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Celulares: Risco para o Corpo e para a Mente
Celulares: Risco para o Corpo e para a Mente

RISCO PARA O CORPO E PARA A MENTE

Como o uso excessivo do celular pode prejudicar a saúde de adultos e crianças

5,3 horas: Foi o tempo gasto diariamente, em 20223, por brasileiros em aparelhos móveis.  Com a Arábia Saudita e Singapura, o Brasil foi o segundo país com maior uso diário, atrás da Indonésia (5,7) e à frente da Coreia do Sul (5)

 

Na metade de 2018, o desenvolvedor de software Jaydson Gomes, 38 anos, saiu em uma viagem de férias depois de quatro anos sem períodos de descanso.  Mas, no primeiro dia, percebeu que navegava no celular pelo feed do Instagram ao invés de descansar.  Na época, às vésperas de eleições, ele se sentia estafado com a desinformação e a violência dos debates acirrados que lia nas redes sociais.

— Lá estava eu, em um lugar maravilhoso, mas querendo ver o que as pessoas falavam, ou que elas vissem onde eu estava e o que fazia – relembra Gomes, que na hora deletou as contas que tinha no Facebook, Twitter e Instagram para seguir viagem sem postar nada.

 

Sair das redes causou abstinência por um tempo pela angústia de não ver as fotos postadas pelos amigos ou os debates quentes na internet, conta o desenvolvedor.  Isso porque, para ele, as redes sociais aliviam momentos de "microtédio", mas na prática deixam as pessoas mais ansiosas.  Ao abandoná-las, Gomes diz que deixou de passar entre três e quatro horas diárias no celular para se dedicar a Hobbies, como o canto e a leitura.

— O modelo de negócios das redes sociais é (monetizar) a atenção das pessoas, então não é por acaso que ficamos presos em um feed.  Isso foi feito por design, baseado em estudos, com algoritmos feitos conscientemente por essas empresas para ficarmos dentro dessas redes consumindo – afirma o desenvolvedor, que abandonou as redes sociais por também achar antiético o modo como elas são programadas.

 

Hoje, por exemplo, os brasileiros estão entre os que mais gastam tempo ao celular.  No índice global, o país ocupa o segundo lugar, empatado com Arábia Saudita e Singapura.  Em 2022, foram cerca de 5,3 horas diárias de uso por morador do Brasil, em média.  Os dados são da consultoria data.ai, que publica anualmente o relatório State of Mobile sobre o uso de dispositivos móveis no mundo inteiro.

 

Um estudo publicado em janeiro deste ano na revista Journal of Technology in Behavioral Science, da Nature, acompanhou por três meses 50 universitários que usavam redes sociais no dia a dia e pediu a parte deles para reduzir o acesso.  Em comparação ao grupo-controle que manteve o uso regular do aparelho, quem cortou horas de tela aliviou sensações de solidão e depressão, além de sentir melhoras na imunidade e no bem-estar geral.

 

Para além das redes sociais, o uso intensivo de celulares também pode estar relacionado ao vício em jogos digitais.  Desde 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o abuso de videogames uma forma de dependência da mesma classe que a ludopatia, o vício em apostas.  O uso excessivo de celulares, no entanto, ainda não é reconhecido como uma forma de vício, apesar de estar associado a uma série de danos à saúde mental, ortopédica e oftalmológica.

 

TEXT-NECK, A SÍNDROME DO PESCOÇO DE TEXTO

 

Pesquisadores brasileiros publicaram em janeiro deste ano, na revista CIENTÍFICA Healthcare, da MDPI, um estudo que associou o uso de celulares por mais de três horas diárias à dor nas costas entre adolescentes dos 14 e 18 anos.  O problema já é conhecido por ortopedistas, que até já cunharam o nome de text-neck, ou síndrome do pescoço de texto, para as dores causadas pela má postura ao se usar o celular por longas horas.

— Quando ficamos com a coluna para a frente olhando uma tela, o peso da cabeça aumenta pelo efeito de braço de alavanca que isso acarreta.  Então há uma sobrecarga da coluna cervical que inicialmente gera dores musculares e o uso repetitivo traz um desgaste prematuro da coluna, que leva à artrose e a hérnias de disco, agravados pelo uso repetitivo do celular – explica o médico ortopedista Alexandre Fogaça, chefe do grupo de coluna do Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

 

Na avaliação de Fogaça, usar telas na altura dos olhos para forçar menos a coluna pode prevenir o problema, assim como a prática de atividades físicas para preparar a musculatura para a tensão cotidiana.  Ainda assim, apesar do alívio às costas, os ombros, cotovelos e punhos permanecem vulneráveis, o que pode levar a tendinites.

