OS MUROS ESTÃO CAINDO – APRENDER FAZENDO PARA TRANSFORMAR A AMÉRICA LATINA
A região tem uma oportunidade rara: transformar a sua juventude em protagonista do futuro global
Nesta semana, participo do Skills4LAC, um fórum internacional em que lideranças e especialistas se reúnem para discutir aprendizagem baseada no trabalho (work-based learning) na América Latina e no Caribe. O tema pode soar técnico, mas trata, na verdade, de algo profundamente humano: como preparamos nossas juventudes para viver, trabalhar e criar em um mundo onde as fronteiras entre estudar e trabalhar estão se dissolvendo.
Vivemos um tempo em que os muros entre aprender, trabalhar e viver estão caindo. O exemplo de Benjamin Choi, um jovem de 17 anos que, em plena pandemia, construiu um braço biônico em sua garagem usando uma mesa de ping-pong como bancada e uma impressora 3D de baixo custo, mostra que a inovação não espera um diploma. Choi não separou “hora de estudar” de “hora de fazer”. Ele aprendeu vivendo. Se um adolescente sozinho foi capaz disso, o que não poderiam criar os mais de 23 milhões de jovens latino-americanos que hoje não estudam nem trabalham, uma população maior do que a do Chile?
Esse é o tamanho da nossa urgência.
Bons exemplos já existem
A boa notícia é que já temos modelos inspiradores na região. O SENAI, no Brasil, forma mais de 200 mil aprendizes por ano e alcança 85% de empregabilidade. O SENA, na Colômbia, oferece cursos gratuitos e coloca oito em cada dez jovens no mercado, com altos índices de satisfação entre as empresas. A INFOTEP, na República Dominicana, treinou mais de 2,7 milhões de pessoas desde 2020, com 57% de mulheres. Esses exemplos mostram que, quando há desenho sólido, parceria com empresas e foco em resultados, a aprendizagem baseada no trabalho transforma vidas.
Mas também aprendi, com a experiência da Educopédia no Rio de Janeiro, que uma boa ideia sem boa implementação é frustração. Criamos uma plataforma inovadora e só conseguimos ampliar os resultados de impacto quando dedicamos mais tempo e energia para ajustar a forma como comunicávamos, envolvíamos e apoiávamos os professores no seu dia a dia. A lição é clara: para que funcione, é preciso cuidar dos detalhes, monitorar, ajustar, aprender em tempo real. Não basta ter programas; precisamos de sistemas de M&A que aprendem.
O fator IA: oportunidade e ameaça
No meio dessa equação, surge a inteligência artificial. Ela abre oportunidades gigantes, como os 15 milhões de empregos verdes previstos até 2030 na região, em áreas como energia limpa, tecnologia e sustentabilidade. Mas também ameaça postos de entrada, aqueles que tradicionalmente eram porta de entrada para jovens: estágios, tarefas repetitivas, funções de apoio. Startups como a Talently, no Peru, já mostram como a IA acelera a contratação de programadores experientes, mas substitui funções júnior.
O futuro exigirá um novo conjunto de competências humanas, como pensamento crítico, colaboração em contextos diversos, adaptabilidade, empatia, liderança, e negociação. É justamente esse repertório que a aprendizagem baseada no trabalho pode cultivar, quando bem implementada.
Relações são o que sustentam
Investimentos em infraestrutura e tecnologia são importantes, mas não são eles que sustentam o sucesso. No fundo, os números impressionam, mas é a qualidade das relações humanas que faz a diferença. O SENAI não atinge 85% de empregabilidade apenas pelo currículo, mas porque oferece mentores que acreditam, colegas que ensinam, empresas que acolhem. É a mesma lógica que vejo no projeto DIREFOR, no Paraná, quando diretores mais experientes passaram a mentorar os mais novos, e todos aprenderam juntos. Essa é também a essência do que defendo em meu livro O Professor Ampliado: quando professores usam a IA para automatizar tarefas repetitivas, ganham tempo para o que realmente importa: acolher, orientar e inspirar. A tecnologia não substitui; ela amplia.
O que falta
Temos casos que funcionam. Temos tecnologia que pode acelerar e ampliar. Temos o maior bônus demográfico da nossa história. O que falta é agir com excelência e urgência.
Isso significa:
Para além dos muros
A América Latina tem uma oportunidade rara: transformar a sua juventude em protagonista do futuro global. Mas, para isso, precisamos ir além de projetos-piloto isolados ou de soluções de curto prazo. Precisamos construir pontes sólidas entre educação, trabalho e vida.
Os muros já caíram. Agora, o desafio é maior: construir pontes que sustentem milhões de jovens latino-americanos em direção a um futuro mais justo, sustentável e humano.
Fonte: Zero Hora/Rafael parente em 14/10/2025