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Pedaço duma Asa: Disco de Mariana Aydar
Pedaço duma Asa: Disco de Mariana Aydar

UM SAMBA SÓ LÂMINA

 

Novo disco da cantora Mariana Aydar, “Pedaço duma Asa” faz cruzamento entre música, arte e poesia com composições assinadas pelo multiartista Nuno Ramos.

 

Música, poesia, artes visuais.  Em algum lugar nesse entremeio situa-se PEDAÇO DUMA ASA, disco recém-lançado pela cantora Mariana Aydar com composições assinadas pelo artista e escritor Nuno Ramos.  Filha do músico Mário Manga, integrante do grupo Premê, e da ex-produtora musical Bia Aydar, a intérprete paulistana coloca o holofote em seu quarto álbum sobre a faceta de compositor do polivalente Nuno – pintor, desenhista, escultor, escritor, poeta, ensaísta, cineasta e cenógrafo, formado em filosofia pela Universidade de São Paulo.  Vencedor de dois prêmios Portugal Telecom de Literatura – em 2009, levou a distinção principal com o romance Ó, já em 2012 ganhou na categoria poesia com JUNCO –, o multiartista provou no novo trabalho de Mariana que também é bom de canção.

- Eu conhecia o Nuno pelos discos do Romulo Fróes, adorava a música ATRÁS DESSA AMIZADE.  Em 2007, no Festival de Arte da Serrinha (em Bragança Paulista), assisti uma palestra dele de artes plásticas.  Mas eu não sabia que ele também era artista, nem achava que fosse brasileiro, porque ATRÁS DESSA AMIZADE tem muito de fado.  O Nuno tem esse DNA do samba – relembra a cantora em entrevista ao PrOA.

 

 

O cantor e compositor Romulo Fróes foi assistente de Nuno em seu ateliê por 16 anos.  CALADO (2004), primeiro disco de Fróes, incluía também composições de Nuno e do artista visual Clima – pseudônimo de Eduardo Climachauska.  É essa trinta de criadores paulistanos que imprime a cor de PEDAÇO DUMA ASA:  além de músicas próprias de Nuno, as 12 faixas do CD trazem parcerias dele com Fróes e Clima.  A referência para os temas tortos do disco parece ser o samba com travo melancólico de Nelson Cavaquinho e Paulinho da Viola, temperado por um olhar informado pela poesia sem plumas de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Murilo Mendes.

- Acho que há um tabu com  relação ao samba e ao forró, que é o universo de onde eu venho:  parece que não se pode mexer nisso, samba tem que ser tamborim e pandeiro.  Mas o samba para mim é um espírito.  Não importa o que esse espírito está vestindo.  A gente não tem muito medo de mudar essa roupa, mas respeitamos e amamoa o samba como qualquer sambista.  Eu sempre gostei dos sambas mais tristes, mesmo no trabalho do Zeca Pagodinho.  O Nuno, o Romulo e o Clima têm essa visão da tristeza do samba, que é de uma beleza infinita – explica Mariana, que é uma das diretoras e produtoras do documentário DOMINGUINHOS (2014), sobre o cantor, compositor e sanfoneiro pernambucano.

 

Os diálogos de Nuno Ramos com a poesia brasileira moderna renderam uma exposição atualmente em exibição em Canoas:  com curadoria de Paulo Venâncio Filho, a mostra SÓ LÂMINA – em cartaz na casa das Artes Villa Mimosa – traz 11 telas de grande porte e uma instalação sonora inspiradas no poema UMA FACA SÓ LÂMINA, de João Cabral de melo Neto.  No projeto PEDAÇO DUMA ASA, a participação de Nuno extrapolou o campo sonoro:  o artista assina as obras reproduzidas na capa do álbum, além de ter criado instalações específicas para as apresentações do show com esse repertório.  No Rio, por exemplo, estátuas vivas de um saci e de um soldado de chumbo equilibravam-se em cima de instrumentos de percussão; já em São paulo, Mariana caminhava no palco sobre latas, adentrando um jardim montado no palco com 365 girassóis e duas toneladas de terra.

- Tenho uma dúvida de como isso vai prosseguir, porque não é prático para viajar.  Não será possível levar a todos os palcos, mas quero levar pelo menos para alguns.  Foi uma experiência estar convivendo com essa força do Nuno de ter a liberdade total de fazer qualquer coisa, de maneira inusitada.  Ele concebeu o palco dos girassóis como um lugar sagrado, que ninguém podia pisar.  Ele queria que eu entrasse com pernas-de-pau, mas daí já era demais – diverte-se a cantora.

 

 

Foi em uma instalação artística, aliás, que nasceu a primeira colaboração entre Mariana e Nuno:  em 2008, a vocalista gravou a música CARCARÁ para a instalação BANDEIRA BRANCA – obra que causou polêmica na Bienal de São Paulo de 2010 por conta dos urubus vivos que integravam o trabalho.  PEDAÇO DUMA ASA tem produção musical de Duani, multi-instrumentista casado com Mariana, com quem trabalha há mais de 10 anos.  O resultado harmoniza os timbres contrastantes das guitarras e do baixo com a percussão de atabaques e surdos, criando uma sonoridade ao mesmo tempo rebuscada, dissonante e primitiva.  Uma busca por essência que Mariana define em uma frase:

- Queria fazer algo cru.

 

PEDAÇO DUMA ASA

(Nuno Ramos)

Tiraram meu defeito

De dentro do meu peito

Disseram teu defeito

É só amar

Melhor agir bem rápido

Me disse a junta médica

Tememos, você muito sofrerá

Eu digo pra esses caras

Não vêm tudo que eu quero

É só amar e amar

Eu vi o amor brilhar

Pedaço duma asa

Parecia carnaval

 

Zumbido em meu ouvido

A voz que me dizia

Saber de mim o

Que eu já sabia

Não sei tudo o que eu sonho

Talvez o que eu componho

Responda ao que eu

Não sei mas sei, seria

Maior que a natureza

Que o som e que a beleza

Que arte, o canto, o sol

E o bem maior, bem maior

Eu vi o amor cantar

A mortalha da beleza

Parecia um ensaio geral

 

Fonte:  ZerozHora/Caderno PrOA/Roger Lerina (roger.lerina@zerohora.com.br) em 15/11/2015