PARA RESGATAR A COR DE MACHADO DE ASSIS
Campanha de universidade pôs na internet para download foto do escritor com pele negra.
“Machado de Assis era um homem negro. O racismo o retratou como branco”. Essas são as primeiras frases da campanha feita pela Faculdade Zumbi dos Palmares, de São Paulo, em parceria com a agência de publicidade Grey. A ação, lançada em abril – no mês do Dia Mundial do Livro –, tem como propósito ressaltar a identidade negra de um dos maiores escritores brasileiros e fundador da Academia Brasileira de Letras.
Com o título Machado de Assis Real, o projeto incentiva que as pessoas participem de um abaixo-assinado para que editoras parem de publicar livros com fotos nas quais ele aparece embranquecido e substituam a fotografia distorcida por uma em que o autor apareça com cor e traços físicos negros. Além disso, foi disponibilizado no site da campanha a nova imagem para que as pessoas possam fazer download e colá-la em seus próprios livros do contista.
O processo de branqueamento pelo qual Machado de Assis passou diz respeito ao imaginário social que o povo brasileiro construiu em relação à população negra, que é vista como inferior e incapaz pela população não negra – afirma Luiz Maurício Azevedo, editor-executivo da editora Figura de Linguagem e pós-doutor em Literatura Brasileira pela Universidade federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
- Popularmente, pessoas negras estão ligadas à força física e à animalização, não a seu potencial intelectual. Quando estes indivíduos ganham projeção por seu talento na literatura, por exemplo, criam-se mecanismos para manter os negros no lugar de subcategoria. Por isso, transformaram uma pessoa negra em branca, porque socialmente negras e negros “não podem ter” o status de autor. E a história valeu-se da frágil documentação da época para reforçar a imagem de um Machado de Assis não negro – diz Azevedo.
O estudioso ainda ressalta que o Brasil promove a hierarquia das raças por ter suprimido aquilo que era entendido como diferente.
- Este país vive em conflito, não vivemos em harmonia como prega a democracia racial. Houve e ainda há derramamento de sangue – complementa o pós-doutor em Literatura Brasileira.
Jeferson Tenório, escritor e doutorando em Teoria Literária pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), relembra que uma propaganda da Caixa Econômica Federal, de 2011, também embranqueceu Machado e que isto é apenas o reflexo de como o brasileiro enxerga as pessoas negras no país: não dignas de determinados feitos.
- Por isso, é necessário que haja revisão histórica e de representação. Porque, quando nos vemos em determinados espaços, nos sentimos motivados a estar lá também. Esta é uma campanha muito bem pensada, já que ela ajuda a resgatar esta importantíssima personalidade e identidade negra que há muitos anos nos é negada e constantemente branqueada – afirma tenório.
Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno/Iarema Soares (iarema.soares@zerohora.com.br) em 06/05/2019