— Piorou muito durante a pandemia.  As pessoas foram para home office e nem sempre tinham laptop, adaptação em casa, cadeira adequada, suporte para computador ou tela na altura dos olhos – lamenta o ortopedista, que também é secretário-geral da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot).

 

A proximidade das telas com os olhos também levou a um aumento em distúrbios de visão, principalmente a miopia.  Um estudo do Conselho Brasileiro de Oftalmologia de 2021 apontou que 70% dos médicos da área relataram um aumento nesse tipo de diagnóstico em crianças e adolescentes durante a pandemia.

— Temos um mecanismo nos olhos semelhante ao foco da máquina fotográfica, chamado de acomodação.  Quando usamos a visão de perto, o músculo dos olhos precisa trabalhar mais para manter a imagem nítida, o que leva a alterações bioquímicas que fazem o olho alongar – diz a médica oftalmologista Atauine Lummertz, do corpo clínico do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), ao explicar que é esse alongamento ocular que causa a miopia.

 

Segundo estimativas de pesquisadores australianos, mais da metade da população mundial será míope até 2050 e por volta de 105 terá alta miopia, índice acima dos seis graus.  A hipótese apontada pelos cientistas para a tendência é o maior tempo que as pessoas permanecem no interior de casas, salas e escritórios, bem como o uso excessivo de aparelhos eletrônicos.  Em ambos os casos, a proximidade com os objetos é parte da explicação.

 

EFEITOS SENTIDOS NOS CONSULTÓRIOS PEDIÁTRICOS

 

A luz da tela de celulares confunde o mecanismo que nosso cérebro usa para diferenciar o dia da noite, o que pode levar a dificuldades para adormecer e atrasar a produção fisiológica dos hormônios que nos ajudam a dormir.  Um estudo saudita publicado em 2019, por exemplo, identificou que a qualidade do sono diminui proporcionalmente ao tempo de uso do celular à cama.  Ou seja, o uso excessivo do celular à noite pode trazer uma série de riscos à saúde em decorrência da privação de sono.

— No curto prazo, o indivíduo fica mais cansado, sonolento, irritado, com mais chances de acidentes e erros de cognição no dia seguinte.  No médio e longo prazo gera alteração metabólica, ganho de peso, resistência à insulina, hipertensão arterial, baixa imunidade, transtornos de humor, como depressão.  Entre adolescentes, o rendimento escolar fica inferior ao potencial, ele cochila nas aulas e não quer fazer atividade física – relata a médica neurologista Andrea Bacelar, diretora da Associação Brasileira do Sono (Absono).

 

Andrea ressalta que, além das questões oftalmológicas e de sono, o uso excessivo de celulares também tem afetado os vínculos afetivos de crianças, que em alguns casos estão ficando mais individualistas e com pouco contato físico no dia a dia, o que pode dificultar o aprendizado infantil em como interagir e socializar.

 

As repercussões do uso nocivo já têm chegado aos consultórios pediátricos.  Dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apontam que 93% dos brasileiros com idade entre nove e 17 anos são usuários de internet, principalmente para assistir vídeos e acessar redes sociais.  Em 52% dessas crianças, o celular foi o único dispositivo utilizado para o acesso, índice que cresce para três a cada quatro menores de idade entre aqueles das classes D e E.

— Qual a estratégia das plataformas, desenvolvedores e provedores?  Eles querem o cérebro dessa criança.  Usam cor, música, ruído, movimento de tela, imagens, para atrair a curiosidade. Também a impulsividade por meio de recompensas, como pontos, likes e seguidores.  O que a criança deveria fazer em vez de ficar na frente da tela?  Atividade física, , ir para um parque, jardim, caminhar com os pais e por aí vai – diz a médica pediatra Evelyn Eisenstein, coordenadora do grupo de trabalho "Saúde na Era Digital" da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

 

Evelyn ressalta que, de acordo com o CGI.br, mais da metade dos pais não sabem o que seus filhos fazem na internet, o que traz riscos à proteção da criança, que pode estar vulnerável a conteúdos maliciosos.  Além disso, a pediatra também critica o uso de telas como "babá-eletrônica" por parte de responsáveis.

— É uma distração passiva.  Tá no restaurante e, no lugar de dar à criança um papel, lápis de cera, crayon, se entrega um celular para ela ficar girando o dedo.  A criança não é um miniadulto.  O cérebro dela está em desenvolvimento, com toda a parte das emoções amadurecendo.  Então volta a questão: quem produz vídeos e desenvolve jogos para crianças quer o quê?  Eles usam o cérebro da criança de um modo lucrativo – alerta Evelyn.

