LÉ COM CRÉ
Encantando filhos e pais há 20 anos, Palavra Cantada comemora trajetória com novos DVDs e relançamentos. “Sandreca” e “Pauleco”: obra autoral, com temas atuais – ou recorrentes há gerações – e sonoridade contemporânea é a receita do sucesso da dupla.
Onde quer que Sandra Peres e Paulo Tatit – mais conhecidos como Palavra Cantada – se apresentem, esteja certo de que uma multidão de crianças e pais irão segui-los. Criado pelos dois cantores, compositores e músicos em 1994, ano do lançamento do primeiro álbum da dupla, Canções de Ninar, o projeto tornou-se um fenômeno, com ingressos para shows permanentemente se esgotando – e em alguns casos em poucas horas. O segredo desse sucesso todo? Em entrevista em seu lúdico ateliê, na Vila Madalena, em São Paulo, Sandra e Tatit arriscam alguns palpites.
- São vários motivos. Acho que o principal deles é que a sociedade mudou em relação aos filhos mais ou menos quando a gente começou. Porque, quando começamos, pensávamos em fazer música para criança, mas não sabíamos que teria uma adesão do pai e da mãe assim tão forte – pondera Paulo Tatit.
- Aderem os pais e os professores. No segundo disco [Canções de Brincar, de 1996], os professores pegaram as nossas músicas e levaram para a sala de aula – completa Sandra, e Tatit continua: - Acho que antigamente os pais eram mais preocupados com a escolaridade. Colocavam os filhos na escola, boa ou a que dava, e pronto. Mas você vê hoje em dia, em todas as classes sociais, que a família ficou mais ligada na formação cultural da criança. A gente não tinha isso.
Outro mérito da dupla “Sandreca” e “Pauleco” é ter desenvolvido uma obra autoral, com temas atuais – ou recorrentes há gerações – e sonoridade contemporânea. Composições assinadas por eles e também feitas em parceria com outros autores. São como pequenas histórias, divertidas, criativas e sem necessariamente serem didáticas. Mesmo quando eles revisitam antigas composições, a roupagem é de vanguarda. Tatit conta que isso ocorreu naturalmente. Quando ele e Sandra pensaram em fazer o primeiro disco, sentiram necessidade de criar um outro repertório, porque o que eles tinham em mãos até então eram praticamente quatro ou cinco músicas brasileiras de ninar.
- Eram todas elas ligadas a campo, na roça, todas assustadoras. Então, a gente pensou em um disco para aqui, e ver como você coloca essas crianças de hoje de São Paulo para dormir – diz Tatit. – Mesmo quando fomos fazer o Canções do Brasil, que foi uma pesquisa que realizamos de 1998 a 2001, íamos atrás de canções regionais brasileiras que fossem cantadas hoje, não do folclore antigo.
Além disso, lembra Sandra, a trajetória de ambos como compositores reforçou a essência do autor nesse projeto em dupla.
- A gente não ia se contentar em reproduzir – afirma ela. – O autor compromissado, um pouco mais criterioso, que julgo ser o nosso caso, tem uma super-responsabilidade com o que faz. Então, a gente nunca se contentou em fazer qualquer coisinha. Pode até ser um simples arranjo de violão, mas tem uma essencialidade ali exposta naquele arranjo que veio do nosso coração.]
Sandra e Tatit iniciaram as comemorações de 20 anos da Palavra Cantada no ano passado, mas as celebrações se intensificaram neste ano. Acaba de ser lançado o box Palavra Cantada – 20 Anos, reunindo cinco DVDs de sucesso da dupla: Pé com Pé (2006), Canções do Brasil (2009), Brincadeiras Musicais (2011), Vem Dançar com a Gente (2011) e Pauleco e Sandreca (2013). Neles, canções bem populares da dupla, como Criança Não Trabalha (Paulo Tatit/Arnaldo Antunes), Bolacha de Água e Sal (Sandra Peres/Paulo Tatit), Sopa (Sandra Peres), Rato (Paulo Tatit/Edith Derdyk), Vambora (Paulo Tatit) e Carnaval das Minhocas (Sandra Peres/Zé Tatit), ganharam versões “visuais”, incluindo apresentações da dupla em shows e clipes. Outro box, também previsto para ser lançado este ano, reunirá todos os discos da carreira.
O pacote de aniversário inclui ainda a atualização do aplicativo Brincando com Palavras, com novos vídeos e jogos; dois novos DVDs de Brincadeiras Musicais, com material inédito, voltados para crianças de dois a quatro anos, com previsão para o segundo semestre; e o lançamento, ainda neste mês (julho), do novo DVD Cantigas de Roda, que servirá de base para os próximos shows. Esse DVD traz dez clipes animados, inspirados em canções selecionadas por Sandra e Tatit que estão no disco homônimo deles, lançado em 1996 – e que reúne cantigas folclóricas brasileiras, como A Canoa Virou e Pombinha Branca.
- O Cantigas de Roda é um divisor da nossa carreira no sentido da popularização da Palavra Cantada, porque, quando a gente fez esse disco, não havia tantas possibilidades de conexões, não tinha internet – diz Sandra.
Quem não conhecia a Palavra Cantada comprou aquele CD atraído pelas músicas conhecidas, conta a compositora, mas acabou querendo conhecer mais sobre a dupla.
- É muito importante para a gente poder lançar o DVD do Cantigas, porque o suporte da sociedade moderna é a imagem. Assim, nada mais natural do que termos uma série de animação em que as músicas que tínhamos gravado lá em 96 fossem passadas para imagem – ela completa.
COMO TUDO COMEÇOU
Sandra Peres e Paulo Tatit se conheceram num curso de música, em 1989. Tatit, vindo do grupo Rumo, já trabalhava com trilhas. Sandra havia feito faculdade de Música, com forte formação em música erudita. Os dois se sentavam lado a lado durante as aulas e, enquanto seu colega não chegava, Sandra lembra que puxava o caderno de Tatit e escrevia “oi, sócio”.
E a parceria veio. Primeiro, na composição, em dupla, de trilhas. O reforço de Sandra nessa área de atuação foi importante, porque Tatit não tocava teclado e ela, pianista, sim. Ficaram quatro anos fazendo trilhas para teatro, dança, telecurso, radionovela, comerciais. Dois músicos com estilos e temperamentos diferentes que se complementavam. O erudito e o popular. A melancolia e a brincadeira.
O projeto Palavra Cantada surgiu em 1994.
- Estávamos atendendo a muitas trilhas e resolvemos então nos atender: vamos fazer música mais experimental, vamos ver o que acontece – conta Sandra.
O disco Canções de Ninar resultou desse desejo, que ganhou destaque na imprensa e chegou ao conhecimento do grande público. De uma mesinha que conseguiu na agência do Correio no Ceasa, Sandra lembra ter enviado 8 mil CDs para quem comprou o trabalho. Depois, o disco seguiu o caminho das livrarias e das lojas. O inesperado sucesso fez com que a dupla continuasse investindo no público infantil, devagar e sempre.
As trilhas continuaram até 2000, mas há pelo menos dez anos a palavra cantada passou a exigir exclusividade da dupla. Depois de tanto tempo, eles sentem falta de fazer outros projetos? Ambos garantem que não.
- Já fiz música para adulto, mas faz muito tempo que não faço. A cabeça vai indo para o infantil porque você sabe o que fazer com aquilo – responde Tatit. – Você pode experimentar, porque não está segmentado no mercado. E a criança está sempre aberta às novidades.
Fonte: Revista Donna/ZH de 19/07/2015