DE VOLTA AOS VERDES ANOS
LIVRO E SESSÃO ESPECIAL LEMBRAM FILME QUE MARCOU OS ANOS 1980 E DÃO INÍCIO A COLEÇÃO EDITORIAL DA CINEMATECA CAPITÓLIO.
VERDES ANOS – MEMÓRIAS DE UM FILME E DE UMA GERAÇÃO // LIVRO: DE ALICE DUBINA TRUSZ // REPORTAGEM/HISTÓRIA, EDITORA DA UFRGS, 360 PÁGINAS // PREFÁCIO DE MARIA DO ROSÁRIO CAETANO, PROJETO GRÁFICO DE FLÁVIO WILD.
Produção histórica do cinema gaúcho, VERDES ANOS (1984) é o longa metragem que marcou a chegada da geração de seus diretores, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, ao formato 35mm. Atuante em Super-8, suporte com o qual revolucionou a produção local, a turma que em seguida fundaria a Casa de Cinema de Porto Alegre já fizera filmes emblemáticos como o longa DEU PRA TI ANOS 70 (de Giba e Nelson Nadotti, 1980). Faltava o que, na ausência de um termo mais adequado, já foi chamado por pesquisadores de “profissionalização”: a realização de um projeto maior, rodado na bitola usada pelos principais nomes da área.
Baseado em um conto do escritor mineiro Luiz Fernando Emediato, VERDES ANOS acabou cativando plateias ao longo dos anos. Foi o filme escolhido pela Coordenação de Vídeo, Cinema e Fotografia da Secretaria da Cultura de Porto Alegre para inaugurar a linha de publicações da Cinemateca Capitólio, instituição inaugurada no ano passado justamente para preservar e difundir a memória do cinema gaúcho.
O livro VERDES ANOS – MEMÓRIAS DE UM FILME E DE UMA GERAÇÃO tem autoria da historiadora Alice Dubina Trusz e o selo da Editora da UFRGS. Oi elaborado a partir de dezenas de entrevistas com seus dois realizadores, atores, técnicos e demais envolvidos com o longa. Tem lançamento marcado para amanhã, às 17h, no Capitólio. Às 19h, com entrada franca, o espaço que fica na esquina da Avenida Borges de Medeiros com a Demétrio Ribeiro, no centro da Capital, vai exibir o filme. Naturalmente, a partir de sua fulgurante cópia em 35mm.
Confira abaixo texto em que Carlos Gerbase compartilha alguns bastidores da origem do projeto. E mais abaixo um depoimento que Giba Assis Brasil escreveu há três décadas e que, até hoje, ainda não havia sido publicado.
O FILME QUE NÃO QUERÍAMOS FAZER
Quantas decisões importantes tomamos durante a vida? Com certeza dezenas, talvez centenas. As mais críticas, penso agora, no alto dos meus 57 anos, são aquelas que acontecem entre os 20 e os 25, no início da carreira profissional e, para muitos, na alvorada dos relacionamentos amorosos mais sérios e duradouros. Às vezes estamos sozinhos na hora H e não é possível pedir um conselho, nem repartir a angústia da escolha por um dos caminhos que se abrem na encruzilhada. No entanto, outras vezes, quando naturalmente hesitamos em nosso ponto crucial, que os americanos chamam de “turning point” (título de um filme interessante de Herbert Ross), acabamos atropelados pela história e conduzidos coercitivamente pelas pessoas e pelas circunstâncias que nos cercam.
Verdes anos, que codirigi com Giba Assis Brasil, é um trabalho muito coletivo e seria impossível listar todas as pessoas que foram fundamentais para que ele existisse. Até hoje encontro gente que me diz: “Eu era figurante na cena do baile e, depois de esperar até as três da madrugada, morrendo de fome, ainda quebrei a cara durante a briga. Adorei!”. Assim era o cinema no longínquo ano de 1983, quando eu tinha 24 anos e não era tão verde assim, mas estava longe da madureza.
O filme ganhou um Kikito em Gramado, teve um excelente público no Rio Grande do Sul e serviu para que a equipe e elenco, que trabalharam literalmente “no amor”, iniciassem suas carreiras no cinema dito profissional, produzido na bitola 35mm. Enfim, o filme foi um sucesso e ajudou muita gente. O que poucos sabem é que nem eu, nem o Giba, queríamos fazer esse filme. A iniciativa foi do produtor Sérgio Lerrer, que já tinha iniciado um Super-8 com o mesmo título, também baseado no conto de Luiz Fernando Emediato. O filme parou no meio. Eu tinha visto algumas cenas, e o resultado parecia precário.