 

AMEAÇA PARA A CERVICAL

 

 

 

— Não há consenso sobre qual seria o tempo de uso do celular considerado "exagerado", mas índices acima das duas ou três horas de utilização diária do aparelho já são considerados excessivos por alguns médicos.  É recomendado também fazer pausas periódicas durante longas horas de uso e passar um mínimo de 20 minutos diários no sol.

 

— Para dores nas costas e no corpo, é importante manter telas, inclusive do celular, na altura dos olhos para evitar o "text-neck" – caracterizado pela cabeça inclinada para frente com a vista direcionada para baixo, o que força a coluna.  Nesses casos, o uso moderado do celular pode, além de evitar dores no corpo, beneficiar a visão.

 

— Quem não sai do escritório pode ir para a janela e observar o fim de uma rua, uma árvore distante ou simplesmente fechar os olhos.  Quando fechamos, o músculo ocular deixa de contrair e também relaxa.  Intervalos periódicos no tempo de tela ajudam a evitar a progressão da miopia.

 

— Recomenda-se manter regularidade no horário de deitar e levantar, inclusive nos finais de semana, e estabelecer um horário para deixar de usar o celular antes de dormir.  Fora a luz da tela, a sensação de "alerta" de estar conectado nas redes sociais também pode prejudicar o sono, o que impede a pessoa de "desacelerar" antes de dormir.

 

— Se algumas pessoas não são disciplinadas para não usar, o telefone não deve nem estar no quarto.  Outra dica é colocar uma hora antes de dormir em modo avião e dizer "ok, agora desacelero".  Também é importante colocar o modo noturno, que usa uma tela com luz amarelada que filtra a luz azul, minimizando o impacto no hormônio do sono.

 

PESQUISA BRASILEIRA MOSTRA IMPACTO NA COLUNA DE ADOLESCENTES

Por Riccardo Muniz / Agência Fapesp

 

Com a popularização de dispositivos como celulares e tablets e a multiplicação de canais de vídeos, jogos e aplicativos educacionais, crianças e adolescentes têm passado cada vez mais tempo em frente de telas.  E, nesses momentos, é comum adotarem posturas inadequadas, que podem causar, entre outros problemas, dores na coluna vertebral.

 

Estudo publicado na revista científica Healthcare identificou diversos fatores de risco para a saúde da coluna, como o uso de telas por mais de três horas ao dia, a pouca distância entre o equipamento eletrônico e os olhos, a utilização na posição deitada de prono (de barriga para baixo) e também na posição sentada.  O foco do estudo foi a chamada dor no meio das costas (thoracic back pain, ou TSP).

 

Foram avaliados 1.628 estudantes de ambos os sexos entre 14 e 18 anos de idade, matriculados no primeiro e no segundo ano do Ensino Médio, período diurno, na área urbana de Bauru (SP), que responderam a um questionário entre março e junho de 2017.  Destes, 1.393 foram reavaliados em 2018.  A pesquisa constatou que as dores na coluna ocorrem mais nas meninas do que nos meninos.

 

TSP é comum em diferentes grupos etários na população mundial.  Estima-se que afete de 15% a 35% dos adultos e de 13% a 35% de crianças e adolescentes.  A pandemia de covid-19 e a consequente explosão no uso de eletrônicos seguramente agravaram a incidência do problema.  Fatores de risco físicos, fisiológicos, psicológicos e comportamentais ou uma combinação destes estão associados à TSP, de acordo com várias investigações.  Há também fortes evidências dos efeitos da atividade física, comportamento sedentário e saúde mental na saúde da coluna vertebral.  Todos esses fatores foram considerados críticos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em sua mais recente revisão global de evidências e diretrizes.

— Esse trabalho pode ser utilizado para implementar programas de educação em saúde nos diversos níveis escolares, visando capacitar estudantes, professores, funcionários e pais – diz Alberto de Vitta, um dos autores do artigo, que atualmente leciona e pesquisa no Departamento de Fisioterapia da Faculdade Eduvale de Avaré (SP) e no programa de pós-graduação em Educação, Conhecimento e Sociedade da Universidade do Vale do Sapucaí (Pouso Alegre-MG.

 

Informações sobre fatores de risco para TSP em estudantes do Ensino Médio são relevantes porque crianças e adolescentes com dor nas costas são menos ativos, apresentam baixo rendimento acadêmico e apresentam mais problemas psicossociais, aponta o artigo.  Além disso, poucos estudos foram realizados em TSP em comparação com a dor lombar e cervical.

 

 

Fonte:  Zero Hora/Caderno Vida/Pedro Nakamura [Pedro.nakamura@zerohora.com.br] em 09/04/2023