FIM DA NEUTRALIDADE NA INTERNET: PRÓS E CONTRAS
A polêmica medida de Donald Trump, que em dezembro mudou a regulamentação da rede nos EUA, é analisada em textos que expõem duas opiniões distintas sobre a controvérsia
DANIEL MARCHI
Economista, membro do Instituto Carl Menger
Até o dia 14 de dezembro, o acesso à internet nos EUA era classificado pela Comissão Federal de Comunicação (FCC, na sigla em inglês) coo “utilidade pública”, o que incluía o chamado princípio de neutralidade das redes. Tendo sido implantada em 2015 pela FCC, sob administração Obama, essa medida foi revogada. Ela se junta ao pacote de desregulamentação da economia americana promovido por Donald Trump.
Como de costume, as notícias que envolvem serviços amplamente utilizados acabam por despertar debates passionais, nos quais muitos argumentos prevalecem mais pelo alarmismo do que pela razão. Não foi diferente nesse caso. De repente, toda a liberdade de circulação de informações nas redes passou a depender dessa norma aprovada dois anos atrás, e sua revogação seria o sinal verde para uma espécie de distopia empresarial para a internet. As grandes corporações americanas, agora, teriam todo o incentivo para cobrar preços mais altos ao consumidor final e filtrar as informações indesejadas.
Nada é mais falso. A bem da verdade, de meados dos anos 1990 até 2015 a interne se desenvolveu extraordinariamente baseada em princípios de livre concorrência. Um ambiente de inovação, respeito à propriedade e gestão eficiente permitiu que um leque incrível de serviços prosperasse, incluindo o sensível acréscimo de fontes de informação, bem como das redes sociais. Em mercados livres, é a demanda dos consumidores que guia os empresários.
Então veio a decisão da FCC em 2015. Por trás das boas intenções da imposição da “rede neutra”, ela implicava, na prática, uma medida burocrática que vedava a gestão ativa e empresarial da infraestrutura de acesso. É, portanto, a própria antítese das razões que levaram ao contínuo progresso da rede mundial de computadores. É um instrumento de ingerência, burocratização e ameaça de judicialização de um setor que se desenvolveu, a contento, com base em relações de mercado.
Por fim, um lembrete sobre o caso brasileiro. Ao contrário dos EUA, cuja aplicação em 2015 se deu por uma decisão de sua agência reguladora (portanto mais fácil de ser revertida), aqui a neutralidade de rede se fez presente por meio de uma lei federal de 2014, o famoso Marco Civil da Internet. E as leis, por sua natureza congressual, são bem mais complicadas de serem revogadas por completo. Teremos a oportunidade de observar os frutos de cada contexto.
MARCO KONOPACKI
Coordenador de Projetos do Instituto de Tecnologia e Sociedade do RJ
A decisão da Comissão Federal de Comunicações(FCC, na sigla em inglês) de acabar com a neutralidade de rede nos Estados Unidos provocou muitos questionamentos sobre o futuro da internet. Em primeiro lugar , é importante entender que a mudança da regra, nos EUA, não necessariamente será seguida ao redor do mundo. A neutralidade de rede não acabou, e o Brasil é uma referência importante para se colocarem alternativas regulatórias que podem inspirar outros países.
Explicar neutralidade de rede parece difícil, por isso o tema costuma atrair pouca atenção, mas não se engane: esse é o princípio que ajuda a manter a internet como ela foi concebida, Quando não há neutralidade da rede, os provedores de serviços de internet têm liberdade para bloquear conteúdos, reduzir capacidade de carregamento de vídeos e músicas em serviços de streaming e ajudar empresas parceiras carregando seus sites e conteúdos com mais velocidade. Nasce disso uma internet mais centralizada e excludente.
A alegação oficial das empresas de telecomunicação para acabar com as regras de neutralidade é que elas precisam gerar novos modelos de negócio para tornar o setor mais atrativo para investimentos e para que haja incentivos à expansão e melhoria da rede existente. Um sintoma desse movimento no Brasil foi sentido quando operadoras de internet fixa no Brasil tentaram mudar a forma de cobrança de internet de velocidade para pacote de dados, ou seja, usar o mesmo formato que é utilizado pelas empresas de telefonia móvel. É justo que as empresas queiram aumentar o retorno sobre o seu investimento em infraestrutura, contudo, é preciso pensar em como o ambiente regulatório garante a função social da internet.
O Marco Civil da Internet (lei 12.965 de 23 de abril de 2014) estabeleceu que o acesso à internet é uma garantia fundamental para o exercício da cidadania. Se pensarmos em uma sociedade cada vez mais conectada, na qual a exclusão digital pode aprofundar diferenças sociais já existentes, é importante criar meios para garantir um ambiente de direitos equitativos para a conexão. Por isso, a neutralidade da rede deve ser garantida como princípio universal. A inclusão desse princípio dentro do Marco Civil da Internet foi uma vitória sem precedentes, e hoje compõe o rol de elementos necessários para entendermos a internet como um direito humano fundamental. Extinguir a neutralidade da rede é uma forma de cercear esses direitos.
Fonte: ZeroHora/doc em 25/12/2017