Numa bela tarde de sol, o Sérgio bateu na porta da minha casa, na Rua Marquês do Pombal, e disse que o filme seria todo refeito, em 35mm, e que eu e o Giba dividiríamos a direção. “É muita responsabilidade”, explicou o Sérgio. Já havia um roteiro, que estava sendo escrito pelo Álvaro Teixeira. Quando falei com o Giba, descobrimos que tínhamos a mesma opinião sobre o projeto: a história pouco acrescentava aos vários filmes Super-8 que tínhamos rodado antes. Temática e esteticamente, com o longa Inverno (1983) já tínhamos nos afastado daquela onda de nostalgia adolescente. E, finalmente, fazer um filme com tantos personagens e tantas locações, quase sem dinheiro, era um risco muito grande. Resumindo: em nosso momento de decisão, achamos uma péssima ideia fazer VERDES ANOS e escolhemos não fazer. Mas fizemos. Por quê? Aí, caro leitor, só lendo o livro da Alice pra ficar sabendo. Carlos Gerbase / Cineasta, músico e professor, diretor, entre outros, dos longas TOLERÂNCIA (2000) e 3 EFES (2007), e codiretor de VERDES ANOS (1984) com Giba Assis Brasil.
PEQUENAS COISAS DAQUELES VERDES ANOS
O texto abaixo foi escrito por Giba Assis Brasil, codiretor de VERDES ANOS com Carlos Gerbase, em 18 de julho de 1984. Portanto, dois meses após a estreia comercial do longa – que oi exibido, antes, no 12º Festival de Gramado, realizado em abril daquele ano.
- Já não sei mais o que escrever sobre o filme. Sentei, tentei umas três ou quatro abordagens diferentes, e sempre terminava em um texto que eu já tinha escrito – definiu Giba, antes de recorrer a “velhos cadernos”, como definiu, para desencavar as linhas que seguem.
Giba tinha 27 anos à época – idade próxima a de todo o grupo que embarcou na aventura de VERDES ANOS. Confira o seu relato.
PASSADO SEM NOSTALGIA
VERDES ANOS é um filme sobre pequenas coisas que, num determinado momento, aconteceram na vida da gente faz força para acreditar que não tinham importância nenhuma. Para mostrar essas coisas, a gente escolheu um grupo de pessoas entre 16 e 17 anos de idade, de várias classes sociais, e que têm em comum o fato de serem colegas numa turma de último ano de segundo grau, numa escola pública numa cidade do interior do Rio Grande do Sul. E situamos a ação num fim de semana lá por junho ou julho de 1972. Dentro do filme, essas pessoas, essa gurizada, vai disputar o jogo decisivo no campeonato de futebol de salão, vai colar numa prova de química, os meninos vão brigar pelas namoradas no baile, as meninas vão tentar ser eleitas rainhas do colégio, um dos meninos vai curtir uma paixão platônica pela professora de literatura, uma das meninas vai tentar desencadear a revolução sexual com o professor de educação física, e todos vão fazer força para imitar os adultos sem dar muita bola pro que os adultos tão pensando deles.
Algumas das piores coisas que estavam acontecendo no país naquela época vão passar por perto. Mas eles, a gurizada, não vão perceber nada disso.
Porque eles tão muito mais preocupados é com essas pequenas coisas que não transformam a vida de ninguém, mas que mesmo assim a gente tá tentando mostrar que eram extremamente importantes. E pelo menos um desses personagens vai chegar ao final do filme tendo descoberto um sentido e uma saída pra esse ciclo, e isso vai ser realmente muito importante pra vida dele. É claro que o filme é contado “de dentro”, sem nostalgia, sem chorar muito tempo perdido ou esquecido: a gente, a equipe e os atores que fizeram esse filme, considera que o nosso presente faz parte desses VERDES ANOS, seja qual for a cor de 1984. Giba Assis Brasil/Cineasta, professor e montador, codiretor de DEU PRA TI ANOS 70 (1980) e VERDES ANOS (1984), este último com Carlos Gerbase. O texto acima foi escrito na época da estreia do filme.
Fonte: Zero Hora/2º Caderno em 05/8/2016.