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Rosa Parks e A Casa das Memórias
Rosa Parks e A Casa das Memórias

A CASA DAS MEMÓRIAS

 

Construção que abrigou Rosa Parks nome icônico do movimento negro nos EUA, foi levada de Detroit a Berlim em um inusitado projeto artístico. Na Alemanha os visitantes exaltam a sua preservação.

 

Com o cair da tarde em Wedding, bairro operário de Berlim, por trás das cortinas nas janelas de uma casinha de madeira, é possível ver as lâmpadas acesas. As crianças que brincam ao lado param para olhar quando ela parece vibrar com as notas musicais e provoca uma reação quase sobrenatural.

 

Aí vem a voz potente do ícone do movimento pelos direitos civis dos EUA, Rosa Parks. Ela canta sobre Montgomery, no Alabama, e de sua recusa em deixar o assento na parte dianteira do ônibus.

 

A casa onde Rosa morou ficava em Detroit e era de seu irmão, mas após ser ameaçada de demolição, foi transportada para Berlim e aberta ao público em abril. Lá dentro, Ryan Mendoza, artista norte-americano que vive na capital alemã é quem dá play nas fitas, incluindo trechos de uma entrevista de 1957 para o rádio, concedida exatamente nessa sala.

- É meu dever manter a casa viva – resume Mendoza. - Tento deixar em um volume alto o bastante para incomodar os vizinhos, mas não muito.

 

Até agora, porém, o pessoal das redondezas não parece incomodado. Pelo contrário, Berlim adotou a casinha de Detroit, para a qual Rosa se mudou em 1957 e onde morou, com a família do irmão, depois de fugir das ameaças de morte no Sul. Por mais improvável que seja, ou talvez por isso mesmo, a segunda vida da casa no jardim de Mendoza capturou o imaginário da cidade, virou manchete e, para alguns, simboliza também o novo papel da Alemanha no mundo.

 

O projeto foi realizado no ano passado, quando Rhea McCauley, sobrinha de Rosa, conheceu Mendoza em Detroit. Como parte de uma iniciativa artística que explorava o sentido de “lar” para além das crises das hipotecas nos EUA, Mendoza conseguiu transportar uma estrutura abandonada de Detroit para a Europa e, de quebra, conquistou a confiança de membros da comunidade norte-americana no processo. Rhea lhe disse que conseguira readquirir a casa da família por US$ 500, mas que não conseguira encontrar ninguém interessado em reformá-la.

 

Mendoza concordou em ajudar. Arrecadou pouco mais de US$ 100 mil com a venda de suas obras e foi para Detroit. Lá, contou co a ajuda de uma equipe local para desmontar a casa, que estava caindo aos pedaços. A seguir, mandou o exterior de madeira para Berlim. Levou o inverno inteiro para reconstruí-lo cuidadosamente, à mão, praticamente sozinho.

  • Foi um ato de amor – resume o artista plástico.
  • - negligenciar uma casa como essa reflete a falta de vontade dos EUA de lidar com o legado do racismo – afirma Daniel Geary, professor de História Norte-Americana do Trinity College Dublin. - O pessoal lembra de Rosa Parks quando ela se recusou a obedecer às ordens no ônibus. Não querem necessariamente lidar com o resto, as ameaças de morte, o fato de que teve que sair do Alabama e ir para Detroit. É uma história mais complicada, sem final feliz. Ela sofreu por causa da decisão que tomou.

 

Nesse sentido, para muitos alemães, o país europeu dá um contraexemplo.

- Nossa história é marcada pela culpa e por uma cultura de prática do não esquecimento -comenta Deike Diening, jornalista do Tagesspiegel que fez uma reportagem sobre o projeto.

- Acho que os berlinenses, mais até do que os alemães em geral, estão extremamente preocupados com o que está acontecendo nos EUA desde que Trump assumiu – acrescenta Gero Schliess, correspondente cultural da Deutsche Welle, principal agência alemã de notícias.

 

Os EUA podiam servir de modelo em alguns aspectos, porém, algo parece ter mudado.

- O discurso político norte-americano não reflete mais os valores democráticos – complementa Schliess.

 

Rhea está feliz de ver a casa de Rosa na Alemanha. Em Berlim para a inauguração, ela se disse impressionada com o que descreveu como “demonstrações de carinho” dos berlinenses.

- Achei incrível porque os alemães parecem saber mais a respeito da Tia Rosa do que nós – revela.

 

Mendoza especifica o horário de funcionamento da casa em seu site. Ele e sua mulher, Fabia, costumam dar as boas-vindas ao público no jardim, geralmente com música ao vivo e microfone aberto. Partes internas do imóvel podem ser avistadas da rua, ou seja, dá para saber até se os Mendoza estão ou não ali dentro. Os visitantes não podem entrar por causa de exigências da seguradora, mas também por respeito.

- A casa estava abandonada, já foi até invadida. Queremos que ela recupere a dignidade – diz Mendoza.

 

Mas, diariamente, cerca de 50 pessoas tocam a campainha. No sábado em que a reportagem esteve lá, 12 pessoas apareceram para uma visita.

- É surreal ter essa casa aqui – constata Norberto Romero, fotógrafo que vive na região.

- Estranho mesmo é que ninguém a queira nos EUA – questiona outro visitante, Marcus Kelch, que trabalha com crianças deficientes e teve que pesquisar na internet para saber quem foi Rosa Parks.

 

O amigo Dennis Lumme concorda com ele:

- Aqui na Alemanha é diferente. Li outro dia que tem gente querendo fazer um memorial no campo de concentração ffeminino de Ravensbrueck para as lésbicas que foram mortas ali. Tentamos homenagear e reconhecer todos os grupos que sofreram.

 

Os amigos ficam em silêncio, analisando a tinta descascada e as venezianas carcomidas da velha casa.

- Sem dúvida, Berlim é o lugar perfeito para ela. Cada palmo desta cidade está lotado de lembranças históricas – sentencia Lumme.

 

Saiba mais sobre ROSA PARKS aqui: https://pt.wikipedia.org/wiki/Rosa_Parks

 

Filme/Trailer: Rosa Parks – O poder de uma pessoa:

https://www.youtube.com/watch?v=FztNc3yCehU

 

Fonte: ZeroHora/Caderno PrOA/Sally McGrane/The New York Times em 04/06/2017