POESIA CRÍTICA
MÚSICA CHICO CÉSAR
Menos de um ano após sua mais recente passagem por Porto Alegre, o compositor Chico César retorna à Capital gaúcha para espetáculo hoje à noite. (em 27/01/2016). E, se em 2015 sua visita ao Estado ocorreu dentro da turnê de 26º Prêmio da Música Brasileira, que teve Maria Bethânia como homenageada, desta vez o artista vem divulgar seu mais recente disco.
Baseada no álbum ESTADO DE POESIA (2015), a apresentação ocorre no Teatro do Bourbon Country e demais informações sobre o show...
O registro quebra um hiato em que o músico ficou oito anos sem colocar um compacto de inéditas no mercado. Deste período, seis anos foram dedicados à gestão pública: o cantor foi diretor da Fundação Cultural de João Pessoa e Secretário de Estado da Cultura na Paraíba – onde nasceu. Durante essa fase, chegou a passar por uma espécie de bloqueio até que surgiu a canção PATCHULI, a qual acabou sendo gravada por Elba Ramalho. “Ali, eu vi que estava começando a voltar a compor”, relembra.
Conforme o próprio Chico César, a vida na política aguçou sua percepção das contradições “entre a pujança criativa e a relativa pobreza de meios de produção”, além de mexer com seus sentidos de afeto e da criação. Como resultado, escreveu um álbum engajado e cheio de musicalidades distintas. “Depois de ficar muito tempo sem compor, estou, até certo ponto, reivindicando meu lugar. É como me coloco no mundo, como compositor”, explica ele, ressaltando que o mundo precisa de “mais troca” para viver um estado de poesia.
No disco, o paraibano se reveza entre abordagens pessoais e um discurso explícito sobre questões sociais. Um exemplo da faceta política está em REIS DO AGRONEGÓCIO. Nos versos dedilhados dos 11 minutos da canção, aparecem frases como “Vocês que pilham, assediam e cobiçam / A terra indígena, o quilombo e a reserva” ou “Vocês já não tão nem aí com aquelas vidas / vejam como é que o agrobusiness humaniza”. A composição é uma colaboração com Carlos Rennó e uma das únicas faixas a não ser assinada exclusivamente pelo paraibano – a outra é QUERO VIVER, parceria póstuma com Torquato Neto.
Já o racismo e a hipocrisia no Brasil são denunciados em NEGÃO, na qual o ritmo embalado do reggae contrasta com o teor crítico das palavras do autor: “Negam que aqui tem preto, negão / Negam que aqui tem preconceito de cor”.
“Reggae virou um gênero meio de surfista, com essa coisa de namorinho. Mas a matriz traz questões negras, reivindicações”, relembra ele.
As duas faixas integram o que o músico chama de lado B de ESTADO DE POESIA. Enquanto essa segunda metade do registro aborda o lado mais engajado de Chico César, a metade inicial é voltada para o seu interior. É nessa face mais introspectiva que se encontra a canção-título, originalmente feita sob encomenda para Bethânia. “Para viver em estado de poesia / Me entranharia nestes sertões de você / Paradeixar a vida que eu vivia / de cigania antes de te conhecer”, canta o músico, que tem um cuidado especial com as palavras.
“É em torno dela que a coisa se mexe, que vem a melodia. É por sua causa que vêm a instrumentação e arranjos”, afirma, completando: “Às vezes, fico procurando a sonoridade que a palavra pede. Às vezes, compondo, me faltam palavras, e aí preciso criar alguma, nem que seja para usar em uma só canção”.
Com samba, forró, frevo e toada, o disco tem produção do próprio artista, em parceria com Michi Ruzitscha, e foi contemplado pelo edital Natura Musical. A distribuição física ficou por conta da Pommelo Distribuições, enquanto a digital é responsabilidade do Laboratório Fantasma – em um modelo de parcerias que o músico considera adequado ao mercado atual. Já o show, meio ano após o lançamento do disco, “está maduro”, segundo o paraibano. “Poder mostrar músicas novas é uma conquista para mim”, finaliza.
Fonte: Jornal do Comércio/Ricardo Gruner em 27 de janeiro de 2016.