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As Redes Sociais e a Pesquisa Why We Post?
As Redes Sociais e a Pesquisa Why We Post?

UM MUNDO MELHOR DO QUE VOCÊ IMAGINA

 

Um fascinante estudo realizado em oito países, inclusive o Brasil, mostra que as redes sociais não são um palco de egoísmo, platitudes, valentia desmedida e chatice em profusão. A vida por lá é bem menos óbvia do que se supõe.

 

A polarização dos debates, os discursos inflamados – ainda mais em temporada de rachas políticos – e a falta de respeito pela opinião alheia levam a crer que redes sociais, a exemplo do Facebook, fomentam apenas brigas, egocentrismos e a proliferação de memes que muitas vezes espalham, tão somente, mentiras e provocações. Os detratores da vida que brota na web podem se apoiar no fiasco do programa de inteligência artificial lançado há duas semanas pela Microsoft, integrado ao Twitter: ao compilar dados de tuítes, o software imitou o comportamento de adolescentes nas trocas de mensagens de 140 caracteres. O efeito inesperado é que o robô acabou por se tornar racista, misógino e tarado (convenhamos, a simulação pode ter se saído perfeita demais). Na outra ponta, os defensores das redes sociais alegam que tratá-las como poço de posturas tortas é bobagem, pois os sites de relacionamento promovem a democracia e aproximam indivíduos com pontos de vista distintos. Um estudo internacional, publicado pela universidade inglesa College of London no mês passado, chegou a uma conclusão surpreendente: ambos os lados estão errados (e, ao mesmo tempo, têm alguns acertos). A pesquisa, realizada em oito países, incluindo o Brasil, e que ganhou o didático nome de Why We Post (“Por que postamos”), revelou que por trás das curtidas e dos compartilhamentos há mais nuances do que preconizavam os julgamentos precipitados, ora de descrença, ora de absoluto entusiasmo pela novidade.

 

Descobrimos que as redes sociais acabam por refletir aspectos culturais, morais e políticos que já estavam enraizados na cultura de cada um”, analisa o brasileiro Juliano Spyer, um dos nove antropólogos que realizaram a pesquisa. “Elas não criaram um mundo novo. Apenas emularam, no formato virtual, o que existia.” Cada um dos cientistas morou durante quinze meses em uma das localidades selecionadas e observou como a população local usa os sites. Além de 230 brasileiros, quase 2000 chineses, chilenos, indianos, ingleses, italianos, turnos e trinitários (da ilha caribenha de Trinidad) tiveram seus perfis on-line avaliados. Explica Spyer: “Escolhemos iluminar áreas que ainda não haviam sido devidamente analisadas em seu uso de redes. Fizemos isso para não chegar aos resultados de sempre, que acabam por ser viciados, exacerbando como globais hábitos que não passam de locais, como os adotados nos Estados Unidos, tradicional ponto de estudos”.

 

Os antropólogos – entre eles uma americana que passou seus quinze meses de trabalho no Chile – são críticos de como são divulgados artigos acadêmicos provenientes de universidades dos Estados Unidos. O desconforto: a grande maioria dos levantamentos tem como base um mesmo público, constituído por universitários, ricos, na faixa dos 20 anos, usualmente ocidentais. A exemplo de um estudo da universidade californiana Stanford, de 2011, segundo o qual redes sociais fariam com que pessoas passassem a ser mais solitárias e cultivassem uma imagem negativa de si. O problema: o veredicto veio depois de terem sido entrevistados 400 estudantes, todos do 1º ano da graduação de Stanford. Portanto, o comportamento só pode ser relacionado a esse grupo.

 

Em contraposição, entre os achados do Why We Post, desvendou-se que seis em cada dez chineses que residem em áreas rurais e industriais se sentem felizes pelo uso desses sites, por meio dos quais vislumbram a chance de contatar conhecidos em grandes cidades e, assim, se sentem incorporados à cultura urbana. Já no Chile, costuma-se utilizar essas plataformas para se conectar com familiares distantes. Enquanto isso, mulheres muçulmanas têm o hábito de criar perfis falsos para poder se expressar honestamente, sem amarras nem repressões machistas. E outro senso comum demolido na análise: o de que a internet fortificaria a democracia e as opiniões progressistas. Nem sempre é assim. Indianos costumam utilizar o Facebook para promover o retrógrado conceito de castas religiosas, relacionando-se somente com os que pertencem às suas classes (apesar da tentativa de alguns casais de burlar essa regra social). No Brasil, o ambiente digital também não ajudou a comunicação entre ricos e pobres.

 

O estudo do College of London possui o mérito de respeitar umas das máximas do trabalho científico, assim traduzido pelo físico americano Robert Oppenheimer (1904-1967), célebre por ter participado da criação da bomba atômica: “A ciência começa no senso comum. Vai então à observação, em que se descobre o paradoxo, e então a preconcepção é corrigida”. Ou, em palavras mais convencionais e livremente adaptadas de uma máxima extraída da pela Hamlet, de Shakespeare (1564-1616): “Há mais coisas entre um post e uma curtida do que sonha nossa vã filosofia digital”.

 

 

NARCISISMO

 

O SENSO COMUM: As selfies – as fotos de si mesmo, populares na internet – refletiriam os desejos de uma geração vaidosa

 

A DESCOBERTA DO ESTUDO: entre ingleses, menos de metade das imagens postadas são selfies; e nem toda selfie, ressalte-se é egoísta. O mais comum no Facebook é a “groupie”, autorretrato feito em grupo, com amigos ou parentes (cinco vezes mais frequente do que os retratos individuais)

 

ONDE A PESQUISA DETECTOU ESSE HÁBITO: Chile e Inglaterra

 

 

DESATENÇÃO

 

O SENSO COMUM: Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat e companhia distrairiam os jovens das atividades escolares

 

A DESCOBERTA DO ESTUDO: em países mais pobres, principalmente entre famílias de baixa renda, as redes sociais são utilizadas como fonte informal de material educativo. Na Índia e na China, 60% dos entrevistados apontaram esses sites como fomentadores do ensino

 

ONDE A PESQUISA DETECTOU ESSE HÁBITO: Brasil, Inglaterra, Índia e áreas industriais da China.

 

 

INDIVIDUALISMO

 

O SENSO COMUM: as redes nos tornariam egocêntricos e solitários

 

A DESCOBERTA DO ESTUDO: exatamente o contrário. Por meio da internet, mantém-se contato com familiares e amigos, mesmo quando distantes. Chineses que vivem fora de grandes cidades apontam o uso das redes como atalho de aproximação entre o cotidiano urbano e o rural da China

 

ONDE A PESQUISA DETECTOU ESSE HÁBITO: Brasil, Inglaterra, Itália, Turquia e região rural da China

 

 

MONOTONIA

 

O SENSO COMUM: as redes sociais, como parte do fenômeno da globalização, estariam tornando o planeta homogêneo em demasia, chato e sem diversidade

 

A DESCOBERTA DO ESTUDO: pelos sites, indivíduos expressam traços culturais particulares e, assim, se agrupam entre iguais. Na Turquia, 62% dos usuários romperam a amizade com quem publica posts discordantes de suas opiniões. Soa agressivo – mas denota a defesa de convicções

 

ONDE A PESQUISA DETECTOU ESSE HÁBITO: Chile, Índia, Inglaterra, Itália, Turquia, Trinidad e regiões rurais da China.

 

 


Fonte: Veja/Raquel Beer em 06/04/2016