A FICÇÃO DO NÃO E A NÃO FICÇÃO
Autor Cristovão Tezza lança novo romance e coletânea de sete conferências sobre literatura.
Autor que se tornou um nome de projeção nacional há uma década com o lançamento do romance O FILHO ETERNO, Cristovão Tezza parece ter passado seus anos seguintes dedicado a entender e até mesmo desafiar o que fez o público se conectar tanto com sua narrativa sobre um pai precisando aceitar seu filho com Down. O escritor lançou romances que se afastam conscientemente do seu livro mais famoso e discutiu literatura em crônicas e livros de não ficção rigorosos. São dois novos exemplares dessa produção que o autor está lançando agora, com o romance A TIRANIA DO AMOR, publicado no mês passado (abril) pela Todavia, e na coletânea de conferências A LITERATURA À MARGEM, que está ganhando edição pela gaúcha Dublinense.
A TIRANIA DO AMOR é a história de um homem que decide abdicar do sexo. Economista, trabalhando em uma consultoria privada, Otávio é um homem cuja vida está em processo gradativo de desintegração. No trabalho, seu papel como um habilidoso analista de conjuntura é visto como ultrapassado em um momento de plena crise, e ele espera ser demitido em breve, sem saber que a própria empresa para a qual trabalha pode estar no epicentro de uma investigação federal. Na família, um de seus filhos, Daniel, é um jovem militante de esquerda que menospreza a forma como o pai sempre ganhou a vida, como agente do mercado financeiro. E uma troca de e-mails da esposa Rachel, uma advogada de prestígio, revela que ela está tendo um caso e que pensa em se separar por considerá-lo um homem seco e sem emoções. É essa descoberta que o leva a tomar a decisão algo quixotesca de “abdicar de sua vida sexual”.
Desde o sucesso de O FILHO ETERNO, Tezza foi ensaiando uma mudança de estilo. Do tom mais seco e aberto da obra que o tornou amplamente conhecido (e que era também o de parte de seu primeiro grande romance, TRAPO), ele dedicou-se a criar obras que desafiam os limites do tempo narrativo, situando-se a maior parte em um único momento (o diálogo de uma noite, como em UM ERRO EMOCIONAL, por exemplo) e que se desdobra para o futuro e para o passado.
É uma estrutura formal que o autor maneja com total maturidade em A TIRANIA DO AMOR, em grande parte situado na caminhada de pouco mais de 70 passos entre o sinal e o prédio em que o protagonista trabalha, mas que passeia pelo passado e pelo futuro. Os devaneios de Otávio circulam seus problemas presentes e as frustrações de uma vida inteira: prodígio da matemática desde a infância, fracassou ao perseguir uma carreira acadêmica, tendo sua tese de doutorado rejeitada. Ele também se ressente das vezes em que falhou em perceber as fissuras em seu casamento. Relembra a vez em que, para cumprir uma aposta com a esposa, escreveu, sob pseudônimo, um livro de autoajuda macaqueando princípios da matemática e de seu uso pelo filósofo Spinoza. Se demonstra segurança no uso do tempo e, com isso, dota Otávio de uma riqueza cheia de camadas, Tezza tem problemas em criar coadjuvantes com a mesma complexidade. Rachel é um enigma, e o filho Daniel é uma caricatura com a qual Tezza parece mais responder a seus críticos pelas declarações feitas em 2016 sobre o impeachment de Dilma Rousseff.
ENSAIOS SOBRE ASPECTOS DA PROSA LITERÁRIA
Já A LITERATURA À MARGEM é uma reunião de sete conferências proferidas por Tezza em eventos diversos entre 2008 e 2017. São textos sobre representação, fazer literário, a vida de escritor, o uso da própria biografia na obra. São obras sólidas de um autor com décadas de experiência acadêmica. No que dá título ao livro, por exemplo, Tezza evoca a experiência de sua própria geração, criada sob a sombra da ditadura militar, para discutir como a literatura terá necessariamente um papel marginal em seu núcleo:
“Se entendemos a ideia de ‘margem’ além da realidade frequentemente mesquinha, ou no mínimo chapada e esquemática com que se pensam esquerda e direita hoje, percebemos que não há de fato praticamente nenhum escritor de relevância que de algum modo, no seu tempo, não tenha vivido à margem ou então cultivado um olhar à margem, capaz de ver o que o olhar comum não consegue ver”, escreve.
Fonte: Zero Hora/Mundo Livro/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) em 25/05/2018