NA ESTRADA COM OS ENGENHEIROS
Jornalista de ZH, ALEXANDRE LUCCHESE conta a história da banda que consagrou o rock gaúcho no Brasil nos anos 1980 no livro INFINITA HIGHWAY – UMA CARONA COM OS ENGENHEIROS DO HAWAII.
Não era para nevar em Porto Alegre. Não era para uma atriz do quilate de Catherine Deneuve visitar a capital gaúcha. E não era mesmo para uma banda chamada Engenheiros do Hawaii, influenciada por Pink Floyd e Albert Camus, alcançar algum êxito fora daqui. Contrariando todas as expectativas, tudo isso aconteceu e está em INFINITA HIGHWAY – que ao invés de UMA CARONA COM OS ENGENHEIROS DO HAWAII, poderia ter como subtítulo UMA BIOGRAFIA DO IMPROVÁVEL.
Lançado em outubro pela editora Belas Letras, o próprio livro não deveria existir. Seu autor, Alexandre Lucchesse, era apenas um calouro na faculdade de Jornalismo quando começou a pensar que a história do grupo gaúcho era digna de ser contada. Uma ideia até meio óbvia, uma vez que os Engenheiros do Hawaii são a banda mais bem-sucedida da história do Rio Grande do Sul em qualquer quesito ou gênero. Não seria surpresa, portanto, que alguém já estivesse debruçado sobre o tema – e o lançamento de uma biografia era questão de tempo.
Mas surpresa mesmo ele teve no final de 2014, trabalhando em um especial sobre os 30 anos da banda para o Segundo Caderno. Durante a fase de apuração, Lucchese notou que ninguém havia escrito nada de substancial sobre os Engenheiros do Hawaii. Era uma janela de oportunidade boa demais para ser desperdiçada.
- Sempre pensei que os Engenheiros dariam uma grande história, especialmente por conta de seus personagens – explica Lucchese. – E, não apenas por causa de quem eles eram, mas o que se tornaram depois. O Augustinho Licks é um guitarrista que hoje não toca mais e evita falar sobre o assunto, o Humberto Gesssinger é um poeta com jeitão meio de Peter Pan e o Carlos Maltz virou astrólogo.
O recorte escolhido por Lucchese vai de meados dos anos 1980 até a segunda metade dos anos 1990, período em que a formação clássica dos Engenheiros (Gessinger no baixo, Licks na guitarra e Maltz na bateria) cruzou o Mampituba para ganhar não apenas o Brasil, mas o mundo – incluindo partes dele em que ninguém ousava pisar, como a então União Soviética. Com o fim do trio original e o rompimento musical definitivo de Gessinger e Maltz, é inaugurada uma nova fase na banda que Lucchese preferiu não abordar.
- Cheguei a conversar com gente de outras formações, mas é outra história, que renderia outras 300 páginas – aponta.
E o que não faltam nas mais de 300 páginas de INFINITA HIGHWAY são histórias. Histórias de como um trio de músicos praticamente amador, de uma capital do extremo sul do país, sem qualquer apadrinhamento de gravadora ou amigos na mídia do centro do país, conseguiu se tornar um dos principais nomes da música pop do Brasil. Com meros dois anos de vida, os Engenheiros saíram de um show na faculdade de Arquitetura da UFRGS para ganhar Disco de Ouro pelas 100 mil cópias vendidas de “Longe demais das capitais” (1986), seu disco de estreia, e a partir dali frequentar os maiores palcos do país.
Claro que o período de vacas gordas ajudou – e Lucchese contextualiza muito bem o quanto as gravadoras, na época, tinham muito mais dinheiro e vontade para investir do que hoje (incluindo em bandas com nomes bizarros do Rio Grande do Sul). O texto também deixa claro que ser um Engenheiro do Hawaii não era moleza – a banda colecionava desafetos dentro e fora da cena musical, em parte por conta de uma postura excessivamente defensiva, em parte por não fazer questão de se encaixar. Diz Maltz logo no início do livro: “Nós não éramos Brothers de ninguém, nem de nós mesmos. Éramos completamente outsiders”.
Internamente as coisas também eram complicadas, como atestam as saídas até hoje polêmicas de Marcelo Pitz, o baixista original, e Licks, o guitarrista da fase áurea. Tão complicadas que o primeiro se recusou a falar e o segundo, pouco acrescentou ao que já se sabia.
Além dos integrantes dos Engenheiros, dezenas de profissionais e familiares que cercaram os músicos foram entrevistados. Mas uma das grandes sacadas da obra foi dar voz a quem realmente sustentou toda essa história: os fãs. São quatro relatos que comprovam a narrativa do improvável construída por Lucchese. Um deles, o operador de circuito interno de televisão Edvalci Nascimento, descobriu a banda ouvindo o rádio à pilha do pai quando morava na Zona da Mata de Pernambuco. Ficou tão fascinado que, anos depois, decidiu batizar o filho como Licks. Por um erro do cartório, o garoto foi registrado como Links – hoje, um fã de carteirinha dos Engenheiros. Não era para acontecer. Mas aconteceu. E está em INFINITA HIGHWAY, a biografia do improvável.
Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno/Gustavo Brigatti (gustavo.brigatti@zerohora.com.br) em 19/09/2016