UM PENSADOR MÚLTIPLO
Bernardet 80 analisa trajetória de um dos principais nomes da reflexão na cinematografia nacional em suas mais variadas facetas. Livro foi lançado no Festival de Cinema de Gramado.
Livro: Bernardet 80 – Impacto e Influência no Cinema Brasileiro
Organização de Ivonete Pinto e Orlando Margarido. Paco Ed./Abraccine, ensaios, 228 páginas.
A Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) tem publicado livros sobre diversas facetas do cinema no país. Em 2016, saiu, pela editora Letramento, 100 MELHORES FILMES BRASILEIROS. Em 2017, deve ser lançado pelo mesmo selo 100 MELHORES DOCUMENTÁRIOS BRASILEIROS. Figuras de destaque na crítica também merecem destaque – está previsto um volume sobre Ismail Xavier e, há pouco, foi publicado pela Paco Editorial BERNARDET 80 – IMPACTO E INFLUÊNCIA NO CINEMA BRASILEIRO, que celebra os 80 anos do multifacetado Jean-Claude Bernardet.
Organizado por Ivonete Pinto e Orlando Margarido, BERNARDET80 foi dividido em três seções que dão conta das áreas de atuação do homenageado: Pesquisa, Crítica e Realização. O livro é enriquecido com um anexo em que se registra a produção de Bernardet nos mais diversos meios: artigos, livros, filmografia como roteirista, ator, etc. Tudo, como se pode depreender, visa a oferecer u quadro geral do legado do pensador que nasceu na Bélgica, de família francesa, passou a infância em Paris, veio para o Brasil aos 13 anos e se naturalizou brasileiro em 1964.
Intelectual com trânsito na academia e na imprensa (foi crítico de O Estado de S.Paulo e professor da USP), Bernardet teve uma capacidade invulgar de percepção do cinema, que serviu de farol para cineastas e estudiosos ao longo das últimas décadas.
Na seção Pesquisa, destaco os textos de Lucia Nagib e Mateus Araújo. O foco da reflexão da primeira é a dificuldade de penetração do pensamento de Bernardet no universo anglófono. Ela faz indicações, esboça explicações e lamenta que, ao contrário de Ismail Xavier, Bernardet não tenha merecido destaque no Reino Unido. Já Araújo faz o levantamento de sua recepção fora do Brasil, destacando que esta ainda está por ser dimensionada. Sua ênfase, de qualquer forma, é para o papel que Bernardet tem em nosso cenário cultural ao lado de outros emigrados europeus, como Otto Maria Carpeaux e Roger Bastide.
A seção Crítica reserva aos leitores textos de Daniel Feix, Luiz Zanin e Orlando Margarido. Feix realça que Bernardet é um raro intelectual com trânsito na academia e na imprensa que, nesse movimento, assume posições de risco que dão caráter singular às suas manifestações. É assim que devem ser entendidas suas afirmações heterodoxas, por exemplo, sobre as “globochanchadas”. Controverso, polêmico e imprevisível, para Zanin, Bernardet é uma metamorfose ambulante. Essa é igualmente a linha do texto de Margarido, que lembra a posição de Bernardet sobre a “irrelevância” de filmes brasileiros que, a despeito da boa aceitação entre os críticos, não conseguem alcançar o grande público.
Na seção Realização, há certa irregularidade no conjunto de textos, que oscilam entre o depoimento pessoal e incursões teóricas. A se pensar o corpo do livro, os escritos de Tata Amaral, Kiko Goifman e Cristiano Burlan são muito pessoais: revelam curiosidades deles no trato com Bernardet, servindo para que o leitor tenha um retrato de seu carisma, mas confinando-o a idiossincrasias de comportamento, o que faz de Bernerdet, antes de um pensador, um enfant gâté.
Bem diversos, embora incluídos na mesma seção, estão textos de Ismail Xavier e Arthur Autran. Xavier, num artigo curto e denso, observa o movimento nos escritos de Bernardet batizado pelo ensaio e pelo debate em torno da autoria no cinema. Para Xavier, trata-se de um refinado ensaísta que toma o cinema como um caminho para pensar a política. Já Autran, com uma análise mais pausada, mostra como o autor homenageado questiona os pressupostos de uma historiografia do cinema brasileiro.
Bernardet 80, no fim das contas, é um projeto a ser louvado. Um lançamento que pode impulsionar debates em nosso cenário cultural e que, por isso, constitui uma iniciativa importante no contexto do pensamento sobre o cinema nacional.
Fonte: Zero Hora/doc/Humberto Pereira da Silva/Crítico de cinema, professor de filosofia na FAAP/SP em 20/08/2017.