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O Uso das Telas pela Ótica da Psicanálise
O Uso das Telas pela Ótica da Psicanálise

PRECISAMOS FALAR SOBRE AS TELAS

Evento da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre discutirá adição e criatividade em um mundo marcado por esses novos estímulos

 

O teólogo belga Lawrence Beyerlinck, no século 17, observou que "o espelho adoece a alma".  De lá para cá, passamos do simples espelho para uma sofisticada busca de imagens cada vez mais belas e otimizadas.  O fenômeno das telas, além de produzir uma replicação das selfies, contém o que podemos designar como um imã que atrai, que chama, que desconcentra e que por vezes altera a realidade.

 

Durante uma palestra sobre tecnologia, a psicoterapeuta e professora da Universidade de Nova York, Esther Perel, especialista em relacionamentos contemporâneos, desenvolveu o fascinante tema da "intimidade artificial".  Para ela, estamos vivendo nossas vidas em permanente estado de atenção parcial. Habitualmente, quando nos relacionamos, nunca estamos 100% presentes.  Nossa atenção parece estar sempre dividida entre as pessoas e o celular.  Seria possível uma intimidade real com alguém ou alguma coisa?  As mídias funcionam como anestesia seletiva para as relações humanas.  Quando algo desconfortável se materializa, parte-se para o mundo controlado das telas, e isso nos distrai do que é verdadeiramente humano.

 

O filósofo Gilles Lipovetsky, juntamente com o crítico de arte Jean Serroy, no texto O VIRTUAL E O SENSUAL, citam que nas sociedades das redes virtuais os indivíduos passam seu tempo diante das telas, em vez de se encontrar e viver juntos.  Comunicam-se de modo digital, em vez de falarem diretamente uns com os outros.  Com o cibersex, as pessoas não fazem mais amor: o parceiro "faz o que quero", numa espécie de onanização da sexualidade.  Se o corpo deixa de ser a ancoragem real da vida, caminhamos para um universo descorporizado.  O interessante é que os autores se questionam: "É mesmo essa a lógica abstrata e desencarnada que nos rege?". Eles explicam que, na verdade, à medida que tudo se acelera e que uma parte notável da nossa vida é passada diante das telas, vemos ascender novas valorizações da dimensão sensorial.  As pessoas buscam os prazeres sensitíveis com o os boardsports, a decoração, os jardins, a natureza, mas também o luxo, a gastronomia, os produtos, os vinhos de qualidade, as paixões turísticas, o desejo de ver, descobrir e sentir as belezas do mundo.  O mundo virtual engendra forte necessidade de contrapeso que se torna veículo de tatilidade e de sensorialidade.  É essa a ironia de nossa época: quanto mais o mundo se torna imaterial e virtual, mais se assiste à ascensão de uma cultura que valoriza a sensualização, a erotização, a hedonização da existência.

 

Chamam-nos a atenção e nos preocupam as exposições precoces a determinados estímulos virtuais.  Pesquisas mostram um aumento de indicadores de autismo e a perda da capacidade intersubjetiva nos bebês que são muito expostos às telas, como um aumento do isolamento entre os adolescentes devido ao tempo na internet e um crescimento do suicídio em meninas adolescentes em função dos aplicativos de redes sociais, como Facebook e Instagram.

 

Sob o ponto de vista da psicanálise, vivemos tempos de uma sociedade narcisista, em que o indivíduo vive muito em função de seus próprios interesses, pouco importando o coletivo e o bem-estar social. Além disso, o consumismo e o imediatismo evidenciado nas famílias contemporâneas pouco contribuem para a busca por novos desafios e o amadurecimento pessoal.  Vivemos tempos em que não há falta, há pouco espaço para o reflexivo, assim como para a criatividade.  O indivíduo pode desenvolver-se intelectualmente numa escala altíssima, mas como fica a sua capacidade de interação e de simbolização, com as suas figuras imaginárias e reais?  Como ser criativo num mundo em que as pessoas recebem tudo pronto em poucos minutos, ou segundos?

 

Nessa linha, Lipovetsky e Serroy citam um narcisismo paradoxal que se manifesta, a tal ponto que se mostra dependente da relação com os outros.  Enquanto se desenvolvem os videogames e as comunicações virtuais, os indivíduos têm cada vez mais o gosto de sair à noite.  Vão à casa de amigos, ao restaurante, participam de festivais e de festas.  O .indivíduo hipermoderno não quer apenas o virtual, ele plebiscita o live. Os autores concluem que, quanto mais ferramentas de comunicação virtual existem, quanto mais telas high-tech, mais esses indivíduos procuram se encontrar, ver gente.

 

A Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA) convidou para debater a questão a educadora e economista Claudia Costin e a psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Maria Cecília Pereira da Silva.  Elas falarão a respeito desses temas tão desafiadores que são as adições às telas e a criatividade, além do desenvolvimento emocional da criança e do adolescente nesse cenário. O debate integra a Jornada Científica 2023 da SBPdePA, que foi pensada para profissionais de educação e saúde e familiares de crianças e adolescentes. A atividade será aberta à comunidade e ocorrerá às 20h do dia 31 de agosto, o primeiro dia do evento, na sede da SBPdePA, à Praça Maurício Cardoso, 7. As inscrições são limitadas para a modalidade presencial, e o ingresso será 2kg de alimento não perecível para doação.

 

O EVENTO

 

A Jornada Científica da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA) 2023 terá como tema Adições e Dependências – Reflexões e Transformações.  As palestras serão híbridas, com debates entre 31 de agosto e 2 de setembro, no Hotel Hilton Porto Alegre (Rua Olavo Barreto Viana, 18, Moinhos de Vento). Além de Claudia Costin e Maria Cecília Pereira da Silva, estarão presentes Decio Gurfinkel, José Alberto Zusman, o argentino Norberto Marucco, o sul-africano Mark Solms e a italiana Claudia Spadazzi. Inscrições e outras informações em sbpdepa.org.br/jornada2023

 

Fonte: Zero Hora/Caderno DOC/Nicole Campagnolo/vera Hartmann e Carmen Prado/Psicanalistas da SBPdePA em 06/08/2023