A SINFONIA DE UM PROGRESSO DESORDENADO
Vencedor de quatro troféus no Festival de Brasília (melhor direção entre eles), BRASIL S/A chega ao circuito, ou melhor, ao fiapo de mercado reservado ao cinema nacional que não repete a fórmula das “globochanchadas”. É um filme inusual de um diretor idem: se em PACIFIC (2009) o pernambucano Marcelo Pedroso reuniu vídeos dos passageiros de um cruzeiro rumo a Fernando de Noronha, agora abdica de diálogos para construir uma sinfonia da industrialização do Nordeste.
BRASIL S/A é um deleite para os olhos. Imagens bonitas captadas por uma câmera que se movimenta com leveza apresentam, de início, o trabalho de cortadores de cana-de-açúcar. Aos poucos, a cultura secular dos canaviais se modifica com a chegada das máquinas que substituem o esforço braçal, transformação que Pedroso registra com uma alusão à corrida espacial, como quem diz que não há limite para a automação e, ao mesmo tempo, a imaginação de quem está envolvido com ela.
Essa pretensão política e a narrativa sofisticada conduzem BRASIL S/A a um caminho um tantinho diferente daquele que guiou os mais delicados SUÍTE HAVANA (de Fernando Pérez, 2003) e AS QUATRO VOLTAS (Michelangelo Frammartino, 2010), outros ensaios sem diálogos que ganharam os cinemas recentemente. Pedroso afirma ter se inspirado em O HOMEM COM UMA CÂMERA (Dziga Vertov, 1929), e BERLIM, SINFONIA DA METRÓPOLE (Walter Ruttmann, 1927), mas a lembrança in escapável ao espectador é a de SÃO PAULO S/A (Luís Sérgio Person, 1965), o grande clássico brasileiro sobre a industrialização do país.
Assim como o longa estrelado por Walmor Chagas, BRASIL S/A reflete sobre o progresso desordenado, especialmente da região que circunda o Recife, que aparece a todo instante na trama – e de maneira particularmente poética nas sequências finais; Certas associações, algumas mais inspiradas do que outras, fazem pensar em um contexto maior (a mulher seminua conduzindo o balé das escavadoras, o motorista comendo hambúrguer ao volante). Tudo funciona e se complementa, graças, além da fotografia de Ivo Lopes Araújo, ao ritmo da ótima trilha de Mateus Alves. Nem sempre, no entanto, com a mesma força. A sinfonia do Brasil descontrolado de Marcelo Pedroso tem a ver com o próprio país: é bela, sedutora, porém desigual, irregular.
TRAILER: https://www.youtube.com/watch?v=4lvf5Sl7YXk
Fonte: Zero Hora/Daniel Feix (daniel.feix@zerohora.com.br) em 11/08/2016