Translate this Page




ONLINE
79





Partilhe esta Página

                                            

            

 

 


Documentário dos Últimos Indígenas Piripkura
Documentário dos Últimos Indígenas Piripkura

OS DOIS SOBREVIVENTES DO POVO INDÍGENA PIRIPKURA

 

Filme narra a história de Pakyî e Tamandua, que escolheram manter-se à distância de tudo e todos que estão fora da floresta.

 

Não é só estar diante do diferente e do incomum o que surpreende em PIRIPKURA, documentário sobre os últimos indígenas de uma etnia no noroeste do Mato Grosso. São índios isolados que escolhem manter-se à distância de tudo e todos que estão fora da floresta, falam a própria língua e nos observam com curiosidade. Quando os dois homens piripkura somem rapidamente na trilha da mata fechada, nus, descalços e levando apenas um bastão com fogo, um facão e um machado, sente-se o que deve ser viver verdadeiramente livres.

 

Pakyî e o sobrinho Tamandua (eles pronunciam Paquíu de Tamandúa) são índios de contato recente, dos últimos três piripkura que se conhecem. A terceira sobrevivente, Rita, irmã de Pakyî e casada com um índio kapiruna, vive em Rondônia. Os outros, conta ela, foram dizimados em massacres ou por doenças. Sobrou o trio e talvez mais uns poucos que fugiram e vivem escondidos na Amazônia. Mas dos outros ninguém sabe, ninguém viu.

 

O primeiro encontro de Pakyî e Tamandua com a pequena equipe do indigenista Jair Condor foi em 1º de maio de 1989, em um buritizal na Amazônia matogrossense. “Eles se assustaram, mas o fato de Rita estar conosco ajudou”, cota Candor, há 29 anos trabalhando na Funai com índios isolados e coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena. Rita, a única que fala português, ajuda nas expedições a encontrar sinais dos dois parentes que aparecem e desaparecem no mato – daí o nome !povo borboleta” que ganharam dos índios gavião.

 

Índios e indigenista se encontraram várias vezes até 1992, quando Candor foi transferido para uma missão, em outro canto. A extraordinária relação dos índios e do branco, relatada no filme, é assim mesmo – fragmentada e em suspensão até o próximo encontro.

 

Tatá”, diz Pakyî. “Tatá”, repete o indigenista, em cena do melhor documentário eleito pelo juri do Festival do Rio e premiado no prestigiado festival internacional de Amsterdã.

 

Tatá quer dizer fogo, uma das raras necessidades dos dois índios que vivem sozinhos na floresta. “Eles o carregam sempre aceso, em um toco de palmeira. Perderam a habilidade de fazer fogo com pauzinhos”, diz Mariana Oliva, que divide a direção de PIRIPKURA com Renata Terra e Bruno Jorge. “Brinco que carregam a tocha olímpica”, diz Candor. De algum modo, e a despeito das chuvas e da umidade da floresta, os dois índios conservam a tocha acesa por anos. Mas um dia, em 1988, apagou. Tamandua foi bater em uma fazenda. Só que o fazendeiro não o entendeu e Tamandua tampouco entendia o fazendeiro. Para piorar, o jovem índio adoeceu e Pakyî ficou sozinho na mata por 60 dias, sem fogo. Candor foi chamado a ajudar no enrosco. Depois de tudo resolvido, tio e sobrinho sumiram na floresta novamente. Foram embora, feito borboletas.

 

Essa história fascinante, de uma realidade indígena desconhecida dos brasileiros, encantou as cineastas, que escutaram o relato de Candor sobre os dois índios e seus esforços em tentar reencontrá-los e proteger seu território. Só assim é possível manter a interdição sobre a região onde vivem os dois nômades. A terra indígena não é demarcada, mas interditada em 252 mil hectares. Está cheia de invasões e rodeada de desmatamento. Talvez só 100 mil hectares são floresta em pé, calcula o indigenista. A área sofre forte pressão clandestina de madeireiros e é um oásis verde no meio de fazendas de gado e serrarias. “Nossa equipe batalha, mas somos poucos. O pessoal do Ibama nos ajuda muito, mas não damos conta”, diz Candor. “Vivemos no fogo cruzado”.

 

PIRIPKURA, produzido pela Zeza Filmes, Maria farinha e Grifa estreia na quinta-feira (22 de fevereiro). É de beleza simples e narrativa impressionante. O mergulho na Amazônia ocorre durante as expedições da Funai em busca dos dois índios. “É uma história pontual que mostra nossa vocação de devastar e tornar inviável outra forma de estar no mundo e de se relacionar com o ambiente”, diz Mariana. “Os índios foram sistematicamente exterminados. Eles têm direito legítimo à terra e prestam serviço ambiental inimaginável”, afirma Renata.

 

Pouco se sabe sobre os índios isolados, os “não contactados”, os “povos ocultos”. Há mais de cem registros de isolados na Amazônia, sendo 26 confirmados e 77 em estudo. Mas a situação da Funai é de contínua indig~encia de recursos humanos e financeiros. As ações de proteção dos índios isolado são realizadas pelas equipes diminutas das 11 frentes de proteção etnoambientais. São uns poucos técnicos comprometidos e responsáveis por uma área quase do tamanho da França.

 

O filme aproxima a Amazônia do espectador ao narrar a resistência ao contato dos últimos piripkura. Vê-se a textura das folhas, o frenesi das formigas, os tapirais (cabanas feitas de folhagens) deixados por Pakuî e Tamandua. Como esses dois sobrevivem na mata, nus, descalços e rodeados de ameaças, é um mistério. “Eles são ninja”, diz Candor. São borboletas.

 

 

 

 

 

 

Fonte: Revista Valor / Daniela Chiaretti em 16/02/2018.