83 anos (a terceira mais alta no mundo). As visitas de turistas somavam pouco mais de 200 mil em 1967, contra 10 milhões nos primeiros três trimestres de 2018.

 

O investimento estrangeiro direto subiu de US$ 93 milhões (R$ 350 milhões) em 1970 para US$ 39 bilhões (R$ 146 bilhões) em 2010. A cidade é agora a quinta maior beneficiária de investimentos estrangeiros diretos no mundo, recebendo US$ 66 bilhões (R$ 250 bilhões) em 2017, segundo relatório da Conferências de Negócios e Desenvolvimento da ONU.

 

Promovendo mudanças

Não é que os avanços tenham ocorrido apenas por conta da campanha de limpeza. Mas os benefícios de saúde são notáveis. É natural que turistas se sintam bem em um ambiente limpo. E ruas limpas mandam um sinal para executivos estrangeiros de que a cidade é capaz e respeita as leis. É difícil dizer o quanto, mas de alguma forma, a campanha gerou impacto.

 

Como regra, as campanhas não são itens caros do orçamento do governo ou seus departamentos. Entre 2010 e 2014, por exemplo, a Agência Nacional do Meio Ambiente de Singapura gastou cerca de US$ 3 milhões (R$ 11 milhões) por ano em campanhas e atividades de divulgação de coleta e tratamento de lixo.

 

As lojas de souvenirs de Singapura com frequência exibem camisetas que dizem: "Singapura: a cidade da multa" - em inglês, a fine city, fazendo um trocadilho com a palavra fine, que pode significar tanto "multa" quanto ser usada como o adjetivo "ótima" para cidade. E é seguida por uma infinidade de motivos pelos quais se pode ser multado. Hoje, as piadas estão tão batidas que a tendência é que os moradores simplesmente virem o olho em vez de rir delas.

 

Mas elas não estão erradas. Singapura costuma proibir o que considera um comportamento indesejável e faz valer cada proibição com penalidades no bolso do infrator.

 

A campanha "Mantenha Singapura Limpa", de 1968, foi a primeira a tentar mudar o comportamento dos cidadãos por meio das multas. Desde então, a cidade vem reforçando o método. Normalmente, as autoridades emitem dezenas de milhares de multas por ano por despejo inadequado de lixo. A multa mínima é de SG$ 300 (R$ 815).

 

Algumas leis podem parecer rígidas demais na visão de estrangeiros. Singapura proibiu a importação de chicletes (a simples posse, no entanto, não é ilegal). Há multas por se transportar durião (uma fruta tropical de cheiro forte, parecida com a jaca) no trem; e por não dar descarga em um banheiro público (o que se tornou irrelevante, já que a maioria dos banheiros agora funciona automaticamente).

 

Há multas ainda por cuspir ou por usar o wi-fi de outra pessoa sem permissão. Em 2009, um taxista foi multado por ser visto nu em sua própria casa. E cigarros eletrônicos estão banidos.

 

As multas funcionam?

De início, a política funcionou, segundo Liak Teng Lit, presidente da Agência Nacional de Meio Ambiente. Uma combinação de campanhas de conscientização pública e medidas punitivas fez diferença e a cidade ficou mais limpa.

 

Mas as coisas mudaram. A cidade enriqueceu e isso facilitou o emprego de mão-de-obra barata na limpeza. Hoje, diz Liak, Singapura não é limpa porque os moradores locais temem as multas. Ela é limpa porque há um exército de trabalhadores limpando-a. Eles fazem o trabalho pesado. Mais do que ninguém, eles mantêm Singapura limpa. "Singapura não é uma cidade limpa. É uma cidade que foi faxinada", disse Liak.


Existem 56.000 profissionais da limpeza registrados na Agência Nacional de Meio Ambiente. E há milhares de contratados independentes que não estão registrados. São principalmente trabalhadores estrangeiros de baixa remuneração ou trabalhadores idosos.

 

Edward D'Silva sente-se frustrado com a maneira como a ascensão desse exército de faxineiros mudou a cultura em Singapura. Com tantos profissionais de limpeza, os singapurianos passaram a considerar a limpeza como função de outra pessoa.

 

D'Silva diz que nem estudantes recolhem o lixo porque sempre tiveram um faxineiro para fazer isso por eles. É algo que o Conselho de Higiene Pública está tentando abordar nas escolas. Objetivamente, ele acredita que há muito tempo a limpeza ficou fácil para os singapurianos, e eles precisam mudar essa cultura. Liak concorda.

 

"O governo limpa, duas vezes por dia normalmente, até o corredor de seu apartamento. Quando você tem um serviço de limpeza eficiente, e seu vizinho bagunça o lugar, você não culpa o vizinho, você culpa o faxineiro por não limpar", afirma Liak.

 

Mudando o comportamento

Mas à medida que a população de Singapura cresce e a mão-de-obra se torna mais cara, não é possível empregar tantos garis e faxineiros.

 

Edward D'Silva diz que parte da pressão inicial para que os cidadãos mantivessem Singapura limpa tinha razões econômicas - limpar espaços públicos é caro e tira dinheiro de atividades mais valiosas. Ele diz que isso ainda é o que acontece, e Singapura precisa mudar seu comportamento rapidamente. A cidade gasta pelo menos SGD$ 120 milhões (R$ 328 milhões) por ano na limpeza de espaços públicos.

 

"Se você consegue mudar o hábito de forma que as pessoas não joguem lixo em qualquer lugar e de qualquer maneira, o dinheiro gasto para empregar funcionários de limpeza, que são milhões de dólares, poderia ser gasto para melhorar a saúde e a educação", ele disse.

 

Limpando a sujeira

Lee Bee Wah é deputada no Parlamento de Singapura. Ela participa de pelo menos um mutirão mensal de limpeza em seu distrito eleitoral. E é apaixonada por isso. Wah não apenas incentiva seus eleitores a recolher seu lixo, mas também a denunciar quando testemunharem alguém despejando lixo irregularmente.

 

Bee Wah acredita que a educação pública é tão importante quanto as multas. Na verdade, é muito difícil aplicar multas, porque geralmente é necessário um funcionário ou pelo menos um cidadão para testemunhar o delito. "É melhor convencê-los, levá-los a comprar a ideia, em vez de depender apenas de multas", diz.

 

Uma vez por ano, há um "dia sem faxineiros", quando todos os profissionais de limpeza largam suas vassouras, e os cidadãos locais é que fazem a limpeza. Ela diz que esse é um bom exemplo de como uma comunidade pode mudar para melhor. No primeiro evento em 2013, os voluntários coletaram 1.430 kg de lixo.

 

Se há muitos profissionais de limpeza, e os singapurianos são negligentes quanto a isso, e ela acredita que seu eleitorado é a prova de que o progresso é possível.

 

Fonte:  BBC